Como o Direito Processual Civil influência no Direito Processual do Trabalho explique?

Gustavo Filipe Barbosa Garcia: Livre-Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Especialista em Direito pela Universidad de Sevilla. Pós-Doutorado em Direito pela Universidad de Sevilla. Professor Universitário.

SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Pacificação dos conflitos trabalhistas – 3. Notas relativas à evolução histórica do processo – 4. Direito Processual do Trabalho: conceito e abrangência – 5. Natureza jurídica do Direito Processual do Trabalho – 6. Direito Processual do Trabalho e processo trabalhista: autonomia – 7. Processo do  trabalho: confirmação de sua autonomia – 8. Perspectivas do processo do trabalho – 9. Conclusão – 10. Bibliografia.

1. Introdução 

O exame da autonomia do processo do trabalho envolve aspectos controvertidos na doutrina, com reflexos na jurisprudência.

Trata-se de questão relevante não apenas em termos científicos, mas também com desdobramentos no próprio exercício da jurisdição.

Sendo assim, para que a matéria seja enfrentada de forma adequada, certos aspectos iniciais devem ser considerados, para que se possa compreender o processo do trabalho conforme inserido não apenas no Direito Processual, e no exercício da prestação jurisdicional quanto a certas matérias e conflitos, mas também no sistema jurídico como um todo.

Nesse sentido, cabe salientar que o processo do trabalho não é (e não deve ser) a única forma de pacificação de conflitos sociais trabalhistas.

Além disso, para a compreensão do tema, questões relacionadas à abrangência e à natureza jurídica do processo do trabalho, e do correspondente Direito, também merecerão algumas considerações.

A visão do Direito em seu conjunto, no qual se verificam ramos de natureza substancial e processual, também permite verificar a posição do processo trabalhista no sistema jurídico e na ciência do Direito.

Com isso, torna-se possível fazer referência às teorias existentes no âmbito doutrinário, no que se refere ao núcleo do tema em estudo, posicionando-se quanto à existência da autonomia em discussão.

A tomada de posição a respeito da matéria permitirá a indicação de algumas perspectivas e sugestões, no sentido de que o processo do trabalho alcance os objetivos e resultados esperados pela sociedade.

2. Pacificação dos conflitos trabalhistas

Os conflitos sociais relativos ao âmbito trabalhista podem ser solucionados por meio de métodos diversos[1].

Nesse sentido, cabe fazer menção, primeiramente, à autodefesa, em que uma das partes impõe a sua vontade, visando a solucionar o conflito, à outra parte.

No âmbito das relações coletivas de trabalho, a greve é destacada justamente como forma de pressão para que as reivindicações e interesses dos trabalhadores sejam alcançados. Trata-se de direito exercido coletivamente, atualmente reconhecido como de natureza fundamental. Integra um dos pilares do Direito do Trabalho, juntamente com a negociação coletiva de trabalho e o contrato de trabalho, caracterizado pela subordinação, como registra a doutrina de Maria do Rosário Palma Ramalho[2].

A autocomposição, por sua vez, constitui a linha estrutural do Direito do Trabalho na atualidade. Nesse âmbito é que se situa, por exemplo, a negociação coletiva de trabalho, entendida como a principal e mais adequada forma de solução dos conflitos coletivos trabalhistas.

Por meio do referido procedimento, os atores sociais envolvidos, no exercício da autonomia privada coletiva, celebram instrumentos normativos negociais, os quais apresentam não apenas eficácia obrigacional, mas também normativa, ao se aplicar aos contratos individuais abrangidos pelos grupos ali representados.

Mesmo no âmbito das relações individuais de trabalho, torna-se possível a pacificação dos conflitos por meio de formas voltadas à autocomposição, em que as próprias partes alcançam a melhor solução à questão discutida, ainda que com o auxílio de um terceiro (como um conciliador ou um mediador).

A heterocomposição, por sua vez, refere-se à solução do conflito por meio de decisão imposta por um terceiro.

Nesse âmbito, além da jurisdição, como atividade prestada pelo Estado, no exercício de seu poder, para a pacificação social, também pode ser destacada a arbitragem. Esta última, entretanto, não tem sido aplicada e utilizada com frequência no Brasil, embora exista previsão constitucional expressa no que se refere à sua compatibilidade em face das relações e dos conflitos coletivos de trabalho.

