É possível configurar união estável concomitante ao casamento?

Por maioria de votos, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou ilegítima a existência paralela de duas uniões estáveis, ou de um casamento e uma união estável, inclusive para efeitos previdenciários. O Plenário negou provimento ao Recurso Extraordinário (RE) 1045273, com repercussão geral reconhecida, que envolve a divisão da pensão por morte de um homem que tinha união estável reconhecida judicialmente com uma mulher, com a qual tinha um filho, e, ao mesmo tempo, manteve uma relação homoafetiva durante 12 anos. 

Prevaleceu, no julgamento em sessão virtual encerrada no dia 18/12, a corrente liderada pelo relator, ministro Alexandre de Moraes (relator), para quem o reconhecimento do rateio da pensão acabaria caracterizando a existência de bigamia, situação proibida pela lei brasileira.

O ARE 1045273 foi interposto pelo companheiro do falecido, contra decisão do Tribunal de Justiça de Sergipe (TJ-SE) que, embora reconhecendo a existência da união homoafetiva, negou o direito à metade da pensão por morte, por considerar a impossibilidade jurídica de dupla união estável, com base no princípio da monogamia, que não admite a existência simultânea de mais de uma entidade familiar, independentemente da orientação sexual das partes.

Impedimento

Segundo o ministro Alexandre de Moraes, o fato de haver uma declaração judicial definitiva de união estável impede o reconhecimento, pelo Estado, de outra união concomitante e paralela. Ele observou que o STF, ao reconhecer a validade jurídico-constitucional do casamento civil ou da união estável por pessoas do mesmo sexo, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, não chancelou a possibilidade da bigamia, mas sim conferiu a plena igualdade às relações, independentemente da orientação sexual.

O ministro ressaltou que o Código Civil, no artigo 1.723, impede a concretização de união estável com pessoa já casada, sob pena de se configurar a bigamia (casamentos simultâneos), tipificada como crime no artigo 235 do Código Penal. Assinalou, ainda, que o artigo 226, parágrafo 3º, da Constituição Federal se esteia no princípio de exclusividade ou de monogamia como requisito para o reconhecimento jurídico desse tipo de relação afetiva.

O fundamento consiste no fato de que haver causa impeditiva ao casamento, previstas no artigo 1.521, VI, do Código Civil.

O Código Civil, na segunda parte do § 1º do artigo 1.723, prevê uma exceção a essa regra e diz que, se o indivíduo casado estiver separado de fato, ele poderá ter união estável com outra pessoa, não se aplicando a incidência do impedimento do artigo 1.521, VI, do Código Civil.

Acompanham o relator os ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Nunes Marques e Luiz Fux.

Boa-fé

Para o ministro Edson Fachin, que abriu a corrente divergente, o caso não se refere ao Direito Civil ou de Família, mas ao Direito Previdenciário. Para ele, o Regime Geral da Previdência Social (Lei 8.213/1991, artigo 16, inciso I) reconhece o cônjuge, o companheiro e a companheira como beneficiários, pois se enquadram como dependentes do segurado, o que permitiria a divisão da pensão, desde que presente o requisito da boa-fé objetiva. Segundo Fachin, uma vez não comprovado que os companheiros concomitantes do segurado estavam de má-fé, ou seja, ignoravam a concomitância das relações, deve ser reconhecida a eles a proteção jurídica para os efeitos previdenciários decorrentes. Seguiram esse entendimento os ministros Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Cármen Lúcia e Marco Aurélio.

Tese

A tese de repercussão geral fixada foi a seguinte: “A preexistência de casamento ou de união estável de um dos conviventes, ressalvada a exceção do artigo 1.723, parágrafo 1º, do Código Civil, impede o reconhecimento de novo vínculo referente ao mesmo período, inclusive para fins previdenciários, em virtude da consagração do dever de fidelidade e da monogamia pelo ordenamento jurídico-constitucional brasileiro”.

Fonte: STF http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=457637&ori=1

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): RE 1045273

Decisão: 18/12/2020

É fato que vivemos em uma sociedade que de forma avançada cresce nas suas relações de afeto, e com várias situações “dinâmicas” nessas relações entre as pessoas (do mesmo sexo ou não).

Uma questão que vem crescendo no Direito Brasileiro, é a viabilidade de se reconhecer uma união estável na constância de um casamento.

É possível configurar união estável concomitante ao casamento?

Quem tem posicionamento contrário, afirma no geral que vigora o princípio da monogamia, que o dispositivo legal (§ 1º do art. 1.723 do Código Civil) que trata dos impedimentos, inclui pessoa casada e que pela letra da Lei não pode constituir uma União Estável.

