Do ponto de vista francês qual seria a vantagem em assinar um tratado de paz com os ingleses

Do ponto de vista francês qual seria a vantagem em assinar um tratado de paz com os ingleses

�Qualquer monop�lio ou privil�gio exclusivo em proveito de alguma na��o nos mercados de outra, n�o prejudica somente �s mais na��es que afasta desses mercados, mas ainda � que o concede pois lhe tira o recurso de achar pela concorr�ncia pre�os mais vantajosos.�

Cidad�os legisladores.

- O Tratado que tenho a honra de vos propor � mais um acto que devemos �s s�bias medidas tomadas pelo Governo, e � valorosa dedica��o dos ex�rcitos da Rep�blica.

N�o ser� dif�cil demonstrar-vos as vantagens que oferece para a honra e prosperidade das duas na��es.

Compreendem-se nele tr�s disposi��es principais.

Pela primeira se restabelece a paz e a amizade entre a Rep�blica francesa e o reino de Portugal; e as rela��es pol�ticas entre as duas Pot�ncias ficam no mesmo estado que antes da guerra.

Pela segunda determinam-se os limites futuros entre a Guiana francesa e a portuguesa. N�o era poss�vel escolher outros melhores num pa�s quase deserto, do que os rios e as montanhas; e era natural que a Fran�a, com possess�es nessa parte muito menos extensas que as de Portugal, fizesse aproximar esses limites ao antigo ponto em que se haviam fixado.

Enfim a terceira disp�e que se negociar� entre ambas as Pot�ncias um Tratado de com�rcio e de navega��o, que h� de lixar definitivamente as rela��es comerciais entre a Fran�a e Portugal; mas entretanto restabelecer-se-�o as comunica��es: os cidad�os e s�bditos das duas Pot�ncias gozar�o igual e respectivamente, nos Estados de uma e de outra, de todos os direitos de que a� gozam os das na��es mais favorecidas; os g�neros e mercadorias provenientes do solo e das f�bricas de cada um dos dois Estados ser�o admitidos reciprocamente sem restri��o, nem sujei��o a qualquer direito que n�o pese igualmente nas mercadorias e g�neros an�logos importados por outras na��es; e os panos franceses poder�o imediatamente ser introduzidos em Portugal na condi��o das mercadorias mais favorecidas.

Estas estipula��es provam que o Governo n�o ultrapassou os limites da modera��o; n�o quis nada contr�rio ao interesse de uma na��o que pediu a nossa amizade. A mais estrita justi�a prescrevia completa reciprocidade; limitou-se a pedi-la: abre novos mercados � ind�stria francesa, mas n�o quer engrandece-la por meio de privil�gios ou de um monop�lio; pretende faz�-la alcan�ar por nobre emula��o o grau de prosperidade a que deve chegar. Se o Governo franc�s houvesse consultado somente o direito da for�a, poderia ter exigido mais de Portugal: julgou, pelo contr�rio, que quanto menos poderosa estava essa na��o, menos conveniente nos era enfraquece-la.

Portugal j� era h� muito uma Pot�ncia independente, quando em 1581 passou para o dom�nio espanhol. Os Portugueses j� haviam dobrado o cabo da Boa Esperan�a, aberto novo caminho ao com�rcio das �ndias, e enchido com o seu nome esse rico pa�s, onde se assinalaram por in�meras fa�anhas e formaram os primeiros estabelecimentos europeus. Tinham descoberto o Brasil, e come�ado a fundar nessa parte da Am�rica uma col�nia rica.

N�o puderam as demais Pot�ncias da Europa ver sem receio, que se reunia aos reinos de Espanha uma monarquia t�o vantajosamente situada para fazer uma grande parte do com�rcio do mundo, e que possu�a os mais ricos e vastos estabelecimentos em ambos os hemisf�rios.

Assim quando os Portugueses em 1640 tentaram restituir ao trono a casa de Bragan�a, receberam poderosos socorros, mas nenhuma Pot�ncia lhos ministrou mais eficazes que a Fran�a.

Entre as duas na��es formaram-se ent�o rela��es de amizade, que s� esfriaram no come�o do s�culo 18.

