Ampliando o papel da humanização no tratamento de pacientes com doenças e/ou transtornos psiquiátricos, hoje a família exerce papel fundamental no acompanhamento dessas pessoas. Para aprofundar o assunto, o iSaúde Bahia conversou com o médico psiquiatra Dr. Victor Pablo. Segundo ele, os familiares são os principais agentes do tratamento, pois “são os que conduzem o paciente para a avaliação psiquiátrica e os que podem realizar o acolhimento adequado durante o período de estabilização dos sintomas agudos”.
iSaúde Bahia - O que determina a Reforma Psiquiátrica sobre as internações em hospitais psiquiátricos?
Dr. Victor Pablo -
A reforma foi um movimento sanitário e ideológico nascido no período após a Segunda Guerra Mundial, inspirado na Declaração Universal dos Direitos Humanos e na criação da Organização Mundial da Saúde (OMS), que define saúde como “estado de completo bem-estar físico, mental e social e não consistindo somente da ausência de uma doença ou enfermidade”. A reforma combateu a cultura do internamento manicomial, cujo objetivo terapêutico era indefinido e enfatizava o internar “para permanecer dentro” e proteger a sociedade, tal como acontecia com os leprosários e hospitais de tuberculosos. Com o advento da eficácia terapêutica no tratamento da lepra, sífilis, tuberculose, transtornos mentais e com a percepção de que o processo manicomial oprimia o princípio da liberdade humana, foram pensados conceitos de territorialidade para supervisão e reinserção dos pacientes psiquiátricos sequelados no convívio social e familiar, daí o advento dos CAPS (Centros de Atendimento Psicossocial). Entretanto, a fração ideológica sobrepujou as considerações técnicas sanitárias a respeito do estado da saúde mental brasileira, dando início ao fechamento de milhares de leitos psiquiátricos de maneira imperativa, sem criar um processo de transição adequado, após a promulgação da Lei número 10.216, de 6 de abril de 2001, o que provocou situações familiares e pessoais dramáticas nos pacientes derivados de famílias de baixa renda: abandono, agressões, mendicância.iSB - Nesse novo contexto, a família passa a ter um papel mais ativo. Quais são suas atribuições?
Dr. Victor Pablo -
iSB - Quais cuidados a família deve ter para evitar possíveis crises e surtos psiquiátricos do paciente?
Dr. Victor Pablo -
A maior parte dos transtornos mentais inicia seus sintomas no fim da adolescência e início da vida adulta. Algumas maneiras de diminuir os prejuízos físicos, sociais, financeiros e profissionais de tais distúrbios é a informação a respeito do que seja um transtorno mental, que a maioria deles tem excelente prognóstico quando prontamente iniciado o tratamento; o conhecimento de que os transtornos mentais são muito comuns, principalmente os quadros fóbicos, panicosos, ansiosos e a depressão maior; saber que a exposição dos adolescentes ao uso de substâncias psicoativas é bastante prevalente e perigosa para um cérebro na fase de amadurecimento final.iSB - A família deve estar capacitada para exercer esse cuidado? Como ela pode se preparar para essa realidade?
Dr. Victor Pablo -
iSB - Cuidar do paciente psiquiátrico é uma tarefa que pode gerar estafa e estresse. Como a família deve promover o autocuidado?
Dr. Victor Pablo -
Apenas uma fração dos transtornos psiquiátricos demandam um cuidado tão intensivo e permanente, menos de 10% deles. Seriam quadros mais graves de esquizofrenia, transtorno bipolar do humor, transtornos do uso de derivados de cocaína, anorexia nervosa e alguns transtornos de personalidade borderline. Entretanto, qualquer caso pode se tornar mais grave quanto mais tempo demora o diagnóstico e a instituição do tratamento. O ideal é que o cuidador consiga dividir as atenções com os familiares e outros cuidadores. Não basear a relação com o paciente apenas pela “função de cuidado”, quando se tratar de familiar. Refletir sobre o panorama geral do caso clínico junto com profissionais de saúde mental para criar estratégias de enfrentamento e diminuição do desgaste. Manter um rico repertório de atividades fora do papel de cuidador, como exercícios físicos, lazer, eventos sociais, turismo, ocupações profissionais, artísticas e voluntárias.iSB - Como é hoje a participação das famílias no processo terapêutico desses pacientes? Ainda há muito preconceito com relação à saúde mental?
Dr. Victor Pablo -
Temos conseguido alcançar uma maior autonomia do paciente e descolar ele da identidade de “paciente”. Assim sendo, ter bipolaridade ou esquizofrenia torna-se apenas uma nuance dessa biografia. Entretanto, na fase aguda, é crucial que os enfermeiros, psicólogos, psiquiatras, terapeutas e nutricionistas responsáveis pelo caso desloquem os familiares e o cliente de uma postura mais emocional na interpretação dos acontecimentos, expliquem o sentido dessas vivências e estabeleçam um plano racional para o enfrentamento dos problemas.iSB - Quais são os ganhos para o paciente que passa a ser cuidado em ambiente familiar?
Dr. Victor Pablo -
O ambiente familiar é essencial após um internamento integral, pois é menos impessoal, ou seja, reforça seus atributos subjetivos: sua cama, seus livros, os quadros na parede, a hora que o irmão chega, o momento em que o pai chama para o jantar, a Páscoa, o aniversário da vovó, seu papel na interação familiar.iSB - Quando o paciente realmente precisa de internação hospitalar?
Dr. Victor Pablo -
Quando não consegue manter o tratamento ambulatorial ou quando negligencia cuidados básicos de higiene e nutrição ou apresenta comportamentos agressivos, suicidas ou de exposição moral, financeira e profissional devido a vivências delirantes, euforias patológicas, intoxicação por substâncias psicoativas, estados confusionais agudos, episódios depressivos graves e desnutrição grave.