4 APLICABILIDADE DA MODULAÇÃO TEMPORALA modulação temporal, denominada também de limitação temporal pelo STF, é um instituto de extrema importância para a racionalização das decisões de controle judicial de constitucionalidade. Evitando-se decisões alheias ao caso concreto e sempre com os mesmo efeitos. Show
Uadi Lammego Bulos define bem a utilidade do instituto:
Em seu voto sobre a possibilidade de modulação de efeitos de decisão proferida em sede de controle de constitucionalidade difuso, no RE 197.917/SP, o ministro Gilmar Ferreira Mendes explica:
Fica claro diante do exemplo que não se pode usar a Teoria da Regime de Sanção de Nulidade de maneira absoluta. O Judiciário não pode ignorar as peculiaridades do caso concreto e a necessidade social. A modulação é uma possibilidade necessária, a ser colocada disponível ao órgão julgado, em casos específicos. Através dela, modula-se decisões que, se mantidas com os efeitos ordinários da declaração ou não de inconstitucionalidade, seriam mais prejudiciais. Baseado nisso, os artigos 27 da Lei nº 9.868/99 e 11 da Lei 9.882/99 autorizaram o Supremo Tribunal Federal a declarar a inconstitucionalidade com efeitos temporais limitados em sede de ADI e ADPF. Apesar da legislação somente ser expressa em permitir modulação nessas hipóteses, o Supremo – seguindo o entendimento da doutrina majoritária – admite a técnica em outros casos. É possível sistematizar a jurisprudência do STF, em tema de modulação temporal dos efeitos de decisão judicial, identificando seis cenários diversos de aplicação: a) declaração de inconstitucionalidade em ação direta; b) declaração incidental de inconstitucionalidade; c) mudança de jurisprudência; d) Súmula vinculante; e e) em controle de recepção. Ressalte-se a aplicação da técnica, em situações pontuais, na declaração de constitucionalidade em abstrato. Nos últimos anos, multiplicaram-se os casos de modulação dos efeitos temporais. As vezes com a invocação analógica dos artigos 27 da Lei n. 9.868/99 e 11 da Lei 9.882/99 e outras vezes sem referência aos mesmos. Parte-se da premissa de que a possibilidade de aplicação do instituto - algo de extrema importância para a racionalização do sistema jurídico - não pode ficar refém de formalismos inócuos, exigindo-se sempre previsão legal, ignorando a possibilidade de se ponderar valores e bens jurídicos constitucionais. Alexandre Moraes, interpretando a jurisprudência do Excelso Pretório, afirma:
Mesmo sem legislação autorizando, o Guardião da Constituição é também o Protetor do bem social. Devendo relativizar o formalismo em excesso, sempre que o caso exigir. Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco explicam de forma cristalina e perfeita a extensão da aplicabilidade da modulação temporal:
Conforme a explanação dos mestres, os princípio da razoabilidade e proporcionalidade, aliada a uma ponderação de valores, autorizam a adoção da limitação temporal em casos excepcionais. A autorização legislativa vem para ratificar essa possibilidade. Não obstante a jurisprudência e a doutrina permitirem o uso da modulação para além das possibilidades expressas na legislação, a mesma deve sempre ser utilizada de maneira excepcionalíssima. Ora, o instituto permite resguardar os efeitos produzidos por ato ou norma inconstitucional, ou seja, convalidam-se resultados derivados de ato ou norma nulos. Claro que sempre com o intuito de se evitar um dano maior, a partir de razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social. Contudo, não cabe uma banalização da técnica, utilizando-a sempre em hipóteses necessárias. Seu uso deve ser fundamentado em uma situação de exceção. Do contrário, colocar-se-ia em xeque a própria supremacia constitucional. A reiterada modulação passaria a sensação dela ser uma mera diretriz. Não tendo efetividade real. Sob esta ótica, Luís Roberto Barroso registra o tamanho da responsabilidade de modular os efeitos temporais:
O espaço entre uma modulação temporal correta e uma que prejudique a supremacia constitucional é tênue. Não se deve se dela abdicar, visto que é o fundamento de todo ordenamento jurídico. Em princípio, a técnica da modulação temporal dos efeitos de decisão reserva-se ao Controle Concentrado de Constitucionalidade, em face de disposição legal expressa. Ocorre que, sendo uma situação extrema e caracterizada inequivocamente pelo risco à segurança jurídica ou ao interesse social, abre-se a possibilidade do instituto, mesmo que em controle concreto de constitucionalidade. O STF[4] afirma:
