Foram as principais mudanças que ocorrem na russa após revolução de outubro ou revolução bolchevique?

1 INTRODUÇÃO

Neste artigo, apresentamos uma breve reflexão sobre a importância da Revolução Russa de 1917 para construção de um modelo de educação que aponte para construção de uma sociedade pós-capitalista em sua integralidade. Não colocamos em primeiro plano uma revisão crítica dos erros do processo da experiência do socialismo real soviético. Não por desmerecê-la, mas, pela limitação do tempo e espaço desta contribuição à mesa temática coordenada proposta pelo Observatório de Políticas Públicas e Lutas Sociais, priorizamos o resgate dos acertos que se fixarão como marcas da elaboração de uma nova escola. Da mesma forma, buscamos identificar, ainda que parcialmente, as contribuições do processo revolucionário russo de 1917, a partir dos seus ideários e experiências concretas, na construção do Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil.

Assim, para a elaboração desta reflexão, iniciamos por uma aproximação histórica que remete aos primórdios do desenvolvimento da educação na sociedade ocidental. Destacamos aspectos relevantes para compreender como a educação transita da integralidade e apropriação por parte de todos os homens, na época primitiva, para uma educação seccionada e dirigida ao papel que esse homem exercerá na sociedade: escravo ou proprietário; servo ou senhor feudal; camponês/operário ou proprietário dos meios de produção. A cada um, um tipo de educação. Essa concepção emerge sobretudo a partir das revoluções Francesa e Americana, determinando a concepção pedagógica liberal-democrática. Desenvolvemos também a reflexão que destaca a educação para além do capital, resgatando princípios pedagógicos encontrados na obra marxiana. Retomamos a concepção da formação integral, completa, do homem, a omnilateralidade, que não separa o processo educacional da vida concreta e produtiva do ser humano. Almejamos, mais à frente, relacionar essa concepção trazida pelo marxismo à construção da nova escola soviética, impulsionada pela Revolução Russa de 1917.

Assumindo o desafio de abordar a influência da revolução russa nas conquistas sociais da classe trabalhadora mundo afora e no Brasil, em particular, também analisamos a construção do SUS no Brasil como uma das influências propiciadas pela Revolução de Outubro. A existência de políticas sociais, de um modo geral, é atribuída à constituição da sociedade burguesa e decorrente do modo de produção capitalista, porém constata-se que o estabelecimento da questão social nesse processo não vem dos seus primórdios, mas dar-se ao mesmo tempo em que os trabalhadores assumem um papel político relevante e até revolucionário. (BEHRING, 2006).

No Brasil, a demanda social por direitos ganhou força no final do século XIX e início do século XX, decorrente, dentre outros fatores importantes e estruturais, do processo de industrialização e do surgimento da classe operária brasileira. Greves e manifestações, influenciadas pela experiência sindical anarquista dos imigrantes europeus, contribuíram para conquistas futuras como a Previdência Social, marco na história da proteção social no Brasil, e o direito à sindicalização.

O atual Sistema de Seguridade Social brasileiro estabelecido pela Constituição Federal (CF) de 1988, composto pelas políticas de Saúde, Previdência e Assistência Social, é, sem dúvida, fruto da luta de classes e tem como característica a primazia do Estado como garantidor de direitos aos trabalhadores. Em decorrência disso, tem sido alvo constante de alterações no contexto das contrarreformas neoliberais.

Assim, neste artigo, almejamos evidenciar a importância que esse movimento da classe proletária teve e a influência que manteve em diversas gerações de pedagogos e profissionais da saúde rumo à ação transformadora da realidade, de construção de uma nova sociedade.

2 EDUCAÇÃO COMO NECESSIDADE E COMO DIREITO: uma aproximação histórica

Desde 1925, José Carlos Mariátegui (2007, p. 66), um dos maiores pensadores marxistas da América Latina no século XX, já destacava que “[...] o problema da educação não pode ser bem compreendido se não for considerado como um problema econômico e social”. Sendo assim, não podemos entender a educação, assim como nenhuma outra dimensão da vida social, descontextualizada e descolada dos processos das lutas das classes em disputa. Com isso, queremos afirmar que a educação, na história da humanidade, transforma-se, à medida que se transformam os modos de produzir a existência dos homens.

Ao produzir sua existência, os homens aprendiam, produziam e, ao mesmo tempo, ensinavam, repassando a outras gerações. Os homens aprendiam a produzir sua existência no próprio ato de produzi-la. (SAVIANI, 2007). A existência do homem como ser social estabelece um processo de ensino/aprendizagem que é repassado às novas gerações como forma de continuidade da espécie.

Nas sociedades primitivas, como destaca Ponce (2010, p. 19), o ensino era para a vida e por meio da vida, ou seja, educação e trabalho estavam juntos, pois os fins educativos identificavam-se com os interesses da coletividade. “[...] A educação na comunidade primitiva era uma função espontânea da sociedade em conjunto, da mesma forma que a linguagem e a moral”.

Daí deriva a concepção pedagógica nessas sociedades, qual seja: o profundo sentimento de que não havia nada mais importante do que os interesses e as necessidades da tribo. Na sociedade primitiva, aponta Ponce (2010, p. 22, grifo do autor),

Os fins da educação derivam da estrutura homogênea do ambiente social, identificam-se com os interesses comuns do grupo e se realizam igualitariamente em todos os seus membros, de modo espontâneo e integral: espontânea na medida em que não existia nenhuma instituição destinada a inculcá-los, integral no sentido que cada membro da tribo incorporava mais ou menos bem tudo o que na referida comunidade era possível receber e elaborar.