Mesmo na esfera infraconstitucional, há diplomas legais, inclusive relativos ao Direito do Trabalho, e que a arbitragem é expressamente admitida. Nesse sentido, pode-se fazer menção à Lei Orgânica do Ministério Público da União, ao tratar das atribuições do Ministério Público do Trabalho (Lei Complementar 75/1993, art. 83, XI), bem como à Lei 10.101/2000, que dispõe sobre a participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados da empresa (art. 4º, II, e § 1º).

De todo modo, quanto ao tema examinado, relativo à autonomia do processo do trabalho, cabe aqui frisar que a jurisdição, entendida como poder, função e atividade estatal, voltada a pacificação social, também pode ser exercida no que se refere aos conflitos trabalhistas.

3. Notas relativas à evolução histórica do processo

O processo, na atualidade, é entendido como o instrumento por meio do qual a jurisdição é exercida, objetivando-se alcançar os escopos de atuação e aplicação do Direito material, alcançando-se, assim, a pacificação dos conflitos que ocorrem na vida em sociedade.

Entretanto, no início da evolução científica quanto ao tema, havia outras concepções relativas ao processo.

Nesse sentido, a doutrina voltada à teoria geral do processo faz menção, primeiramente, à ideia de processo como contrato ou negócio jurídico, em que as partes firmavam um pacto concordando com a instauração daquele, conforme se observa no Direito Romano. A teoria contratual, entretanto, não mais é admitida, conforme demonstra Oscar von Bülow, em sua teoria da relação jurídica processual, a qual não se confunde com aquela de natureza material. Com isso, ficou claro que o ajuizamento da ação faz surgir relação jurídica diferenciada, de natureza pública, envolvendo o Estado-juiz, bem como as partes processuais tendo como objetivo decidir-se a respeito da pretensão formulada. O Direito Processual, assim, não se confunde com o Direito material[3]. Embora outras teorias também tenham sido desenvolvidas, o aspecto estrutural, voltado à distinção da teoria da relação jurídica processual em faca daquela de natureza material, é mantida, como se verifica em Goldschmidt, ao destacar a diferença entre ônus e obrigações no processo, e mesmo Elio Fazzalari, ao tratar do processo como procedimento em contraditório[4].

Sendo assim, conforme destacam Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, a chamada fase sincrética do processo, em que este não era entendido de forma autônoma quanto ao Direito material, deu lugar à fase autonomista, uma vez que a relação jurídica de Direito Processual é distinta da relação material, externa ao processo[5].

Ademais, na atualidade, destaca-se a chamada fase da instrumentalidade, no sentido de que o processo, embora autônomo do Direito material, não é um fim em si mesmo, mas deve ser utilizado como instrumento para a aplicação do Direito substancial, de modo a se alcançar, assim, a pacificação social com justiça.

Nessa linha, Chiovenda refere-se ao processo como instrumento para a atuação concreta do Direito objetivo[6], o que é enfatizado pela doutrina atual, aperfeiçoando-se o enfoque do processo como instrumento de “acesso à ordem jurídica justa” (Kazuo Watanabe), de modo a se alcançar os seus diversos escopos, como de natureza política e jurídica[7].

4. Direito Processual do Trabalho: conceito e abrangência

Para que se examine a questão da autonomia do processo do trabalho, é relevante, primeiramente, compreender o seu objeto e alcance.

Conforme acentua a doutrina, o Direito Processual do Trabalho, o qual estabelece a disciplina do processo do trabalho, é o conjunto de princípios, regras e instituições, o qual tem como objetivo regular a atividade dos órgãos jurisdicionais, voltada à solução de dissídios individuais e coletivos pertinentes às relações de trabalho[8].

O processo do trabalho, assim, é o instrumento da jurisdição, em seu exercício voltado aos conflitos trabalhistas, de natureza individual e coletiva.

Como se nota, quanto à abrangência, o processo do trabalho se estende não apenas aos conflitos decorrentes da relação de emprego, como a outras relações de trabalho, conforme previsão constitucional e legal[9].

Mesmo no âmbito coletivo, no Brasil, o chamado dissídio coletivo é previsto não apenas em hipóteses de greve e de interpretação ou aplicação de normas existentes, mas também aos conflitos coletivos de natureza econômica, embora a Emenda Constitucional 45/2004 tenha estabelecido restrições quanto a este último[10], mesmo porque a forma ideal de se solucionar tais controvérsias é por meio da já mencionada negociação coletiva de trabalho[11].