Afirma-se ainda que, não se pode confundir o reconhecimento da União Estável (que não é possível, segundo que tem entendimento contrário) com as sociedades de fato da Súmula 380[1] do STF (que reconhece e necessariamente precisa se demonstrar e provar a contribuição à formação do patrimônio, inverso da União Estável que é presumida) que se tem como instituto Jurídico de Direito das Obrigações, este, que não analisa sob o aspecto da censura do adultério, etc mas sim do locupletamento ilícito.

Nosso artigo não trata do concubinato[2] impuro (adulterino) de longa duração, com reconhecimento da existência de sociedade de fato / união dúplice, sendo que o concubinato impuro se relaciona muitas vezes com a existência de amantes, ou atos de traição conjugal que não se confunde com a união estável e o tema agora tratado de forma direta. Há casos, pontua-se, que a amante beneficiária de seguro de vida teve que dividir tal benefício de indenização secundária. (STJ - REsp 100.888/BA).

Voltando a questão das situações paralelas de união estável e casamento, os posicionamentos contrários afirmam que se assim o for, abrir-se-á precedentes a admitir-se dois, três, quatro casamentos, e que tal situação simultaneamente não tem previsão legal.

Recentemente o STF[3] rejeitou o reconhecimento de duas uniões estáveis simultâneas, decidindo que estaria caracterizando a bigamia (tipificada no art. 235 do Código Penal), CONSIDERANDO ILEGÍTIMA A EXISTÊNCIA DE 2 (DUAS) UNIÕES ESTÁVEIS, OU DE UM CASAMENTO E UMA UNIÃO ESTÁVEL, inclusive para efeitos previdenciários, assim a preexistência de casamento ou uma união estável, impede o reconhecimento de novo vínculo.

Arremate-se ainda, que os posicionamentos divergentes, consagram o dever de fidelidade e da monogamia pelo ordenamento brasileiro.

É possível configurar união estável concomitante ao casamento?

A título exemplificativo, o Tribunal Bandeirante, não reconhece a união paralela (dúplice) em sua maioria de julgados:

CONCUBINATO IMPURO – Pretensão da companheira a quinhão na pensão previdenciária deixada pela morte ex-servidor – Alegada união estável ao longo de 30 anos – Continuidade do casamento anterior do segurado, que se dividia publicamente entre as duas famílias – Não reconhecimento do direito previdenciário à concubina – O Direito Brasileiro não admite a coexistência de dois casamentos ou de uma união estável paralela ao casamento, ou de duas uniões estáveis paralelas – A Carta Federal menciona a constituição de família e não de famílias, isto significando que a bigamia não é admitida ou incentivada, o que aconteceria em caso de reconhecimento de união estável com simples concubina – Se o marido mantém família originada do matrimônio, legalmente constituída, com ela convivendo socialmente, jamais poderá ser reconhecida, nos termos da Constituição, uma união estável desse cidadão com outra mulher, ainda que com ela mantenha relacionamento amoroso duradouro – (TJSP;  Apelação Cível 1024282-04.2015.8.26.0053; Relator (a): Fermino Magnani Filho; Órgão Julgador: 5ª Câmara de Direito Público; Foro Central - Fazenda Pública/Acidentes - 9ª Vara de Fazenda Pública; j: 02/10/2017)

Em que pese o posicionamento majoritário se consubstanciar no princípio da monogamia, cuja ordem do “ideal” ou da “sociedade ideal” ou “perfeita”, ou seja, livre de toda ordem de traições e mantida integridade do casamento ou união “até que a morte os separe”, TEM SE QUE A REALIDADE ATUAL É ABSOLUTAMENTE DIVERSA.

Utilizo como exemplo um caso prático[4] em que uma pessoa por 17 anos mantinha publicamente duas células familiares, ou seja, de forma notória, duradoura e com ânimo de constituir família, tendo inclusive uma família o conhecimento da outra, com consentimento de ambas mulheres, e cuja situação se sedimentou ao longo de todos os anos. Este caso não teve êxito no Poder Judiciário Gaúcho.

É possível configurar união estável concomitante ao casamento?

Todavia, no dito acima, embora sem êxito, há de ver com outros olhos a questão, pois o caso concreto se viu a margem da livre escolha, decidindo-se sobre o rumo das suas próprias vidas, o que com o devido respeito a quem pensa o contrário, é descabido a marginalização de relacionamentos sob o fundamento de impedimento legal de assim reconhecer (art. 1.723, §1º cumulado com art. 1.521, VI, do Código Civil).