A divisão da sociedade em classes conduziu à divisão da educação, antes identificada com o próprio trabalho. A partir daí, houve duas modalidades distintas de educação: uma voltada para os proprietários da terra, para os homens livres; e outra voltada para os escravos. A educação dos homens livres centrava-se na arte das palavras, no exercício físico-militar, e a dos escravos estava voltada para o processo de trabalho. A agricultura continuou sendo a principal atividade econômica, todavia ganhou maior diversidade e complexidade com a multiplicação dos ofícios e das profissões e com a multiplicação de um sistema regular de trocas.

Na sociedade feudal isso não era diferente1. Baseada numa economia essencialmente agrária, a hierarquia sustentava-se nos vínculos que os indivíduos mantinham com a terra, assim como as atividades agrícolas conservavam todo o sistema social. Este, por sua vez, estruturava-se não mais no trabalho escravo e sim na relação entre servo e senhor feudal, na qual o primeiro, isto é, o camponês, recebia proteção do senhor do feudo que, por sua vez, devia lealdade e era protegido por outro senhor mais poderoso, e assim por diante, culminando na figura do rei. Os senhores concediam aos seus vassalos o feudo, direito de usar a terra, em troca de lealdade, alimento. A grande maioria da população plantava para se alimentar e se vestir.

A Igreja Católica era a maior proprietária de terras durante a Idade Média, um período em que ter terra significava poder econômico e político. A Igreja normatizava a cultura controlando a fé e, sobretudo, a ordem social. Todos que se colocavam contrários às suas ordens eram duramente punidos. Enquanto os servos sofriam sob o domínio de seus senhores, o Cristianismo proclamava que todos eram iguais perante Deus. Aliás, uma saída confortável para a Igreja manter o status quo por meio da promessa de uma vida melhor no reino dos céus.

Diante desse contexto, a Igreja mantinha também a direção da educação como um importante instrumento ideológico de dominação, mantendo em suas mãos a instrução pública. Segundo Ponce (2010, p. 91, grifo do autor), foi nesse período que surgiram as Escolas Monásticas, divididas em duas categorias: uma designada à instrução de futuros monges e outra destinada à plebe, cujo objetivo “[...] não era instruir a plebe, mas familiarizar as massas campesinas com as doutrinas cristãs e, ao mesmo tempo, mantê-las dóceis e conformadas”. Cabe frisar que a Igreja controlou durante a maior parte da Idade Média o ensino, seja fixando as diretrizes pedagógicas, seja fundando escolas e preparando os alunos para seguir a carreira eclesiástica.

Na segunda metade do século XVIII, assiste-se à supressão das corporações de ofício e da aprendizagem artesanal como única forma de instrução. A nova produção de fábrica leva ao surgimento da moderna instituição escola pública. (MANACORDA, 2010).

Fábrica e escola nascem juntas: as leis que criam a escola de Estado vêm juntas com as leis que suprimem a aprendizagem corporativa (e também a ordem dos jesuítas). Os filósofos e os soberanos iluminados não tiram nenhuma novidade do próprio cérebro, são apenas os intérpretes e os executores dessa realidade que está mudando. (MANACORDA, 2010, p. 303).

Dessa forma, o processo de laicização da educação tem sua origem com as revoluções da França (1789) e dos Estados Unidos (1776), que destacavam a importância de uma instrução universal e de uma reorganização do saber que acompanhasse o desenvolvimento da indústria e da ciência. Estavam dadas as bases para a expansão e renovação do que passou a ser conhecida como a pedagogia liberal-democrática.

Ao destacar a concepção de educação que ganha força pós-revolução burguesa em 1789, é importante situarmos o pensamento mais elaborado na relação entre Estado e escola na concepção liberal da época, que resultou em importante influência na construção de parâmetros que orientaram reformadores da instrução pública nos mais variados países, não só da Europa como da América Latina. Referimo-nos à contribuição de Marie Jean-Antonie Nicolas Caritat, o Marquês de Condorcet2 que, de acordo com Manacorda (2010), defendia convictamente o progresso do homem, de tal forma que, em seu estágio de desenvolvimento ao longo da vida, culminaria com o momento em que a desigualdade desapareceria entre as nações e classes e se alcançaria o indivíduo em sua perfeição. Daí sua defesa de uma “[...] instrução para todo o povo, aos cuidados do Estado e inspirada no laicismo absoluto: uma instrução, enfim, ‘única’, gratuita e neutra.” (MANACORDA, 2010, p. 305, grifo do autor).

Entretanto, a instrução única, gratuita e neutra do Marquês de Condorcet, para além do idealismo, que lhe coloca na condição de um visionário, na verdade, tratava-se de um visionário com forte consciência de classe, burguesa, no caso:

O pretenso visionário conhecia bem o caminho que percorria. Quando, nos dias 20 e 21 de abril de 1792, Condorcet leu seu informe na Assembleia Legislativa, a burguesia, apesar de triunfante, ainda não tinha em suas mãos a máquina administrativa. Não só a Monarquia ainda estava de pé, como ainda continuava representando um perigo. Mas, poucos meses depois da apresentação do dito informe, a República foi proclamada. E, naturalmente, ao reeditar o seu informe um ano depois, por ordem da Convenção, Condorcet introduziu nele as modificações que mencionamos. Quer dizer, enquanto o poder estatal continuava nas mãos da classe inimiga, era necessário impedir a qualquer preço o controle estatal nas escolas: não permitir que o Estado nomeasse os professores e exigir a existência das escolas particulares (burguesas, neste caso), em cuja fundação o Rei não pudesse intervir. Mas, assim que a burguesia se apoderou da máquina administrativa, Condorcet passou a afirmar que as escolas deveriam estar sob a vigilância e a administração do Estado. (PONCE, 2010, p. 143, grifos do autor).

