O brasil é livre de racismo por quê yahoo

O professor Silvio Almeida diz que, da escravidão ao formato atual, o racismo foi se metamorfoseando no correr no tempo, hábil em adaptar-se às mudanças da sociedade:

— No começo do século 20, por exemplo, estava em voga o racismo científico. No meio acadêmico, havia a ideia de que era o elemento negro que produzia a desordem e as crises que o Brasil vivia na Primeira República. O racismo científico, assim, legitimou o uso da violência contra essa população. Ao mesmo tempo, acreditava-se que a miscigenação seria benéfica para o país porque, nessa mistura, o sangue branco forte prevaleceria sobre o sangue negro fraco e haveria o branqueamento da população. Aquele grupo desestabilizador acabaria sendo eliminado. Sendo mais direto: eugenia. Na década de 1930, o discurso que passou a vigorar foi a da democracia racial. O Brasil seria um país plural, com o branco, o negro e o indígena convivendo em harmonia, todos importantes, desde que cada raça ficasse no seu lugar. Já não se pensava mais em eliminar o negro, mas sim em absorvê-lo e mantê-lo numa posição subalterna.

Na visão do reitor José Vicente, o racismo hoje se apresenta “desfigurado, multifacetado e extremamente escorregadio”:

— A casa grande e a senzala continuam existindo, só que agora com uma tintura de modernidade. O racismo foi sofrendo mutações e se aprimorando ao ponto de ter ganhado uma sutileza que faz com que muitas vezes só seja detectado no detalhe. Veja a lei de 2003 que tornou obrigatório o ensino da história da África e da cultura negra nas escolas. É um conteúdo importante e necessário, acima de tudo porque 55% da população brasileira é negra. Mesmo assim, apenas uma parte pequena das escolas obedece a lei. Os diretores e os professores vão encontrar mil argumentos para justificar o descumprimento e dizer que isso não tem nada a ver com o racismo. Muitos são racistas por ignorância, desconhecimento, mas outros tantos são racistas de forma esclarecida, consciente.

O que vigora no Brasil é o que os estudiosos chamam de racismo estrutural. O racismo é estrutural porque se apresenta como um alicerce em cima do qual se constroem as relações políticas, econômicas e sociais no país. As pessoas e as instituições são moldadas, por vezes de forma inconsciente, para encarar como normal que brancos e negros ocupem lugares diferentes. 

A advogada Flávia Pinto Ribeiro, que é vice-presidente da Comissão OAB Mulher da seccional Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil, exemplifica:

— As pessoas são racistas quando não ficam espantadas ou indignadas diante da notícia do assassinato de uma pessoa negra, diante da ausência de negros nos governos, nos tribunais e na direção de empresas, diante de um Estado que oferece transporte de qualidade, saneamento básico e segurança pública aos bairros ricos, mas nada disso às periferias, habitadas majoritariamente por negros. O racismo estrutural é tão cruel que até mesmo pessoas negras reproduzem o racismo.

Ela diz que, para as mulheres negras, a situação é pior:

— Assim como o racismo, no Brasil também o machismo é estrutural. As negras, por isso, são duplamente discriminadas, vistas tanto como objetos, por causa do machismo, quanto como sub-humanas, por causa do racismo. Se aos homens negros já é dado pouco espaço na sociedade, às mulheres negras é dado menos ainda.

Antes de falar de racismo, devemos nos atentar para uma distinção conceitual importante: racismo, discriminação e preconceito não são, exatamente, a mesma coisa. Preconceito é um julgamento sem conhecimento de causa, ou seja, julgar algo ou alguém sem antes conhecer. Discriminação é o ato de diferenciar, de tratar pessoas de modo diferente por diversos motivos. Já o racismo é uma forma de preconceito ou discriminação motivada pela cor da pele ou origem étnica. Pensando na extensão dos conceitos, o racismo está dentro dos conjuntos “preconceito” e “discriminação”, mas não os esgota.