Cabe ainda ressaltar que o processo do trabalho, além de disciplinado pelo Direito Processual do Trabalho, é aquele aplicado nos órgãos que integram a Justiça do Trabalho, no exercício de sua jurisdição, delimitada pela Constituição e pelas leis, ao estabelecer a sua competência.

5. Natureza jurídica do Direito Processual do Trabalho

Ainda com o objetivo de melhor compreensão da autonomia do processo do trabalho, cabe examinar a sua natureza jurídica, bem como do ramo do Direito em que está inserido.

O Direito, entendido como sistema jurídico[12], apresenta normas de Direito material, as quais disciplinam as relações em sociedade, e normas de Direito Processual, voltadas a regular o exercício da jurisdição.

Efetivamente, nem sempre as próprias partes em conflito alcançam a pacificação apenas com a incidência do Direito material, passando a controvérsia a ser objeto de ação e processo judiciais, visando-se à obtenção de decisão que aplique o referido Direito material.

O processo do trabalho, assim, está situado na esfera do Direito Processual, a qual possui natureza de Direito Público, justamente porque regula a atividade estatal de pacificação jurisdicional dos conflitos[13].

Com isso, já se torna possível confirmar não apenas a autonomia do processo em face do Direito material, mas do processo do trabalho, e do respectivo Direito Processual do Trabalho, em face do Direito material do Trabalho.

Nessa linha, o Direito do Trabalho, ao incidir no campo das relações individuais e coletivas do trabalho[14], está situado na esfera material do ordenamento jurídico. O Direito Processual do Trabalho, por sua vez, ao estabelecer normas voltadas ao processo trabalhista, em consonância com a visão instrumentalista, deve ter como objetivo a adequada aplicação dos preceitos jurídicos materiais, em consonância com seus princípios e valores, com destaque justamente às normas de Direito material do Trabalho.

6. Direito Processual do Trabalho e processo trabalhista

Embora se discuta a respeito da referida autonomia no campo processual, deve-se destacar que o Direito, como sistema, é um só, o qual, no entanto, apresenta ramos e segmentos internos, tendo em vista a especialidade da matéria e das questões ali tratadas.

Mesmo quanto à área processual, em que se verificam o Direito Processual Civil, o Direito Processual Penal e o Direito Processual do Trabalho, há certos institutos essenciais, bem como princípios constitucionais comuns, inseridos e objeto de tratamento científico na Teoria Geral do Processo.

Nessa linha, os institutos da jurisdição, do processo, da ação e da defesa, em seus aspectos nucleares, incidem no Direito Processual como um todo, embora existam peculiaridades e regras próprias em cada um de seus ramos.

Cabe salientar, ainda, o enfoque do direito de ação como direito à tutela jurisdicional. Como ressalta José Roberto dos Santos Bedaque, ela é “a proteção que se dá a determinado interesse, por via jurisdicional, assegurando direitos ou a integridade da esfera jurídica de alguém”[15].

Da mesma forma, há princípios constitucionais voltados ao âmbito processual, com aplicação em seus diversos ramos, podendo-se destacar os princípios do juiz natural, da inafastabilidade do controle jurisdicional, do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal[16].

Os referidos mandamentos normativos constitucionais, ademais, apresentam natureza nitidamente fundamental, não apenas porque formalmente previstos no catálogo de direitos fundamentais (no caso específico, no art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988), mas porque voltados a valores essenciais ao ser humano e à vida em sociedade.

Mesmo porque, conforme salientam Mauro Cappelletti e Bryant Garth, a titularidade de direitos não tem sentido quando não há a mecanismos adequados para a sua efetiva proteção. Com isso, entende-se que o “acesso à justiça” é o mais básico dos direitos humanos[17].

Considerando-se as observações acima, cabe registrar a controvérsia relativa à autonomia do processo do trabalho, especialmente em seu aspecto científico[18].

De acordo com a teoria monista, o Direito Processual do Trabalho é uno, de modo que o processo do trabalho é parte dele integrante, não tendo, assim, autonomia.