O princípio da gratuidade, revela Ponce (2010), também estava devidamente circunscrito aos interesses da classe burguesa emergente. À época, as crianças de cinco anos de idade das classes populares estavam nas fábricas, trabalhando. Como exclama Aníbal Ponce: “[...] grande vantagem, para uma criança que desde os 5 anos deve ganhar o pão de cada dia, o fato de as escolas serem gratuitas!” (PONCE, 2010, p. 144).

Assim, só muito tempo depois a escola gratuita, aberta também às classes populares, veio a tornar-se concreta. Mas foi a partir desse período de concepção liberal que se firmou o debate em torno do direito de todos à instrução universal, gratuita, estatal, laica e de renovação cultural. Todas essas ideias estavam baseadas nas exigências reformadoras do Iluminismo que, em nome dos direitos naturais dos homens, defendiam a liberdade3 do povo com certo grau de instrução e voltada para a promoção das faculdades intelectuais e morais dos jovens.

É com a efetiva implementação do modo de produção capitalista que a relação trabalho e educação sofrerá novas e incisivas modificações. Nessa nova forma social, passa-se ao modelo das fábricas e da indústria baseada nas máquinas em substituição aos homens. Esse processo de transformação do trabalho desloca massas de populações do campo para cidade, das oficinas para as fábricas, provocando transformações culturais de grandes proporções.

Com a Revolução Industrial, os trabalhadores foram obrigados a vender a única coisa que ainda lhes restava: sua força de trabalho. A história da criação de uma oferta necessária à produção capitalista deve, portanto, ser a história de como os trabalhadores foram privados dos meios de produção.

Ao entrar na fábrica, o trabalhador foi expropriado também da ciência inerente ao seu trabalho: o aprendizado que levava ao pleno domínio de todas as suas capacidades. A secularização, a universalização e a estatização da instrução se completa e avança no período pós-Revolução Francesa. A esse respeito, Marx (1994, p. 270-271) destaca o que a máquina faz na relação com o trabalhador,

O trabalhador, em vez de sujeito de conhecimento, de reflexão e imaginação, passa a ser considerado parte das máquinas: as potências intelectuais da produção ampliam sua escala por um lado, porque desaparecem por muitos lados. O que os trabalhadores parciais perdem concentra-se no capital com que se confrontam. É um produto da divisão manufatureira do trabalho opor-lhes as forças intelectuais do processo material de produção como propriedade alheia e poder que os domina. Esse processo de dissociação começa na cooperação simples, em que o capitalista representa em face dos trabalhadores individuais a unidade e a vontade do corpo social do trabalho. O processo desenvolve-se na manufatura, que mutila o trabalhador, convertendo-o em trabalhador parcial. Ele se completa na grande indústria, que separa do trabalho a ciência como potência autônoma de produção e a força a servir ao capital.

Para atender a essas novas demandas do mundo da produção, o trabalhador assalariado tinha que dispor ao menos de uma educação elementar – condição essencial para ser incorporado ao novo modelo produtivo. Nas sociedades escravocratas ou feudais em que os instrumentos de trabalho eram primitivos e a técnica rudimentar, a formação do trabalhador não era objeto de grandes preocupações.

No entanto, o impacto da lógica do capital sobre a educação tornou-se grande ao longo do desenvolvimento do capitalismo. A educação sob a lógica do sistema do capital serviu para fornecer os conhecimentos e o pessoal necessário à máquina produtiva, como também gerar e transmitir um quadro de valores que legitima os interesses dominantes como se não houvesse nenhuma alternativa a essa lógica. Diante desse contexto, é importante destacar que as determinações gerais do capital afetam cada âmbito particular com alguma influência na educação e não apenas a educação formal. Elas estão totalmente integradas na totalidade dos processos sociais. (MÉSZÁROS, 2008).

Sob o domínio do capital é necessário assegurar que os indivíduos internalizem a dinâmica da reprodução capitalista por meio da organização de uma cultura adequada do processo ideológico formador do modo de vida do capital. Assim, ensina Mészáros (2008), uma das principais funções da educação formal na sociedade capitalista é produzir conformidade ou consenso.

O projeto burguês de educação, desde o final do século XVIII, já era fortemente marcado pela concepção de educação para as massas como fator de racionalização à vida econômica, à produção e ao tempo dessa produção. A educação do trabalhador é subsumida à necessidade do capital de reproduzir a força de trabalho como mercadoria.

2.1 A educação para além do capital: o legado da Revolução Russa na construção de uma educação transformadora

Uma vez mais, temos em Marx e Engels a contribuição para abrir caminhos ao debate. São autores que, apesar de não terem escritos específicos sobre a questão educacional, apontam suas preocupações para a construção do homem plenamente desenvolvido em suas potencialidades físicas e espirituais, não subjugado ao domínio do capital. A partir de suas análises acerca do modo de produção capitalista, eles demonstram a discrepância entre o gênero humano e os indivíduos fundados a partir da divisão social do trabalho, da propriedade privada e a exploração do trabalho.