Quando o neto de Lu�s XIV passou � Espanha, o Governo portugu�s, assustado por ver naquele trono um Pr�ncipe da casa de Bourbon, entregou-se, por assim dizer, � Inglaterra, e acedeu a estipula��es que lhe arruinaram a ind�stria e tornaram quase nulas as nossas antigas rela��es com ele.

O Tratado de 27 de dezembro de 1703, confirmado em 1713, entregou o com�rcio de Portugal ao monop�lio dos negociantes e fabricantes ingleses, enquanto as mais na��es foram, para assim dizer, exclu�das dele.

Admitiram-se em Portugal todos os panos de l� da Gr�-Bretanha, com a condi��o de serem recebidos na Inglaterra os vinhos portugueses pagando somente os dois ter�os dos direitos que pagassem os vinhos de Fran�a.

Por meio deste Tratado fizeram os Ingleses que as f�bricas portuguesas primeiro definhassem, e depois se aniquilassem: tornaram-se fornecedores e agentes gerais do com�rcio de Portugal, e quase todas as riquezas que este extra�a das suas col�nias vinham por conta dos Ingleses e passavam pelas suas m�os; desta sorte se reduzia Portugal a uma simples col�nia da Inglaterra, a um mercado quase privativo para sua ind�stria.

Debalde um ministro esclarecido indignado com semelhante escravid�o, desenvolveu uma energia e tenacidade pouco vulgares, n�o poupando coisa alguma para libertar o seu pa�s: o g�nio e a firmeza n�o deixaram tra�os t�o profundos que os Ingleses n�o pudessem recobrar, depois que ele foi demitido, uma grande parte da sua influ�ncia. De certo que n�o tinham maior quinh�o no com�rcio das suas pr�prias col�nias do que tiveram no de Portugal.

N�o s� as suas manufacturas achavam sa�da neste reino, mas ainda os Ingleses serviam de intermedi�rios entre Portugal e os mais povos manufactores da Europa; e como n�o entravam sem proveito por terceiros nestas transac��es, o seu lucro era uma perda real tanto para Portugal, como para os outros povos manufactores.

N�o era mais feliz o Governo portugu�s nas provid�ncias para assegurar a sua independ�ncia pol�tica; s� tinha fracos meios de defesa, e achava-se reduzido a contar com os socorros da Pot�ncia em cuja depend�ncia se colocara.

Os Portugueses, naturalmente pl�cidos e trat�veis, sens�veis � honra e amigos da gl�ria, af�veis com os estrangeiros, e amantes das ci�ncias e das artes, n�o deveriam ter visto na revolu��o francesa sen�o o rapto de um povo generoso para a liberdade: mas o Governo portugu�s estava muito dependente da Inglaterra para deixar de seguir o seu exemplo.

O navio franc�s Saint Jacques, confiado no direito das gentes, entrou no porto de Santiago, contando achar ali amizade e protec��o da parte d� uma na��o que n�o nos havia declarado guerra: foi aprisionado, confiscado e vendido. Portugal mandou depois os seus ex�rcitos para nos combaterem nos Piren�us: juntou os seus navios aos das esquadras inglesas, e apresentou-se mais declaradamente no n�mero dos nossos inimigos.

Depois da paz de Campo Formio Portugal receou que os ex�rcitos franceses se dirigissem para as suas fronteiras, atravessando o territ�rio espanhol. Enviou um embaixador a Paris, que concluiu e assinou um Tratado definitivo, mas o Governo portugu�s recusou ratific�-lo, e essa recusa devia naturalmente aumentar o rancor j� produzido pela guerra entre as duas na��es. Portanto viu-se desde essa �poca que as esquadras portuguesas cruzaram diante de Malta e de Alexandria: e lembra-nos que o general do ex�rcito do Oriente, � vista dos navios portugueses, declarou na ordem do dia do ex�rcito que chegaria tempo em que a na��o portuguesa havia de pagar com l�grimas de sangue a afronta que fazia � Rep�blica francesa.

O Tratado de Luneville, que pacificou o continente, dava ocasi�o de se obterem do Governo portugu�s as satisfa��es que havia direito de lhe exigir. Concluiu-se em Madrid uma conven��o entre a Espanha e a Fran�a, pela qual se estabeleceu que Sua Majestade o Rei de Espanha e a Rep�blica francesa formariam um ex�rcito combinado para obrigar Portugal a desligar-se da alian�a com a Inglaterra, e a deixar que as tropas espanholas e francesas ocupassem a quarta parte do seu territ�rio at� � paz definitiva.