Nesse enfoque, o processo do trabalho não é considerado autônomo do processo civil, mesmo porque os institutos básicos são os mesmos.

Em linha oposta, as teorias dualistas sustentam a autonomia do processo do trabalho, havendo, no entanto, corrente que defende ser ela relativa.

Argumenta-se que a aplicação subsidiária do processo comum, ao âmbito trabalhista, revela não ser este totalmente autônomo, mas dependente do Direito Processual Civil.

O art. 769 da Consolidação das Leis do Trabalho estabelece que, nos casos omissos, o Direito Processual comum deve ser aplicado como fonte subsidiária do Direito Processual do Trabalho, quando com este compatível. O art. 889 da CLT, por sua vez, dispõe que para a execução trabalhista são aplicáveis os dispositivos voltados ao processo dos executivos fiscais da Fazenda Pública Federal para a cobrança de sua dívida ativa[19]. O art. 882 da CLT, ainda relativo à execução trabalhista, estabelece que a ordem preferencial dos bens a serem nomeados à penhora é aquela prevista no art. 655 do Código de Processo Civil.

Como se pode notar, há, realmente, a aplicação subsidiária do Direito Processual comum no âmbito do processo do trabalho, quando há omissão deste e compatibilidade das normas processuais civis.

Entretanto, esse aspecto não afasta a autonomia do processo do trabalho, bem como do ramo do Direito que o disciplina. Tanto é assim que no Direito material do Trabalho, de acordo com o art. 8º, parágrafo único, da CLT, o Direito comum é fonte subsidiária, ou seja, aplicável, havendo omissão daquele, desde que exista compatibilidade com os seus princípios fundamentais. Ainda assim, é atualmente pacífico que o Direito do Trabalho é ramo autônomo do Direito[20], não estando mais inserido no Direito Civil, mesmo porque apresenta matéria vasta a diferenciada, aspectos peculiares e princípios próprios.

Portanto, cabe aqui destacar a teoria dualista, ao defender a autonomia total do processo do trabalho. Nesse enfoque, o Direito Processual do Trabalho, além de ser autônomo do Direito material do Trabalho, também o é em face do Direito Processual Civil.

A autonomia do processo do trabalho, aqui defendida, entretanto, não significa o seu completo isolamento em face dos demais ramos do Direito.

Como já salientado, o Direito Processual do Trabalho, em seu aspecto instrumental, deve conferir efetividade às normas de Direito material, com destaque àquelas de natureza trabalhista, de modo que o processo cumpra o seu papel de assegurar a aplicação justa da ordem jurídica, em consonância, ademais, com os preceitos constitucionais, com destaque à promoção e à proteção dos direitos humanos e fundamentais incidentes ao âmbito trabalhista.

Da mesma forma, o Direito Processual do Trabalho mantém relação com diversos outros ramos do Direito, como o Constitucional, Processual Civil, Internacional Público (por exemplo, quanto a questões relacionadas à imunidade de jurisdição)[21], Penal (tendo em vista a possibilidade de ocorrer ilícitos penais no curso do processo) e Administrativo (ao reger os agentes públicos que integram a Justiça do Trabalho).

Apesar disso, o processo do trabalho apresenta autonomia, o que fica nítido: no aspecto doutrinário, tendo em vista a presença de obras jurídicas específicas relativas ao tema; jurisdicional, uma vez que a Justiça do Trabalho é ramo autônomo que integra, desde a Constituição da República de 1946, o Poder Judiciário brasileiro; e mesmo científico, ao se verificar a presença de objeto vasto, permitindo o seu estudo de forma sistemática, doutrinas homogêneas, voltadas a seus conceitos e desdobramentos, bem como institutos peculiares.

Quanto ao aspecto legislativo, no Brasil, não se verifica a existência de um Código de Processo do Trabalho, como ocorre em outros países, como Portugal. Ainda assim, a Consolidação das Leis do Trabalho possui diversas normas pertinentes ao processo do trabalho, reunidas em diferentes títulos. Além disso, observam-se leis próprias, que também regulam o processo do trabalho, tornando nítida a existência de um conjunto normativo próprio e específico.

Nessa linha, Pedro Romano Martinez ressalta que o processo do trabalho abrange um conjunto de normas de Direito objetivo, o qual tem como finalidade “pôr em prática as peculiaridades práticas da parte substantiva do Direito do Trabalho”[22].