O racismo não se manifesta de maneira única, podendo ocorrer, principalmente, de três maneiras:

  • Quando há crime de ódio ou discriminação racial direta: essa forma de manifestação do racismo é mais evidente. Trata-se de situações em que pessoas são difamadas, violentadas ou têm o acesso a algum tipo de serviço ou lugar negado por conta de sua cor ou origem étnica.

  • Quando há o racismo institucional: menos direta e evidente, essa forma de discriminação racial ocorre por meios institucionais, mas não explicitamente, contra indivíduos devido a sua cor. São exemplos dessa prática racista as abordagens mais violentas da polícia contra pessoas negras e a desconfiança de agentes de segurança e de empresas contra pessoas negras, sem justificativas coerentes. Um bom exemplo da luta do racismo institucional são os protestos de Charlottesville, nos Estados Unidos, em 2017, devido à conduta criminosa de policiais que mataram negros desarmados e rendidos em abordagens, além de agirem com violência desnecessária.

  • Quando há o racismo estrutural: menos perceptível ainda, o racismo estrutural está cristalizado na cultura de um povo, de um modo que, muitas vezes, nem parece racismo. A presença do racismo estrutural pode ser percebida na constatação de que poucas pessoas negras ou de origem indígena ocupam cargos de chefia em grandes empresas; de que, nos cursos das melhores universidades, a maioria esmagadora — quando não a totalidade — de estudantes é branca; ou quando há a utilização de expressões linguísticas e piadas racistas. A situação fica ainda pior quando as ações ou constatações descritas são tratadas com normalidade.

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Causas do racismo

As origens modernas do preconceito racial remontam aos séculos XVI e XVII, período de expansão marítima e comercial, além da colonização do continente americano. Nesse momento, podemos perceber, marcadas na história, a escravização dos africanos e o genocídio de povos indígenas. Em busca de justificar tais ações, os europeus começaram a formular teorias baseadas na suposição de que havia uma hierarquia das raças. Segundo essa tese, brancos estariam no topo dessa espécie de pirâmide, seguidos pelos asiáticos, indianos, indígenas e negros.

Segundo essas primeiras hipóteses racistas, somente os brancos teriam capacidade intelectual para trabalhar a terra, governar e prosperar, enquanto os negros estariam aptos apenas para o trabalho braçal. Também era comum a crença de que negros e índios não tinham alma. Isso, na visão de um cristão moderno, significava ser um animal.

Com a chegada do século XIX e a abolição da escravidão na maioria das potências que utilizaram desse modo de mão de obra, o racismo não acabou, mas ganhou uma roupagem mais científica, que tentaria utilizar o rigor metodológico das ciências positivas para atestar a superioridade da raça branca e a inferioridade dos negros e mestiços.

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Temos, nesse período, a publicação do livro Ensaio sobre a desigualdade das raças humanas, em que o filósofo Arthur de Gobineau (1816-1882) expôs, de maneira simultânea, sistematizada e ensaística, uma teoria de supremacia da raça branca. Alguns antropólogos e psicólogos da época também lançaram um novo estudo chamado de craniometria, em que medidas de crânios das diferentes raças eram retiradas e comparadas com outros dados de origem social, a fim de atestar que as populações negras estavam mais propensas a cometer ações violentas, mas desconsiderando o fato de a violência ser um fenômeno social.

Durante o período de governo nazista na Alemanha, as teorias de supremacia racial foram amplamente difundidas entre os aliados da Alemanha, como a Itália, além de surgirem seitas, como a Ku Klux Klan, nos Estados Unidos, que defendiam abertamente a supremacia da raça branca. Muitas ações excludentes, intimidatórias e violentas foram praticadas contra negros, além de haver, na época, um sistema de separação dos serviços públicos prestados a negros e a brancos.

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Cerimônia de iniciação da Ku Klux Klan, em Atlanta, em junho de 1949.