Penso que, devemos CONFERIR TRATAMENTO DESIGUAL A REALIDADE FÁTICA, QUE COM O DEVIDO RESPEITO, É PRESENTE NO DIA-A-DIA, sem violar a igualdade e dignidade da pessoa humana, NÃO CABENDO AO PODER JUDICIÁRIO SE FAZER DE CEGO ÀS RELAÇÕES BASEADAS NO AFETO(digo no sentido de uniões que persistem por um lapso de tempo considerável), na livre escolha, de forma preconizada e abarcada pelo preconceito e dogma impingido pela sociedade para a mesma ser vista como digna ou não.

É preciso ter a mente aberta para tais situações, e não negarmos que hoje muitas famílias são formadas por células familiares não comuns, lembrando que a família (independente de sua qualificação ou qualidade) tem proteção constitucional (art. 226 da Constituição Federal).

Nossa sociedade em uma grande parte, parece estar atrasada, se apegando a dogmas (fidelidade ou não por exemplo), deixando de lado os efeitos dessa união estável paralela a um casamento, muitas vezes com extensa prole e reconhecimento social, efeitos legais, virando as costas para o Direito de Família moderno que com toda certeza se reveste do mesmo caráter de entidade familiar.

Sem dúvida alguma, um triângulo amoroso consentido, ou chamado de “poliamorismo” que indica uniões paralelas, já há muito ganha espaço no Direito de Família e no Poder Judiciário de Todo Brasil, sendo uma tendência a relativização do princípio da monogamia (ainda negado[5] em dezenas de decisões), ante a uma situação de fato existente, o que podemos equiparar tal negativa, como a histórica injustiça que se fazia com os filhos chamados “bastardos” – fora do casamento que era considerados ilegítimos. 

Lembro mais de injustiças, a que vivemos em uma sociedade atrasada e que ainda discriminam só as mulheres as categorizando (concubina, amante[6]), a qual, sem maior discussão, antigamente, não distante, para configurar união estável era necessário convivência por mais de 5 anos, situação que foi derrogada (Lei 9.278/96).

A ideia a se pensar, em questões familiares, e não em código moral da sociedade e ou particularidade de cada casal ou pessoa, o que levaria em conta questões de lealdade, fidelidade, etc, não se voltando a questão a tradicional existência ou não de “amantes” como assim dizem, MAS SIM DO ASPECTO A NÃO MARGINALIZAÇÃO DE NÚCLEOS ATUAIS FAMILIARES QUE MERECEM PROTEÇÃO JURÍDICA.

A título exemplificativo, o Tribunal Gaúcho, reconhece a união paralela (dúplice):

"Se mesmo não estando separado de fato da esposa, vivia o falecido em união estável com a autora/companheira, entidade familiar perfeitamente caracterizada nos autos, deve ser mantida a procedência da ação que reconheceu a sua existência, paralela ao casamento. A esposa, contudo, tem direito sobre parcela dos bens adquiridos durante a vigência da união estável. (...) O presente feito é a prova cabal de que uma pessoa pode manter duas famílias concomitantemente, e com as duas evidenciar a affectio maritalis, parecendo até que algumas pessoas têm a capacidade de se dividir entre tais famílias como se fossem duas pessoas, e não uma só" (TJ/RS. Apelação Cível 70015693476. Rel. Des. JOSÉ S. TRINDADE. J. 20/07/2006).

O Tribunal Bandeirante, tambem já reconheceu união paralela (dúplice):

Previdência privada. Ação declaratória ajuizada por companheira, objetivando o recebimento de parte da pensão por morte que é paga à esposa do falecido. União estável entre a demandante e o falecido juridicamente reconhecida. Famílias paralelas. Companheira e esposa que possuem condições igualitárias. Plausível que a pensão em testilha seja rateada entre a demandante (companheira) e a esposa (corré). Dá-se provimento ao apelo da autora, julgando-se procedente a ação por ela ajuizada, invertida a sucumbência. (TJSP;  Apelação Cível 0114912-65.2009.8.26.0011; Relator (a): Campos Petroni; Órgão Julgador: 27ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional XI - Pinheiros - 2ª Vara Cível; j: 22/11/2016;

É possível configurar união estável concomitante ao casamento?