Ainda de acordo com o autor, as normas relativas ao processo do trabalho apresentam particularidades em face do processo civil e do processo penal, tendo em vista o Direito do Trabalho em sua parte substantiva[23].

Ainda assim, cabe esclarecer e reiterar que o processo do trabalho, embora entendido como instrumento do Direito material (com destaque ao Direito substantivo do Trabalho), com ele também não se confunde; da mesma forma que a relação de direito material se diferencia da relação de direito processual.

Portanto, sustenta-se a afirmação do processo do trabalho de forma autônoma em face do processo comum, posição esta majoritária na atual doutrina, como se observa em Wagner D. Giglio[24], a título de exemplo.

Não obstante, em sentido diverso, para Jorge Luiz Souto Maior, “verifica-se que o processo do trabalho possui, realmente, características especiais, mas que são ditadas pelas peculiaridades do direito material que ele instrumentaliza. Esses pressupostos de instrumentalização, especialização, simplificação, voltados para a efetividade da técnica processual, são encontrados, – bastante desenvolvidos – na teoria geral do processo civil, razão pela qual, no fundo, há de se reconhecer a unicidade do processo”[25].

Logo, o processo do trabalho, no entendimento do referido autor, “não é autônomo perante o processo civil, mas possui características que lhe são bastante peculiares no que se refere a seu procedimento” [26].

7. Processo do trabalho: confirmação de sua autonomia

A posição do Direito Processual do Trabalho no âmbito do Direito Público, em seu sentido de se voltar à disciplina de atividade estatal, enfoca a sua autonomia em face do Direito material do Trabalho, em que, apesar da existência de normas de ordem pública, são estabelecidas a disciplina do contrato de trabalho e a promoção da autonomia privada coletiva no âmbito das relações de grupo.

Sob outro aspecto, o processo do trabalho apresenta singularidades em face do processo civil, que confirmam a sua autonomia na ciência do Direito[27].

Destacam-se, quanto ao tema, a tendência à coletivização, com a defesa de direitos metaindividuais trabalhistas, por meio de ações próprias, a oralidade e a concentração dos atos processuais em audiência, que merecem ênfase no processo laboral, o mesmo ocorrendo quanto à tentativa de conciliação em juízo.

Ainda nesse sentido, no que tange à sistemática recursal, verifica-se a ausência, em regra, de efeito suspensivo, bem como peculiaridades relativas à aplicação e valoração dos meios de prova. Tendo em vista o objetivo de se alcançar a efetiva realidade dos fatos, no processo do trabalho, a prova testemunhal muitas vezes é aquela que permite revelar a efetiva verdade do ocorrido na relação de Direito material em discussão, podendo, assim, afastar a incidência da prova documental.

Os poderes do juiz no processo do trabalho também ganham destaque, visando à célere e justa pacificação do conflito, como se observa no art. 765 da Consolidação das Leis do Trabalho.

Outras peculiaridades podem ser indicadas, como a capacidade postulatória das partes, admitida ao menos na fase ordinária no processo do trabalho (art. 791 da CLT), conforme entendimento atual da jurisprudência trabalhista[28].

Mesmo quanto à execução, o processo do trabalho estabelece os títulos judiciais e extrajudiciais admitidos (art. 876 da CLT), diferenciando-se do processo civil.

Nota-se, ainda, intensa atuação da jurisprudência no âmbito laboral, inclusive no que se refere a questões processuais, quanto a questões processuais, o que fica nítido ao se observar o extenso rol de Súmulas, Orientações Jurisprudenciais e Precedentes aprovados pelo Tribunal Superior do Trabalho.

O processo do trabalho, assim, mesmo quanto ao aspecto substancial, apresenta o relevante papel de atualizar o Direito aplicado aos casos concretos, em consonância com a evolução e as necessidades sociais do presente.

Nesse sentido, o chamado Direito jurisprudencial, produzido no âmbito do processo, ganha relevância quanto à esfera trabalhista, por vezes tratando de questões complexas, como a própria subcontratação de serviços (“terceirizasção”) e sua aplicação às relações de trabalho (Súmula 331 do TST)[29].

Logo, fica confirmada a mencionada autonomia do processo do trabalho, inclusive por estar voltado a valores próprios, o que justifica as suas peculiaridades em face do processo comum.