Racismo no Brasil

No Brasil e em outros países que utilizaram a mão de obra escrava, o racismo resulta, principalmente, da colonização e da escravidão. No dia 13 de maio de 1888, a promulgação da Lei Áurea proibiu a escravidão, mas não foram criadas políticas de inserção dos negros recém-libertos no mercado de trabalho e na educação.

Além dessa situação, os ex-escravos ainda esbarraram no problema da fome e da moradia, visto que muitos perderam, do dia para a noite, as condições mínimas de subsistência das quais dispunham enquanto eram escravizados. Na passagem do século XIX para o século XX, é que podemos situar, então, o momento em que o racismo instalou-se em uma sociedade que já não poderia manifestar seus anseios racistas legalmente de maneira explícita, mas os manifestava de outras formas. Como medida de coerção da cultura e dos hábitos dos negros, por exemplo, foi proibida, por decreto localizado no Código Penal de 1890, a prática e a difusão da capoeira, uma arte de origem africana.

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Lei sobre racismo

A lei nº 7716, de janeiro de 1989, torna crime qualquer manifestação que exclua ou discrimine pessoas em função de sua cor, etnia ou raça. Conhecida como lei antirracismo, essa medida jurídica, que representa um enorme passo na luta pela igualdade racial no Brasil, prevê penas de prisão a quem cometer crimes de ódio ou intolerância racial.

Segundo o texto da lei, pessoas não podem ser discriminadas em contratações de empresas, concursos públicos, acesso a lojas, estádios ou quaisquer outros estabelecimentos em função de sua cor. Também fica proibida a divulgação de mensagens racistas e de símbolos que remetam a qualquer teoria supremacista, como a suástica nazista. Quando o crime de discriminação racial ocorrer por meio de veículos de comunicação, a pena pode ser maior, podendo chegar a cinco anos de reclusão.

Além dessa lei, tramita no Congresso Nacional um projeto de lei de 2015, do senador Paulo Paim, que, se aprovado, tornará o racismo e o ódio por conta de raça e cor agravantes de crimes graves. Assim, nos casos de lesão corporal grave e homicídio, quando ocorridos por motivação racial, os réus, se condenados, poderão ter penas mais severas.

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Racismo reverso

A discussão sobre o racismo reverso é bem recente e, durante um tempo, tomou conta dos espaços midiáticos e das redes sociais. Afinal, existe o que se chama de racismo inverso ou racismo reverso? Para esclarecer o assunto, podemos definir o racismo inverso como uma forma de preconceito ou injúria de motivação racial proferida contra uma pessoa branca ou de um negro para um branco.

É preciso levar em consideração que o racismo, para que seja constatado, deve ir muito além das ofensas verbais. Trata-se da ofensa, da violência e do preconceito aliados a um histórico social de exclusão e marginalização, ou seja, foi necessário que os negros fossem sistematicamente discriminados, excluídos e maltratados para que atitudes de preconceitos contra a população negra fossem consideradas racistas. Isso significa pensar que devemos enxergar as relações de poder: o racismo ocorre contra a classe historicamente oprimida e nunca contra a classe que sempre foi dominante e opressora.

Para chegarmos à formulação atual do que vem a ser o racismo, houve muito sofrimento, escravização e objetificação do povo negro, o que tende a indicá-lo como uma minoria social, que, durante muito tempo, deteve menor força nas relações de poder. Isso significa que não é possível falar de racismo inverso na medida em que não houve, até então, ao menos no Ocidente moderno, qualquer indício de subjugação, escravização e marginalização dos povos brancos.

Racismo na escola

A escola, como parte integrante da sociedade, não está livre do racismo, tanto estrutural quanto explícito. São frequentes os casos de racismo dentro de instituições educacionais. Com o advento das redes sociais, do amparo da lei e de entidades de luta contra o racismo, os casos de preconceito e injúria racial nas escolas têm sido cada vez mais denunciados, e os responsáveis, quando comprovado o crime, punidos, criminal ou institucionalmente.