É a partir da compreensão desse caráter histórico, e não naturalmente dado, que Marx e Engels se empenharam em entender o trabalho como possibilidade de libertação do homem. Diante disso, está posta a exigência da omnilateralidade do homem, do seu desenvolvimento completo, das suas forças produtivas, das capacidades de sua satisfação, a fim de suplantar o que constata Manacorda (2007, p. 60): “[...] todo homem, subsumido pela divisão do trabalho, aparece unilateral e incompleto.”

Em seu minucioso trabalho filológico em busca do princípio educativo marxiano, Manacorda (2007, p. 88) identificou nos Manuscritos de 1844 a obra de Marx na qual, pela primeira vez, aparece a expressão omnilateral, significando que “[...] o homem se apropria de uma maneira onilateral do seu ser onilateral, portanto, como homem total”. Em A Ideologia alemã, ele identifica a passagem pela qual Marx atribui, mais ainda, que essa omnilateralidade do homem “[...] trata-se, em suma, do desenvolvimento original e livre dos indivíduos na sociedade comunista.” (MANACORDA, 2007, p. 88). E, na Miséria da filosofia, na qual “[...] a perspectiva da onilateralidade aparece já mais estreitamente unida à vida na fábrica.” (MANACORDA, 2007, p. 88). Para Manacorda (2007, p. 89-90), em Marx, a omnilateralidade é:

[...] a chegada histórica do homem a uma totalidade de capacidades produtivas e, ao mesmo tempo, a uma totalidade de capacidade de consumo e prazeres, em que se deve considerar sobretudo o gozo daqueles bens espirituais, além dos materiais, e dos quais o trabalhador tem estado excluído em consequência da divisão do trabalho.

No entanto, é o próprio Manacorda (2007, p. 92) que nos chama a “[...] reconstituir o homem onilateral, não tanto como Marx o desenha incidentalmente aqui e ali, [...] mas como tendência contraditoriamente posta e negada pela sociedade moderna: e já passível de se assumir como objetivo consciente”. Como resultado de um processo de autocriação, no qual esse novo homem se apresente como uma totalidade de disponibilidades.

As implicações pedagógicas desse processo, destaca Manacorda (2007, p. 93-94), exigem a reunificação das estruturas da ciência com as da produção para a reintegração da omnilateralidade do homem, sem a separação teórica e prática do ensino, pois “[...] não é o marxismo, mas o capitalismo, a produção capitalista que – como Marx denuncia – limita os trabalhadores ao ensino da prática [...]” decorrente do sistema capitalista.

Assim, constatada essa divisão da atividade vital do homem em trabalho intelectual e trabalho manual, o que temos é que “[...] toda a pesquisa de Marx se orienta a reintegrar o homem dividido em homem total, onilateral etc. É este o fundamento de toda a antropologia e, portanto, de toda a pedagogia marxista.” (MANACORDA, 2007, p. 178).

Quando a burguesia permite uma maior ampliação de habilidades ao trabalhador, o faz concebendo-o sob o critério da pluriprofissionalidade, não de seu pleno desenvolvimento humano. “Ao critério burguês da pluriprofissionalidade, Marx opõe a ideia da omnilateralidade, do homem completo, que trabalha não apenas com as mãos, mas também com o cérebro e que, consciente do processo que desenvolve, domina-o e não é por ele dominado”, resgata Manacorda (2007, p. 101). Neste sentido, reafirmar que “[...] uma pedagogia separada da luta pela transformação social perde todo o seu sentido.” (MANACORDA, 2007, p. 181).

Entendemos que a educação é determinada pelo modo de produção da vida material. Ou seja, as relações de produção e as forças produtivas são fundamentais para apreender o modo como os homens vivem, pensam e transmitem as ideias e os conhecimentos que têm sobre a vida e sobre a realidade natural e social. Para Gramsci (1991), todos os homens são filósofos, pois todos possuem uma dada concepção de mundo. A questão está, conscientemente ou não, em qual concepção de mundo da qual fazemos parte.

[...] É preferível ‘pensar’ sem disto ter consciência crítica, de uma maneira desagregada e ocasional, isto é, ‘participar’ de uma concepção de mundo ‘imposta’ mecanicamente pelo ambiente exterior, ou seja, por um dos vários grupos sociais nos quais todos estão automaticamente envolvidos desde sua entrada no mundo consciente [...] ou é preferível elaborar a própria concepção de mundo de uma maneira crítica e consciente e, portanto, em ligação com este trabalho do próprio cérebro, escolher a própria esfera de atividade na produção da história do mundo, ser guia de si mesmo e não aceitar do exterior, passiva e servilmente, a marca da própria personalidade? (GRAMSCI, 1991. p. 12).

O princípio educativo que nos vem de Marx, reforçando por Lênin, por Gramsci, aponta para uma unidade entre ensino e trabalho, cujo objetivo é preparar os trabalhadores para assumir o controle da sociedade, superando a dicotomia entre o pensar e o agir. Ou seja, entre a teoria e a prática. Em síntese, a busca da onilateralidade considerada objetivamente como o fim da educação, na perspectiva de um homem novo.

No ano de 1917, quando a Revolução Russa rompe com as bases sociais czaristas, fica claro aos revolucionários que era necessário organizar um novo sistema educacional e escolar que caminhasse rumo à construção de uma escola socialista e uma pedagogia marxista. Assim, em 26 de outubro de 1917, em substituição ao antigo Ministério da Educação, foi criado o Comissariado Nacional da Educação, com a finalidade de cuidar de toda a vida cultural russa e não somente da educação.