Em verdade existem correntes doutrinárias ao tema, e assim, respeitadas tais correntes sobre o paralelismo conjugal / afetivo, que não admitem relacionamentos concomitantes ( porque estaria incidindo em poligamia ou bigamia) e que tem decisões majoritárias em nossos Tribunais, é certo que, como exemplo, a união estável putativa[7] (art. 1.561, § 1º do Código Civil) é agasalhada pela boa-fée vem ganhando forte corrente doutrinária, ou seja, a questão da união estável putativa é aquela que não se tinha conhecimento do casamento ou da união paralela, aliás é fato que todas as formas de união concomitantes constituem entidade familiar.

Fato é, que as discussões sobre o assunto em referência estão longe de se esgotarem, ainda há um apego ao fetichismo e a literalidade da lei, mas não no esqueçamos que AQUILO QUE É JUSTO NEM SEMPRE COINCIDE COM O QUE É LEGAL devendo como operadores do direito encarar a complexidade das dificuldades que sobrevêm, visto com o olhar atual e se colocando acima de tudo na situação do outro.

Nosso olhar, atualizado, deve ter relação ao amor, ao afeto, a eventual “segunda família”, com um olhar atrelado a relação familiar contemporânea e não ao preconceito, pois tais situações estão de fato em nossa sociedade.  

Este artigo tem a finalidade de trazer informações sobre a “conservação dos negócios”, a conversão e outros pontos ao conhecimento geral, e acima de tudo termos ideia de institutos relevantes de nossa legislação, pouco usados.

Marcos R Charles, Advogado-OAB/SP 401.363 – www.mcharlesadv.com.br

Advogado especializado em direito de família e das sucessões, atuante nas áreas cível e criminal.

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[1] Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum.

[2] Código Civil: Art. 1.727 As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato.

[3] Recurso Extraordinário (RE) 1045273, com repercussão geral reconhecida

[4] Apelação Cível - Sétima Câmara Cível - Nº 70015133069 - Porto Alegre

[5] Ação de reconhecimento de união estável post mortem – Evidenciada a existência de relações afetivas paralelas – Inexistência de propósito de constituição de família, em especial pela inobservância ao dever de fidelidade exigido pelo sistema monogâmico adotado pelo ordenamento jurídico pátrio – Inteligência dos arts. 1.566, I, e 1.723 do Código Civil – Precedente do Superior Tribunal de Justiça – Sentença mantida (TJSP;  Apelação Cível 1014196-82.2015.8.26.0114; Relator (a): César Peixoto; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Privado; Foro de Campinas - 1ª Vara de Família e Sucessões; j: 06/10/2020;

[6] Há casos, como do REsp 1185337 / RS. RECURSO ESPECIAL. 2010/0048151-3, em que devido a um concubinato impuro de longa duração, houve a condenação em alimentos, caso peculiar em que a pessoa foi sustentada pelo amante por 4 décadas e já idosa, sendo aplicado o princípio da dignidade humana.

[7] Que não é de fácil comprovação – exigindo boa-fé e provas legais, exemplo o recurso no TJSP;  Apelação Cível 0004842-26.2012.8.26.0156; Relator (a): José Aparício Coelho Prado Neto; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Privado; Foro de Cruzeiro - 2ª Vara Cível; j: “Conjunto probatório que não comprovou a existência de um relacionamento público, duradouro e contínuo entre a autora e o falecido – Inexistência dos requisitos configuradores da união estável previstos no artigo 1.723, do Código Civil – Hipótese, ademais, em que o falecido permaneceu como casado até seu óbito – Ausência de comprovação de boa-fé por parte da autora apta a ensejar o reconhecimento de união estável putativa”

É possível cumular uma união estável é um casamento?

Em regra, não é possível o reconhecimento de união estável envolvendo pessoa casada nem a existência de uniões estáveis simultâneas - Buscador Dizer o Direito.

É possível o reconhecimento de uniões estáveis concomitantes?

Apesar de ser matéria controvertida nos Tribunais nacionais, é possível o reconhecimento de uniões estáveis concomitantes e/ou simultâneas, já que pode ser encontrada na jurisprudência nacional.

Não é possível o reconhecimento de união estável concomitante ao casamento sem que haja separação de fato ou de direito do cônjuge?

A jurisprudência do STJ e do STF é sólida em não reconhecer como união estável a relação concubinária não eventual, simultânea ao casamento, quando não estiver provada a separação de fato ou de direito do parceiro casado. STJ.

Não é possível o reconhecimento de uniões estáveis simultâneas segundo os tribunais superiores?

Diz que o Código Civil não permite o reconhecimento de uniões estáveis simultâneas. O recurso especial no STJ discute, portanto, a validade, no mundo jurídico, das uniões estáveis e a possibilidade de percepção, por ambas as famílias, de algum direito.