O Portal Geledés, site voltado para a luta contra o preconceito e a discriminação racial e de gênero, é uma boa fonte de informações sobre o racismo e a luta contra o preconceito racial. Com uma pesquisa rápida na plataforma, é possível encontrar dezenas de casos de racismo ocorridos em escolas e universidades. Um caso que chama atenção pelo conteúdo das falas é o que está exposto a seguir:

Professora e aluna da Universidade Regional de Blumenau (FURB) registram BO por injúria racial1

“Aluna de Biologia obteve a melhor nota da turma em uma determinada disciplina. Ao saber, um colega teria afirmado: 'não é possível que esta preta tenha tirado a maior nota da sala'. O fato teria sido testemunhado por colegas.”

“Já o caso da professora começou no primeiro semestre. Ela descobriu plágio no trabalho de um determinado aluno e mandou ele refazer. Neste semestre, ele não se matriculou na disciplina dela e teria falado para colegas: 'essa negra não merece ser professora'.”

Casos de racismo

Nos últimos anos, casos de racismo ganharam notoriedade nacional por envolverem pessoas famosas ou terem viralizado nas redes sociais. Alguns casos que tomaram grande proporção no Brasil estão relatados em matéria de 2015, da revista Exame, intitulada 5 casos de racismo que chocaram o Brasil. Levantamos três casos, sendo dois da matéria mencionada acima:

  • Ofensas proferidas contra o goleiro Aranha, do Santos, em um jogo contra o Grêmio na Copa do Brasil. Torcedores do Grêmio chamaram o jogador de “macaco”.

  • Chissomo “Titi” Ewbank Gagliasso, filha do casal de atores Giovanna Ewbank e de Bruno Gagliasso, nascida no Malawi, foi hostilizada por comentários racistas nas redes sociais e em vídeos. O pai e a mãe da menina tomaram medidas legais contra o caso.

  • Garoto negro e filho adotivo de um norte-americano que vive no Brasil foi proibido de ficar na calçada de uma loja de grife onde o pai estaria fazendo compras. Sem saber que se tratava do filho de cliente, uma funcionária da loja disse ao menino que ele não poderia ficar lá.

Infelizmente, ainda existe racismo. Casos que ganham notoriedade estão tornando-se comuns, mas muitos casos continuam anônimos. É preciso lutar para colocar um fim definitivo nessa prática criminosa que vitima muitas pessoas no Brasil e no mundo todos os dias.

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Racismo e preconceito

O preconceito, em geral, pode originar-se de diferentes maneiras, desde que estejamos falando de alguém considerado diferente ou historicamente julgado e tratado como inferior. Nesse sentido, temos preconceito contra o gênero feminino, classe social, raça e orientações sexuais não heterossexuais, por exemplo. Já o racismo é a manifestação de um preconceito racial que ocorre em situações específicas em que uma das raças foi, historicamente, considerada inferior à outra.

Segundo o site Agência de Notícias, do IBGE, o censo de 2016 apontou que a população que se autodeclara preta ou parda no Brasil ainda carrega consigo os maiores índices de analfabetismo, menor escolaridade, menor renda mensal e maior taxa de desemprego. Há uma desigualdade social sistêmica que leva ao preconceito racial, pois os mais prejudicados nessa cadeia são os negros, e isso somente poderia ser resolvido por meio de políticas públicas voltadas para a valorização daqueles que foram sistematicamente marginalizados e excluídos da sociedade, afirma o Prof.º Dr. Otair Fernandes — professor de Sociologia da UFRRJ e coordenador do Laboratório de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas (Leafro).

Devemos lembrar que o racismo somente acontece quando há um sistema de poder que considera aquela raça, contra qual é praticado, inferior. Nesse sentido, falar que acontece racismo de um negro contra um branco seria errado, visto que o que pode acontecer é, no máximo, discriminação. Também devemos observar que o racismo não é exclusivo do Brasil e nem das Américas, onde a escravização de povos africanos foi mais intensa, mas acontece em algum grau e contra grupos étnicos minoritários em todas as partes do mundo.