Lênin, em seu discurso proferido no III Congresso da União Comunista da Juventude, em outubro de 1920, fez uma crítica à velha escola e deixa clara a necessidade de uma instrução pública para o sucesso da revolução socialista. Para o líder bolchevique, era preciso abolir tudo o que da escola não servisse aos propósitos revolucionários, aproveitando-se o que fosse útil para construção de educação socialista.

A velha escola produzia os servidores necessários aos capitalistas, a velha escola fazia dos homens de ciência pessoas que tinham de escrever e falar ao gosto dos capitalistas. Isso quer dizer que devemos suprimi-la. Mas se devemos suprimi-la, se devemos destruí-la, quer isso dizer que não devemos tomar dela tudo aquilo que a humanidade acumulou e que é necessário para o homem? Quer isso dizer que não devemos saber distinguir aquilo que era necessário para o capitalismo daquilo que é necessário para o comunismo? No lugar do antigo amestramento, que se praticava na sociedade burguesa, apesar da vontade da maioria, nós colocamos a disciplina consciente dos operários e camponeses, que unem ao seu ódio contra a velha sociedade a decisão, a capacidade e a disposição de unir e organizar as forças para essa luta, a fim de criar, da vontade de milhões e centenas de milhões de pessoas isoladas, divididas e dispersas pela extensão de um país imenso, uma vontade única, pois sem esta vontade única seremos inevitavelmente vencidos. Sem essa coesão, sem essa disciplina consciente dos operários e dos camponeses, a nossa causa é uma causa sem esperança. Sem isto não poderemos vencer os capitalistas e latifundiários de todo o mundo. Nem sequer consolidaremos os alicerces, para não falar já da construção sobre estes alicerces da nova sociedade comunista. Do mesmo modo, rejeitando a velha escola, alimentando contra esta velha escola um ódio absolutamente legítimo e necessário, apreciando a disposição de destruir a velha escola, devemos compreender que o velho ensino livresco, a velha aprendizagem de cor e o velho amestramento devem ser substituídos pela capacidade de se apropriar de toda a soma de conhecimentos humanos, e apropriar-se deles de tal modo que o comunismo não seja em vós algo aprendido de memória, mas seja pensado por vós mesmos, seja uma conclusão necessária do ponto de vista da educação moderna. (LÊNIN, 1920).

O certo é que a educação ganhou uma importância central na construção do socialismo na União Soviética. A unidade entre as condições materiais e educação, teoria e prática, como ensinado por Marx, nunca esteve tão claramente posta como no início da Revolução, em um país cujo índice de analfabetismo beirava os 95%.

Essa formatação de educação transformadora teve em Moisey Mikhailovich Pistrak (1888-1937)4 um dos mais ativos pedagogos da nova escola soviética e do desenvolvimento da pedagogia marxista, em afinado pensamento com os primeiros anos da revolução, no qual se partia da máxima que não bastava compreender o mundo, era preciso transformá-lo. E, para isso, era também necessário conceber a escola como continuidade do meio social e não como preparatória para o meio social. Ou seja: “[...] como tem por exigência ser socialmente útil, o trabalho não pode limitar-se ao interior da escola”. Pois é na vida, no meio social, o lugar “[...] onde se organiza a tarefa de conhecer este meio – com suas contradições, lutas e desafios.” (FREITAS, 2009, p. 35).

O discurso de Lênin e a contribuição de Pistrak para a nova escola soviética expressam a concepção que reelabora toda a forma de pensar e organizar o sistema de educação dado, para um que, de fato, construísse o novo homem, pressuposto assumido por Lênin como vital para a sobrevivência, desenvolvimento e vitória da Revolução de 1917, por si já se configura numa importante legado: o rompimento efetivo e concreto com a pedagogia burguesa, com a formação omnilateral do homem, de um homem completo a partir de sua convivência em sociedade e de seu trabalho, sem a separação do trabalho manual do trabalho intelectual. Essa a base de pensamento da qual partirão diversas escolas pedagógicas e experiências educacionais, após a Revolução Russa, que acontecerão mundo afora. E até hoje bastante influente e de enorme tensão com os ditames dos organismos internacionais sob a hegemonia burguesa ao estabelecer diretrizes para a educação global.

3 A INFLUÊNCIA DA REVOLUÇÃO RUSSA PARA A FORMULAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL

A Revolução Russa demonstrou para a classe trabalhadora do mundo inteiro que é possível romper com os fundamentos sociais e econômicos do capitalismo (LÖWY, 2007), podendo ser compreendida como a materialização da teoria revolucionária do Manifesto Comunista de Karl Marx e Friedrich Engels. (MOTA, 2017). A chegada dos bolcheviques ao poder em outubro de 1917 buscou reforçar o poder do proletariado, através dos sovietes, e atender as reivindicações mais imediatas das camadas populares. As suas primeiras medidas foram retirar a Rússia da guerra, distribuir terras aos camponeses e nacionalizar a indústria. Após o fim da guerra, o país estava devastado econômica e socialmente, com desemprego, desabastecimento, fome e miséria.

Estabeleceu-se, a partir da revolução, um novo paradigma para os direitos humanos fundamentais, cujo princípio é a proteção coletiva em detrimento da proteção individual. A Declaração de Direitos do Povo Trabalhador e Explorado e a Constituição da República Socialista Federativa Soviética Russa, ambas de 1918, trazem no seu preâmbulo:

[...] a abolição de toda a exploração do homem pelo homem, a completa eliminação da divisão da sociedade em classes, a impiedosa repressão da resistência dos exploradores, o estabelecimento de uma organização socialista e o atingimento da vitória do socialismo em todos os países [...] (RÚSSIA, 1918).