8. Perspectivas do processo do trabalho

A autonomia do processo do trabalho, aqui defendida e demonstrada, não o torna imune a problemas e críticas.

Reconhece-se que, na atualidade, a tutela jurisdicional deve ser célere e efetiva (art. 5º, LXXVIII, da CRFB/1988), e solucionar o conflito com justiça, aspectos estes que também devem ser alcançados pelo processo do trabalho.

Entretanto, observam-se, no presente, diversos pontos críticos relacionados ao processo do laboral, com destaque à necessidade de reformas legislativas, mesmo porque o processo civil, por exemplo, no que se refere à execução, passou a adotar dispositivos que permitem a maior efetividade da decisão judicial[30], o que não foi acompanhado pela legislação processual trabalhista.

Sugere-se, assim, além da ênfase na reforma e adequação legislativa do processo do trabalho, a maior utilização dos meios alternativos de solução dos conflitos, com destaque à mediação e à arbitragem, reformulando-se os princípios e valores que nortearam as Comissões de Conciliação Prévia. Ainda como proposta para a efetividade da tutela jurisdicional decorrente do processo trabalhista, cabe realçar a elaboração de sistema próprio de defesa dos direitos metaindividuais, bem como a possibilidade de reflexão no que tange à especialização de Varas do Trabalho e Turmas de Tribunais[31], em face do alargamento da competência trabalhista, decorrente da Emenda Constitucional 45/2004[32], cujas repercussões ainda não estão devidamente definidas pela doutrina e pela jurisprudência.

9. Conclusão

O tema da autonomia do processo do trabalho, apesar de controvertido, é de extrema relevância, pois permite que se insira a própria jurisdição trabalhista no contexto das formas de solução dos conflitos laborais.

Da mesma forma, autoriza a verificação da natureza jurídica do processo e sua evolução, sendo atualmente entendido como instrumento de pacificação social com justiça.

O Direito Processual do Trabalho, como ramo autônomo do Direito que rege o processo laboral, é justamente aquele aplicado pela Justiça do Trabalho, no exercício de seu papel constitucional de dar a cada um aquilo que lhe é devido no âmbito das relações de trabalho.

A natureza de Direito Público do processo trabalhista, diferenciando-se do Direito material do Trabalho, apesar de inseri-lo na esfera do Direito Processual, não afasta a presença da sua autonomia em face do processo civil e comum.

A presença de vasta matéria, bem como de doutrinas homogêneas e institutos peculiares demonstra que o processo laboral, embora mantenha relações com outros ramos do Direito, conquistou a autonomia científica. As singularidades que apresenta confirmam essa conclusão.

A destacada autonomia do processo do trabalho, entretanto, não impede a existência de problemas e críticas, as quais revelam a necessidade de aprimoramento e adequação de suas normas, bem como da forma de sua aplicação.

O momento, assim, é mais do que propício para o avanço do processo do trabalho, modernizando-o em consonância com os valores da atualidade.

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_______________________
NOTAS 

[1] Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 1315-1318.

[2] Cf. RAMALHO, Maria do Rosário Palma. Autonomia dogmática do direito do trabalho. Coimbra: Almedina, 2000. p. 708-709.

[3] Cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. São Paulo: Malheiros, 2001. v. 1, p. 39-43; GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. v. 1, p. 30-35.

[4] Cf. CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 279-286.

[5] Cf. CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo, cit., p. 287-292.

[6] Cf. CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Tradução da 2. edição italiana por J. Guimarães Menegale, acompanhada de notas pelo Prof. Enrico Tullio Liebman. São Paulo: Saraiva, 1942. v. 1, p. 27-28.

[7] Cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 181-272.

[8] Cf. MARTINS, Sergio Pinto. Direito processual do trabalho. 34. ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 19-20.

[9] Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Competência da Justiça do Trabalho: da relação de emprego à relação de trabalho. Rio de Janeiro: Forense, 2012. passim.

[10] Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito processual do trabalho. 2. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 834-839.

[11] Cf. SANTOS, Enoque Ribeiro dos. Direitos humanos na negociação coletiva: teoria e prática jurisprudencial. São Paulo: LTr, 2004. p. 151.

[12] Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Introdução ao estudo do direito: teoria geral do direito. 2. ed.  São Paulo: Método, 2013. p. 151-154.