Esta conven��o n�o tinha por fim satisfazer um v�o sentimento de orgulho, ou simplesmente vingar ofensas, que verdadeiramente deixam de existir desde que � poss�vel castig�-las; mas era uma parte da vasta combina��o pol�tica, que se ligava desde o B�ltico at� ao Hanover, do Hanover at� aos confins de Otranto, e cujo la�o comum era a paz geral.

O Governo franc�s cumpriu as suas promessas: uma divis�o com artilharia numerosa atravessou os Piren�us comandada pelo general Leclerc. O general Saint-Cyr, oficial de m�rito distinto, foi mandado para junto do general espanhol para concertar todas as opera��es de guerra.

Come�aram as hostilidades mas depois de duas ou tr�s escaramu�as, em que se empenhariam quatrocentos ou quinhentos homens de parte a parte, o general espanhol concluiu em nome do seu Governo o Tratado ele Badajoz, em que lhe esqueceu de exigir o primeiro e principal interesse da Conven��o de Madrid.

O Primeiro C�nsul fez saber imediatamente, que da sua parte n�o podia ratificar o Tratado de Badajoz; que esse acto era contr�rio � pol�tica geral e ao interesse dos aliados: que estava em oposi��o formal com a conven��o de Madrid; e que a consequ�ncia imediata deste Tratado para S. M. C., resolvendo-se a ratific�-lo separadamente, seria a perda da Trindade. O Gabinete de Madrid passou avante, ratificou separadamente o Tratado de Badajoz, e assim sacrificou a Trindade.

Depois da pacifica��o de Espanha continu�mos a ficar isolados muitos meses em guerra com Portugal. Ter�amos empreendido e realizado s�s o que pela Conven��o de Madrid a Espanha devia fazer de acordo connosco; haver�amos obtido, at� � paz definitiva, a ocupa��o da quarta parte do territ�rio portugu�s; mas os acontecimentos precipitaram-se, as negocia��es come�adas h� muito em Londres, chegavam � sua madureza; o Governo deu as suas ordens, e assinou-se a paz com Portugal dois dias antes da assinatura dos preliminares em Londres.

O Governo franc�s procurou regular com Portugal as nossas rela��es comerciais de modo �til a ambas as na��es, e fixar pelo Tratado os limites entre a Guiana francesa e a portuguesa, com bastante cuidado para prevenir qualquer contesta��o futura. Para conseguir o primeiro objecto pediu a Portugal a reciprocidade, que este n�o podia recuar sem preju�zo de seus pr�prios interesse.

Todas as na��es precisam mais ou menos umas das outras; e quer tenham de comprar quer tenham de vender, nada lhes conv�m mais que chamar aos seus mercados o maior n�mero de compradores e vendedores. Qualquer monop�lio ou privil�gio exclusivo em proveito de alguma na��o nos mercados de outra, n�o prejudica somente �s mais na��es que afasta desses mercados, mas ainda � que o concede pois lhe tira o recurso de achar pela concorr�ncia pre�os mais vantajosos.

As disposi��es do Tratado s�o portanto conformes aos princ�pios por que t�m de se dirigir todas as na��es comerciantes, e se essa, disposi��es devem operar felizes mudan�as nas nossas rela��es comerciais com Portugal, as duas na��es devem igualmente congratular-se.
Quanto aos limites entre as duas Guianas, podemos dizer que a Conven��o do 1700 os fixou no rio Amazonas, visto que os Portugueses se obrigaram por esta Conven��o a derrubar todos os fortes que tinham na margem esquerda daquele rio; o Tratado de Utrecht determinou-os posteriormente de um modo incompleto, cheio de contradi��es, e que originou controv�rsias continuadas at� agora.

A Guiana francesa � a col�nia que unicamente nos resta no continente da Am�rica, enquanto os ingleses, espanh�is, portugueses e holandeses ali possuem vastos e ricos estabelecimentos, considerados por eles como valioso meio de prosperidade.