O Capítulo VIII da referida Constituição estabelece a criação de dezoitos Comissariados do Povo, dentre eles, um encarregado do seguro social e outro da educação popular.

O programa bolchevique previa superar a situação de desigualdade das mulheres em relação aos homens através do direito ao divórcio e à herança, direitos iguais sobre os filhos, reconhecimento dos filhos ilegítimos, direito à educação e à formação profissional, acesso a todos os postos de trabalho sem discriminação, equiparação salarial para trabalho igual, direito ao aborto e direitos políticos iguais. Do mesmo modo, estabelecia a socialização do trabalho doméstico através da construção de restaurantes e lavanderias públicos, escolas em tempo integral, hospitais, postos de saúde e creches em todos os bairros. (GOLDMAN, 2014). O programa revolucionário permitiu que houvesse uma reestruturação dos serviços de saúde, incluindo tal setor nos planos quinquenais. (LISSÍTSINE; BATÍGUINE apud PAIM, 2008).

Tais medidas sofreram o cerco das grandes potências imperialistas da época, em ação articulada com a burguesia, a velha nobreza e os partidos reformistas na Rússia.

Andrade (2017, p. 6) assim descreve esse momento histórico:

Os bolcheviques tomaram medidas de emergência para defender a Revolução operária. Ao mesmo tempo, e este era o grande temor das burguesias dos outros países – o exemplo da revolução varria o planeta. Rompendo com os partidos socialistas e reformistas da 2ª Internacional, Lênin e Trotsky fundam, sob o signo da revolução mundial, a 3ª Internacional na Rússia revolucionária sitiada. O movimento operário toma a ofensiva num momento de crise do pós-guerra. No Brasil a primeira greve geral ocorre em 1917 e cinco anos depois surgia o primeiro agrupamento comunista – o PCB. Na Europa, na ponta avançada do movimento revolucionário, os operários alemães e húngaros erguem sovietes e iniciam a revolução operária em 1919, depois derrotada.

A formação, em 1922, da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) firma uma inevitável conjuntura política de bipolarização mundial, que representou uma real ameaça ao sistema capitalista: de um lado os países capitalistas liberais em crise e do outro a consolidação da União Soviética socialista. (MOTA, 2017).

Tangenciando o debate sobre os fatores que levaram ao fracasso da revolução russa, que não é o objetivo deste artigo, e compreendendo que a sua investigação ainda está em curso, é inegável que a revolução russa foi uma tentativa de inigualável importância para superar o capitalismo e que a luta do povo russo foi um elemento fundamental para a derrota do nazismo e, mais tarde, para o sucesso de muitas lutas de libertação colonial.

A grande depressão econômica que se inicia em 1929, põe em cheque os fundamentos do liberalismo econômico e instaura uma forte crise de legitimidade do capitalismo, conforme análise de Behring (2006, p. 7):

O enfraquecimento das bases materiais e subjetivas de sustentação dos argumentos liberais ocorreu ao longo da segunda metade do século XIX e no início do século XX, como resultado de alguns processos político-econômicos, dos quais vale destacar dois. O primeiro foi o crescimento do movimento operário, que passou a ocupar espaços políticos importantes, obrigando a burguesia a “entregar os anéis para não perder os dedos”, diga-se, a reconhecer direitos de cidadania política e social cada vez mais amplos para esses segmentos. Vale lembrar que a vitória do movimento socialista em 1917, na Rússia, também foi importante para configurar uma atitude defensiva do capital frente ao movimento operário; assim como as mudanças no mundo da produção, com o advento do fordismo. É que tais mudanças ofereceram maior poder coletivo aos trabalhadores, que passaram a requisitar acordos coletivos de trabalho e ganhos de produtividade, o que vai se generalizar apenas no pós-guerra.

Hobsbawm (1995, p. 89), ao analisar o Breve Século XX reconhece a importância dos efeitos diretos e indiretos da revolução russa: “Os anos após a revolução russa iniciaram o processo de emancipação colonial e descolonização, e introduziram a política de bárbaras contrarrevoluções (na forma do fascismo e outros muitos movimentos) e a política de social-democracia na Europa”.

Nesse ambiente, surge a Teoria Geral Keynesiana de 1936 que rompe com a visão de livre mercado em favor da intervenção estatal na economia. (BEHRING, 2006). O período pós-segunda guerra mundial, o keynesianismo foi tomado como base para a construção do Estado de Bem-Estar Social (Welfare State), demandando do Estado além da regulação da economia, o incremento das políticas sociais, visando garantir a universalização dos direitos fundamentais dos cidadãos, dentre eles, saneamento básico, saúde, educação, moradia, transporte e lazer. Tem início, portanto, o que se costuma denominar de a era de ouro do capitalismo nos países centrais.

Granemann (2012) destaca que um conjunto de determinações impulsionou essa fase do capitalismo: a destruição de parte importante dos meios de produção na Europa; o aniquilamento de parte importante da classe operária que a levou aos acordos com o capital no marco da socialdemocracia; e a existência da alternativa socialista (perigo vermelho), que poderia se viabilizar como alternativa de vida para os trabalhadores europeus e de outros países do mundo. É possível inferir que sem a revolução russa não teríamos as condições políticas e sociais para a construção do Welfare State.