[13] Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Introdução ao estudo do direito: teoria geral do direito, cit., p. 245-250.

[14] Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Manual de direito do trabalho. 6. ed. São Paulo: Método, 2013. p. 8.

[15] BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo: influência do direito material sobre o processo. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 30.

[16] Cf. NERY JUNIOR, Nelson Princípios do processo na Constituição Federal. 10. ed. São Paulo: RT, 2010. p. 41.

[17] Cf. CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução e revisão: Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sergio Antonio Farbris Editor, 2002. p. 11-12.

[18] Cf. MARTINS, Sergio Pinto. Direito processual do trabalho, cit., p. 22-23.

[19] Cf. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito processual do trabalho. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 87-89.

[20] Cf. MARTINS, Sergio Pinto. Direito do trabalho. 29. ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 22-24.

[21] Cf. FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. Competência internacional da Justiça do Trabalho. São Paulo: LTr, 1998. p. 18-29, 57, 79-86.

[22] MARTINEZ, Pedro Romano. Direito do trabalho. Coimbra: Almedina, 2010. p. 1373

[23] Cf. MARTINEZ, Pedro Romano. Direito do trabalho, cit., p. 1373.

[24] Cf. GIGLIO, Wagner D.; CORRÊA, Claudia Giglio Veltri. Direito processual do trabalho. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 81-92. Cf. ainda NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito processual do trabalho, cit., p. 64-65.

[25] SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Direito processual do trabalho: efetividade, acesso à justiça, procedimento oral. São Paulo: LTr, 1998. p. 25.

[26] SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Direito processual do trabalho: efetividade, acesso à justiça, procedimento oral, cit., p. 26.

[27] Cf. SILVA, Homero Batista Mateus da. Perspectivas e aspirações do processo do trabalho. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo. v. 104. p. 227-238. jan.-dez. 2009.

[28] Cf. Súmula 425 do TST: “Jus postulandi na Justiça do Trabalho. Alcance. Res. 165/2010, DEJT divulgado em 30.04.2010 e 03 e 04.05.2010. O jus postulandi das partes, estabelecido no art. 791 da CLT, limita-se às Varas do Trabalho e aos Tribunais Regionais do Trabalho, não alcançando a ação rescisória, a ação cautelar, o mandado de segurança e os recursos de competência do Tribunal Superior do Trabalho”.

[29] Cf. SILVA, Homero Batista Mateus da. Perspectivas e aspirações do processo do trabalho, cit., p. 227-238.

[30] Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Cumprimento da sentença e outros estudos da terceira fase da reforma do Código de Processo Civil. 2. ed.  São Paulo: Método, 2009. p. 31-73.

[31] Cf. SILVA, Homero Batista Mateus da. Perspectivas e aspirações do processo do trabalho, cit., p. 227-238.

[32] Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Competência da Justiça do Trabalho: da relação de emprego à relação de trabalho, cit., passim.

Como o Direito Processual Civil influência no Direito Processual do Trabalho?

No texto juslaborista, a CLT em seu artigo 769, dispõe que nos casos em que houver omissão, o direito processual comum servirá de fonte subsidiária ao direito processual do trabalho, salvo nos casos em que existir incompatibilidade com as normas trabalhistas.

Quando se aplica o Direito Processual Civil ao processo trabalhista?

Aplica-se o Código de Processo Civil, subsidiária e supletivamente, ao Processo do Trabalho, em caso de omissão e desde que haja compatibilidade com as normas e princípios do Direito Processual do Trabalho, na forma dos arts. 769 e 889 da CLT e do art. 15 da Lei n. 13.105, de 17.3.2015.

O que significa Direito Processual Civil do trabalho?

O Direito Processual Civil, que inicialmente era chamado de Direito Jurisdicional, é o ramo do Direito Público que reúne princípios e normas que regulamentam os procedimentos jurisdicionais, tendo como objetivo administrar as relações civis, o que exclui as áreas criminal e trabalhista.

Que princípios do direito civil seriam aplicáveis ao Direito do Trabalho?

Outro princípio do direito civil que se aplica ao direito do trabalho é o princípio do Pacta sunt servanda (força obrigatória dos contratos), também nas relações individuais e coletivas de trabalho como característica primeira da atividade negocial da qual resultam cláusulas do contrato individual e das convenções ...