Paulo Paulino “Lobo Mau” Guajajara morreu após emboscada nos arredores da Terra Indígena Arariboia, no MA — Foto: Sarah Shenker/Survival International
O primeiro confronto foi uma emboscada na Terra Indígena Arariboia, na região de Bom Jesus das Selvas, no dia 1º de novembro, na qual morreram o índio Paulo Paulino Guajajara e o madeireiro Márcio Greyuke Moreira Pereira.Neste fato, o indígena Laércio Guajajara, primo de Paulino, ficou ferido.
Laércio Guajajara, um dos líderes de grupos de 'Guardiões da Floresta' no Maranhão — Foto: Reprodução/TV Mirante
O segundo ataque foi no último sábado (7), entre as aldeias Boa Vista e El Betel, na Terra Indígena Cana Brava, no município de Jenipapo dos Vieiras, em um trecho da BR-226. Um dos índios sobreviventes, Nelsi Guajajara, conta em um vídeo (veja abaixo) que um carro branco se aproximou, e os ocupantes dispararam contra um grupo de indígenas que estava na rodovia federal.
Atentado contra índios é registrado na BR-226 no Maranhão
Os caciques Firmino Silvino Guajajara e Raimundo Bernice Guajajara morreram, e outros dois índios foram atingidos e levados para Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do município de Jenipapo dos Vieiras.
Raimundo Guajajara morreu durante o ataque a índios em Jenipapo dos Vieiras no Maranhão — Foto: Divulgação/Apib
Ordem dos fatos na Terra Indígena Cana Brava
- Grupo de indígenas guajajara foi atacado a tiros na BR-226 neste sábado; dois morreram e dois ficaram ferido
- Após o crime, os indígenas fizeram um protesto e bloquearam a BR-226
- Funai disse acreditar que índios morreram porque foram associados a assaltos na região
- O governador do MA, Flávio Dino (PCdoB), disse que o estado vai auxiliar autoridades federais no caso
- A Polícia Federal informou que um inquérito foi instaurado para apurar os crimes
- Moro autorizou envio da Força Nacional para a região
Mapa - ataques a indígenas no Maranhão — Foto: Juliane Souza/G1
As vítimas dos dois ataques são lideranças de suas aldeias. Paulo Paulino Guajajara não era cacique, como Firmino Silvino Guajajara e Raimundo Bernice Guajajara, mas ele liderava um grupo chamado de "Guardiões da Floresta", que realiza a vigilância e proteção da floresta, além de denunciar a ação de madeireiros na região.
Os guajajaras vivem em várias reservas, todas no Maranhão. Em Arariboia, há 12 mil indígenas numa área de 423 mil hectares, o equivalente a três vezes o tamanho do município de São Paulo. Já Cana Brava tem 137 mil hectares, praticamente uma cidade de São Paulo, e abriga, aproximadamente, 4,5 mil indígenas. Os dados são do Instituto Socioambiental.
Há anos acontecem conflitos com madeireiros e grileiros em Arariboia. No caso de Cana Brava, o maior problema envolve os moradores de cidades próximas à terra indígena. Segundo relatos de pessoas que acompanham a situação no local, é crescente o ódio aos índios, em razão de crimes que acontecem na BR-226, como assaltos. Os indígenas dizem que, em muitos casos, levam a culpa por atos que não cometeram e pedem policiamento na região.
Motivos dos ataques
"A investigações sobre a morte de Paulo Paulino Guajajara ainda estão em andamento, por isso, seguem sob sigilo. A previsão da Polícia Federal é que a conclusão definitiva ocorra nos próximos dias", diz a nota enviada pela Polícia Federal.
Indígenas cercam homens que estavam em acampamento montado na Terra Indígena Alto Turiaçu, com a finalidade de desmatar a região — Foto: Lunae Parracho/Reuters
"O interesse de expulsar e de desorganizar as populações indígenas, que protegem a floresta, tem o motivo político, mas a gente observa também o motivo econômico, pois tem os interesses do mercado da madeira, do minério e da abertura de pastos para o agronegócio. E essas terras não são fáceis de explorar se as populações indígenas são politicamente organizadas, pois elas protegem o território, como é o caso da população Guajajara", disse João Coimbra, consultor no Brasil para organização ambiental e de direitos humanos da Amazon Watch.
O assessor jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Luiz Eloy Terena, também defendeu essa linha de pensamento.
"Teve a morte do Paulino Guajajara, que era o líder dos Guardiões da Floresta, e agora esse outro ataque são crimes que estão relacionados aos conflitos por território, que é grande na região. Os indígenas estão defendendo com a própria vida suas terras", disse Eloy.
Governo federal aciona ministérios
O ministério da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, se manifestou logo após o ataque na BR-226 e disse que avaliava o envio da Força Nacional, oque foi autorizado na segunda-feira (9).
A ação tem como objetivo garantir a integridade física e moral dos povos indígenas, dos servidores da Fundação Nacional do Índio (Funai) e dos não índios.