O novo pacto social pós-segunda guerra mundial possibilitou transformações nas políticas de saúde de diversos países, como a implantação do National Health Service no Reino Unido em 1948, primeiro sistema estatal em país capitalista e uma das consequências do Relatório Beveridge de 1942, que também fundamentou o Welfare State, assim como as reformas canadenses de 1974 e aquelas resultantes da queda das ditaduras da Espanha e de Portugal também na mesma década. (PAIM, 2008). Na Itália, as mudanças no sistema de saúde demandaram três décadas para que se concretizassem dada a correlação de forças políticas. (BERLINGUER; TEIXEIRA; CAMPOS, 1988).

Além da revolução russa, outros processos revolucionários também buscaram implementar políticas universais de saúde ao longo do século XX. Na China, em 1949, foram constituídos os médicos de pés descalços, profissionais de saúde, sem uma formação clássica em medicina, cuja ação estava voltada para medicina preventiva e promoção em saúde. A revolução Cuba (1959) implementou o sistema de saúde mais bem estrutura das Américas. (ROJAS OCHOA; LÓPEZ SERRANO, 2000). Na Nicarágua, a revolução sandinista de 1979, dedicou-se à redistribuição da riqueza, bem como à promoção da saúde e da educação.

O Brasil, devido ao golpe militar de 64, sofreu um atraso de décadas na construção de políticas universais de proteção social e só vai experimentá-las quando a prosperidade econômica do pós-guerra havia chagado ao fim:

Os anos 1960 iniciam-se sob o signo da intensificação da Guerra Fria. Em um mundo dividido entre as potências capitalistas e socialistas e sob uma constante instabilidade política, diversos países da América Latina passariam por golpes de Estado e instauração de regimes autoritários [...] No Brasil, esse contexto geraria grandes mudanças sociais e políticas. Em 1964, menos de duas décadas depois de o país voltar a um regime democrático, um golpe militar deu início a um novo regime de exceção no país. Prometendo reinstaurar a ordem, fortalecer a economia e restaurar o regime democrático em curto espaço de tempo, os militares acabariam permanecendo no poder por mais de vinte anos. Caracterizados em seu período inicial pela desarticulação da participação social, os primeiros governos militares em um progressivo processo de endurecimento político procuraram destruir todas as iniciativas que fossem identificadas com o ideário socialista (PAIVA; TEIXEIRA, 2014, p. 3).

Nesse período, o sistema de saúde brasileiro estava dividido entre a medicina previdenciária e a saúde pública. A vertente previdenciária estava a cargo dos institutos de aposentadorias e pensões (IAPs), com foco na saúde individual de trabalhadores formais, concentrados nas zonas urbanas; a saúde pública, sob o comando do Ministério da Saúde, estava voltada para a população empobrecida, principalmente das zonas rurais e apresentava ações de caráter preventivo.

O regime militar agravou a situação da incipiente saúde pública brasileira. Sob o argumento que os IAPs estavam insolventes, o governo criou o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS),eliminando a gestão tripartite (União, empregadores e empregados), ao mesmo tempo em que incentivou a expansão da iniciativa privada na saúde. Quanto à saúde pública, ocorreu o enfraquecimento do Ministério da Saúde, cujo orçamento, no período de 1968 a 1972, caiu de 2,1% para 1,4% do orçamento da União. Em contraste com os percentuais destinados às forças armadas (18%) e transportes (12%). (PAIM, 2008).

No final dos anos 60 e início da década de 70, o Brasil cresceu em torno de 11% ao ano, com matriz econômica de cortes de gastos com políticas sociais e entrada de grande quantidade de capital estrangeiro, porém ampliou-se a concentração de renda, sem melhoria nas condições de vida da população.

O cenário internacional era de decadência do ciclo de prosperidade econômica e de desmonte do Welfare State. (GRANEMANN, 2012). A crise não tardou a chegar ao Brasil, ampliando as tensões sociais e o surgimento de mobilização popular contra a ditadura e por mudanças nas condições sociais. Estudantes, professores universitários, setores populares e entidades de profissionais de saúde passaram a defender mudanças na saúde, culminando com a criação do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), em 1976. Em termos internacionais, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estabelece a meta de Saúde para todos no ano 2000 e, no ano seguinte, a Conferência de Alma-Ata, na URSS, elegeu a atenção primária como estratégia central para alcançar esse objetivo.

Outro marco histórico dessa mobilização social que ocorria no Brasil, denominada Reforma Sanitária, na segunda metade da década de 70, foi a criação, em 1979, da Associação Brasileira de Pós-graduação em Saúde Coletiva (Abrasco).

As proposições elaboradas naquela conjuntura, para além de uma reforma setorial da saúde, apontavam para uma democratização da vida social e do Estado, conforme Arouca (1989, p. 27):

Discutir a reforma sanitária nos seus aspectos conceituais, ideológicos, políticos e institucionais é, atualmente, tarefa fundamental de todos aqueles que, em diferentes países como o Brasil, Itália, Bolívia, Espanha, Portugal etc. estão comprometidos com a democratização das estruturas políticas e a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos. Esta tarefa mais que fundamental, torna-se imprescindível para nós que buscamos, nas lutas pela reforma sanitária,construir as bases do socialismo democrático que almejamos para o Brasil.

O fim dos governos militares possibilitou a realização, em 1986, da 8ª Conferência Nacional de Saúde, durante a qual se reafirmou o reconhecimento da saúde como um direito de todos e dever do Estado, recomendando-se a organização de um Sistema Único de Saúde (SUS) público, universal, descentralizado e sob o controle social na formulação das políticas de saúde, no acompanhamento e na avaliação.