Caiena, porto principal da ilha deste nome, � a capital da Guiana francesa. Diminu�da pela cultura a insalubridade do clima, bem conhecida a navega��o para aquela col�nia, j� o seu nome n�o causa terror. Acham-se a� naturalizadas as mais ricas produ��es da �sia e dos seus arquip�lagos, �s quais a transplanta��o deu uma vegeta��o mais abundante, mais vigor e fecundidade que no seu pa�s natal. A Guiana cria gados, madeiras e outros produtos com uma abund�ncia que s� tem por limite o n�mero de homens que se p�de empregar nos trabalhos e na guarda dos rebanhos.

Al�m de cem l�guas, partindo da beira-mar pouco se conhece desse pa�s que ainda n�o experimentou a cultura: encontram-se nele dispersas algumas tribos de na��es selvagens, que se t�m afei�oado aos franceses, porque as havemos tratado com humanidade e brandura: negoci�mos com aqueles selvagens, esperando que os progressos da cultura elevem o valor das terras interiores da Guiana.

Esta col�nia est� longe de um estado de prosperidade: mas n�o deixa por isso de ter grande import�ncia para n�s, quer a consideremos em rela��o aos socorros que pode prestar a Caiena e �s outras nossas col�nias, quer a contemplemos como um pa�s novo, destinado a receber no futuro os nossos concidad�os, que por desejo de fortuna, pelas desgra�as, ou pela inquieta��o natural de muitos homens, se afastarem da m�e p�tria.

Seria erro pensar que os Europeus n�o podem habitar a zona t�rrida; o Amazonas, o maior rio do universo, serpenteia paralelo � equinocial, a dois ou tr�s graus sul desta linha, com que se confunde na sua foz; e Lacondamine, que lhe percorreu todo o curso, n�o achou o calor insuport�vel. Este modifica-se � propor��o que se entra nas terras altas, e a beleza do pa�s d�-nos a esperan�a de fundar ali realmente uma col�nia importante.

De certo que s� com poderosos aux�lios chegar�o a realizar-se estas esperan�as; mas primeiro que tudo era conveniente determinar os limites ainda incertos da col�nia.

Se no Parlamento ingl�s se levantou discuss�o sobre os meios de conciliar esta demarca��o com o Tratado preliminar conclu�do entre a Fran�a e a Inglaterra, que aceita a integridade das possess�es portuguesas, n�o pode esta discuss�o fazer surgir s�rias dificuldades; � evidente que a cl�usula do Tratado preliminar n�o se referiu sen�o � invas�o de que Portugal estava amea�ado pelo ex�rcito franc�s, que se achava nas suas fronteiras.

N�o pode, al�m disto, aplicar-se esta cl�usula � determina��o de limites, que tem sido constantemente discutida. Importava a Portugal e � Fran�a prevenir toda a contesta��o futura; e n�o se pode, sob nenhum aspecto, considerar a disposi��o que tem por fim este objecto, como um ataque � integridade do territ�rio de Portugal.

Enfim, a �nica vantagem para a Fran�a ser� possuir sem contesta��o um territ�rio que est� hoje inculto, mas que pode, pelo, cuidados e protec��o de um Governo ilustrado e sempre cuidadoso da prosperidade p�blica receber prontos e grandes melhoramentos, sem causar inveja nem saudades a Portugal, a quem fica muito mais territ�rio do que pode cultivar

As novas rela��es entre os dois pa�ses tornar-se-�o mais activas; as rec�procas vantagens que delas tirarem concorrer�o para aproximar dois povos destinados a estimarem-se e amarem-se; e Portugal recobrar� na Europa a posi��o que conv�m a um estado que deve zelar a sua independ�ncia e prosperidade.

Em v�o pretenderiam alguns homens, animados por antigas paix�es e insens�veis aos clamores da humanidade, ver prolongar uma guerra que j� custou sangue e tesouros � Europa; os seus murm�rios n�o prevalecer�o sobre a sabedoria que, enfim, preside nos conselhos dos Governos.

Podemos esperar que dentro em pouco um �ltimo Tratado por� termo a todas as desgra�as da guerra, e que Tratados fundados na justi�a e no interesse comum assegurar�o por largo tempo os inapreci�veis benef�cios da paz.


Notas:

1. As cl�usulas deste Tratado foram nomeadamente anuladas pelos artigos adicionais do Tratado de Paris de 30 de Maio de 1814.