Além da Força Nacional, o governo federal enviou um representante do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, à Terra Indígena Cana Brava. Procurado pelo G1, o ministério ainda não informou quais ações serão tomadas por conta das mortes.
Mortes de índios crescem
Infográfico sobre mortes de indígenas no Brasil em 2019 — Foto: Arte G1
No último fim de semana, três ativistas indígenas foram mortos no país. Além do ataque em Jenipapo dos Vieiras, um caso foi registrado em Manaus, no Amazonas. O ativista da etnia Tuyuca Humberto Peixoto Lemos morreu no hospital após ser agredido a pauladas na segunda-feira (2).
Segundo Paulo César Moreira, da coordenação nacional da CPT, o aumento no número de mortes de lideranças indígenas é resultado de um discurso de "violência institucionalizada" nos conflitos do campo.
"Nós vivemos um momento em que o Estado é o agente promotor das agressões. Com todo esse momento político que a gente vive, os responsáveis pelas violências decidiram que esses povos indígenas não têm direitos e que têm que ser eliminados. Com isso, a gente está vendo um massacre", diz Paulo Moreira, coordenador da Pastoral da Terra.
Mortes de índios e lideranças indígenas no campo — Foto: Comissão Pastoral da Terra
Já no Maranhão, segundo a Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH), de 2016 a 2019, 13 indígenas foram mortos em decorrência do conflito com madeireiros. Em nenhum dos casos os criminosos foram punidos. Caso seja confirmada a relação de conflito com madeireiros nas mortes do último sábado (7), o número subiria para 15.
"Nenhum caso foi identificado quem cometeu o crime ou levado a julgamento. O tipo de violência normalmente é praticado em lugares ermos, sem testemunha, principalmente no interior da floresta, e isso dificulta a investigação. Mas também tem a questão da estrutura de segurança que não está preparada ou não prioriza esses casos", afirmou Antônio Pedrosa, assessor jurídico e membro da SMDH.
Quatro dos treze indígenas assassinados em menos de quatro anos no Maranhão. — Foto: CIMI
O G1 reuniu todos os casos informados pela SMDH com a localidade e informações sobre a forma como ocorreram os assassinatos de indígenas entre 2016 e 2019, por conflito com madeireiros no Maranhão. Veja abaixo.
Assassinatos de indígenas no Maranhão
Nome | Etnia | Local da ocorrência | Município | Descrição |
José Dias de Oliveira Lopes (2016) | Guajajara | Terra Indígena Bacurizinho | Grajaú | Corpo foi encontrado no Rio Mearim com sinais de estrangulamento |
Hugo Pompeu Guajajara (2016) | Guajajara | Terra Indígena Cana Brava/Guajajara | Barra do Corda | Corpo foi encontrado com diversas mutilações |
Aponuyre Guajajara (2016) | Guajajara | Terra Indígena Araribóia | Amarante do Maranhão | Assassinado a tiros por suspeita de participar de morte de não indígena |
Genésio Guajajara (2016) | Guajajara | Terra Indígena Araribóia | Amarante do Maranhão | Morto a tiros e pauladas |
Isaías Guajajara (2016) | Guajajara | Terra Indígena Araribóia | Amarante do Maranhão | Assassinado a facadas |
Assis Guajajara (2016) | Guajajara | Terra Indígena Araribóia | Amarante do Maranhão | Morto a pauladas dentro da terra indígena |
José Queirós Guajajara (2016) | Guajajara | Terra Indígena Bacurizinho | Grajaú | Corpo foi encontrado em açude com marcas de queimaduras causadas por fios elétricos |
Divino Guajajara (2016) | Guajajara | Terra Indígena Bacurizinho | Grajaú | Assassinado a facadas por não indígena |
Lopes de Sousa Guajajara (2016) | Guajajara | Terra Indígena Morro Branco | Grajaú | Corpo encontrado no Rio Grajaú com as orelhas e partes íntimas mutiladas |
José Colírio Oliveira Guajajara (2016) | Guajajara | Terra Indígena Cana Brava/Guajajara | Barra do Corda | Morto a tiros |
Fernando Gamela (2016) | Gamela | Terra Indígena Gamela | Viana | Morto a tiros nas margens da MA-040 |
Sayrah Ka'apor (2017) | Ka'apor | Terra Indígena Alto Turiaçu | Centro Novo do Maranhão/Nova Olinda do Maranhão | Morto a golpes de faca |
Paulo Paulino Guajajara (2019) | Guajajara | Terra Indígena Araribóia | Bom Jesus das Selvas | Morto a tiros |
Ainda segundo Antônio Pedrosa, muitos casos relacionados à morte de indígenas já foram até arquivados sem que o autor pagasse pelo crime.
"Quando é para criminalizar indígena, esses inquéritos andam muito mais rápido. Desses casos, a grande maioria [dos inquéritos] ou está arquivada, ou está aguardando provas e outros elementos de investigação. O inquérito não chega a lugar nenhum", declarou.