O movimento sanitarista brasileiro, apesar de limitadas bases políticas e sociais, obteve grandes vitórias na assembleia nacional constituinte, que resultaram no texto constante na CF de 1988 e na Lei Orgânica da Saúde (LOS) de 1990.

4 CONCLUSÃO

Não tratamos de realizar aqui uma crítica de quando esse projeto de uma nova escola soviética, fruto da Revolução de 1917 iniciou sua ruína. Tampouco das causas que podem ter levado à derrocada da experiência real do socialismo vivida ali. É fato que o stalinismo parece ter sido muito responsável pelas alterações do projeto revolucionário inicialmente elaborado pela Revolução, inclusive para a educação.

No entanto, à parte essa lacuna que deixamos aqui, destacamos que essa experiência, mesmo limitada pelas condições históricas e políticas que sofreu, tronou-se basilar para a criação de uma nova pedagogia, de uma nova escola, de uma nova educação que, até 1917, que existia apenas tenuemente em reflexões, especificamente de Marx e Engels. O principal legado da Revolução Russa, sem dúvida, foi despertar em diversas gerações de educadores que uma educação transformadora da realidade era sim possível. Tratemos de não abandonar essa utopia, eis o nosso compromisso quando da elaboração das políticas públicas para a educação: manter a defesa do homem omnilateral, de educação completa, integral, no qual todos possam exercer plenamente suas capacidades físicas e intelectuais. Um homem novo, para um mundo novo.

Por sua vez, no âmbito da saúde, a Revolução Russa, apesar de não ter concluído sua transição para o comunismo, deixou, dentre tantos, o ideário da universalização das políticas públicas, como uma forma de emancipação humana. A luta de classes tem sido permeada por avanços e recuos para a classe trabalhadora, constantemente atacada em seus direitos e conquistas por políticas neoliberais, a pretexto de ajustes fiscais. O SUS faz parte desses avanços e como tal, exige constante vigilância e mobilização sociais contra o seu desmonte, que está em curso desde a sua criação.

REFERÊNCIAS

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Notas

1 Os historiadores dividem o período do Feudalismo em Idade Média, Alta Idade Média e Baixa Idade Média. Na Alta Idade Média, período que vai do século V ao século X, processou-se a formação da sociedade feudal, ocorrendo a transição do Escravismo para o Feudalismo. Na Baixa Idade Média, período que corresponde do século X ao XV, consolidou-se o período feudal, que chegou a seu apogeu entre os séculos XII e XIII.

2 Com a Revolução Francesa, Condorcet foi eleito para a Assembleia Legislativa de Paris. Desempenhou um papel ativo na reforma do sistema educacional, tendo publicado, em 1771, Cinco Memórias para a Instrução Pública, texto no qual defende o ensino público, gratuito e universal, além de propor o afastamento da Igreja dos processos educacionais. De acordo com a proposta educacional de Condorcet, “[...] o ensino seria dividido em escolas primárias, escolas secundárias, institutos, liceus e Sociedade Nacional das Ciências e das Artes.” (BOTO, 2003, p. 745, grifo do autor). Na educação primária, momento de aprendizagem no qual todas as crianças aprenderiam a ler, escrever, contar e teriam acesso a conhecimentos gerais. O ensino secundário prepararia o aluno para acompanhar o desenvolvimento das manufaturas e para lidar com as novas exigências postas pelas transformações nas tecnologias de produção. O terceiro grau de instrução aconteceria nos institutos no quais o saber erudito deveria ser suficientemente desenvolvido para capacitar os indivíduos para o desenvolvimento das funções públicas que exigiam maior conhecimento. O liceu, quarto grau de instrução, refere-se aos estabelecimentos destinados à produção e divulgação do conhecimento erudito. Por fim, o quinto nível de ensino, no qual caberia à sociedade Nacional das Ciências e das Artes a função de supervisionar todos os demais níveis. (BOTO, 2003).

3 Aqui se trata da liberdade indicada pelo liberalismo, de cunho essencialmente contratualista, baseada na liberdade individual.

4 Pistrak foi preso em setembro de 1937, durante a perseguição stalinista dos anos 1930 e morreu, por fuzilamento, em 25 de dezembro de 1937.

O que mudou na Rússia depois da Revolução Bolchevique de?

A partir desse episódio, conhecido como Revolução de Outubro ou Revolução Bolchevique, iniciaram-se mudanças no sistema econômico russo. Terras da Igreja, nobreza e burguesia foram desapropriadas e concedidas aos camponeses, as indústrias passaram a ser controladas pelos operários e os bancos foram estatizados.

Quais foram as mudanças trazidas pela revolução bolchevique?

Os rumos adotados pelo partido bolchevique levaram a uma militarização da vida social, com a adoção do trabalho forçado, da disciplina militar nas fábricas e da entrega compulsória da produção agrícola ao Estado.

Que mudanças radicais os bolcheviques executaram em outubro de 1917?

Em 25 de outubro de 1917 (7 de novembro no calendário gregoriano), os bolcheviques conseguiram tomar de assalto o Palácio de Inverno, sede do governo, e vários outros departamentos públicos. Formaram um novo governo baseado nos sovietes e centralizado pelo Conselho dos Comissários do Povo.

Qual foi a principal consequência da revolução de outubro para Rússia?

Queda da Monarquia. Instauração do Governo Provisório e crescimento dos Sovietes. Retirada da Rússia da Primeira Guerra Mundial.