Considerar como impraticável a modulação temporal em controle concreto vai de encontro a própria finalidade do instituto. Prima-se pelo interesse público excepcional, retirando a obrigatoriedade de sempre seguir o disposto em legislação. No mundo contemporâneo e nos sistemas jurídicos de hoje resta-se superada a ideia do Judiciário como mero reprodutor das leis. O julgador deve analisar as peculiaridades do caso, a legislação e os princípios, objetivando uma decisão justa, precisa e efetiva. Por fim, vale destacar que, mesmo antes do advento das leis 9.868/99 e 9.882/99, o Supremo Tribunal Federal, pontualmente, já modulava os efeitos da decisão de inconstitucionalidade, como consequência da ponderação com outros valores e bens jurídicos que seriam afetados erga omnes de sua sentença:
Sendo assim, não restam dúvidas quanto à possibilidade de se aplicar a modulação temporal em decisões e casos não previstos em lei. A jurisprudência do Excelso Pretório cita também o “Estado de Agravamento de Inconstitucionalidade” para validar o uso da limitação temporal:
Mais uma vez a jurisprudência da Corte demonstra que uma declaração de inconstitucionalidade não pode piorar a situação. Seria ilógico e contraproducente. Luís Roberto Barroso cita alguns exemplos colhidos em decisões do próprio Supremo Tribunal Federal ou em manifestações bem fundadas da doutrina, nos quais a limitação temporal, pautada em circunstâncias excepcionais e de extrema necessidade, deve ser utilizada: a) Em nome da boa-fé de terceiros e da teoria da aparência, o STF deixou de invalidar atos praticados por funcionário investido em cargo público com base em lei que veio a ser declarada inconstitucional. b) Em nome da irredutibilidade de vencimentos, o STF pronunciou-se, relativamente à remuneração indevida percebida por servidores públicos (magistrados), no sentido de que a “retribuição declarada inconstitucional não é de ser devolvida no período de validade inquestionada da lei declarada inconstitucional — mas tampouco paga após a declaração de inconstitucionalidade”. c) Em nome da proteção à coisa julgada, há consenso doutrinário em que a declaração de inconstitucionalidade, com eficácia erga omnes, não desconstitui automaticamente a decisão baseada na lei que veio a ser invalidada e que transitou em julgado, sendo cabível ação rescisória, se ainda não decorrido o prazo legal. Caso se tenha operado a decadência para a rescisão, já não será possível desfazer o julgado. d) Em nome da vedação do enriquecimento sem causa, se a Administração tiver se beneficiado de uma relação jurídica com o particular, mesmo que ela venha a ser tida por inválida, se não houver ocorrido má-fé do administrado, faz ele jus à indenização correspondente (BARROSO, 2012, p.34). Como se percebe, em todos os exemplos dados há hipóteses de interesse público envolvido e situações excepcionais, extraordinárias. Justamente devido a excepcionalidade da aplicação e sendo a limitação temporal é instrumento tão essencial ao controle de constitucionalidade que parte da doutrina defende a hipótese de ser aplicada até mesmo de ofício. Luís roberto Barroso é um dos defensores da tese: “Por se tratar de uma hipótese de aplicação direta da Constituição, a modulação poderá ser determinada de ofício por parte do Tribunal, sem prejuízo da possibilidade de que seja requerida pela parte interessada”. (BARROSO, 2012, p.216). Mais uma vez é de se utilizar a ideia da racionalização do Judiciário para defender o pensamento. Se no momento de análise de um caso concreto ficar evidente a necessidade de modulação, tendo em vista interesses sociais e públicos, não há o porquê de não se aplicá-la. Caso contrário, prender-se-ia o Judiciário a um formalismo cego. Como já exposto, a limitação decorre de situações excepcionais. E em momentos de exceção, deve-se adotar medidas de exceção. Preterindo-se o princípio da inércia em benefício do bem social. Trata-se de uma relativização necessária. O STF já relativizou um outro ponto. Já admitiu a interposição de embargos de declaração visando alcançar exclusivamente a modulação temporal dos efeitos da decisão. Deve existir, em regra, pedido anterior formulado nesse sentido. Para o Excelso Pretório há cabimento do citado recurso quando há, na demanda, alguma solicitação no intuito de alcançar a manipulação temporal dos efeitos e a Corte tenha sido omissa. Os embargos serviriam para sanar a omissão. Contudo, a própria Suprema Corte reconhece que em casos excepcionais tal formalidade deve ser superada em prol da racionalização do sistema jurídico. Na ADI (ED) 3.601-DF conheceu e deu procedência aos embargos interpostos com o intuito único de obter a modulação de efeitos, sem que houvesse qualquer pedido anterior para aplicação da teoria. Segundo o STF foi uma excepcionalidade, justificável diante das peculiaridades do caso:
Bastante concisa essa ideia. Sendo excepcional a modulação temporal, mais excepcional ainda a hipótese de se aceitar sua aplicação com pedido posterior ao julgamento. Nessa diapasão, a limitação temporal deve possuir requisitos bem elaborados para sua aplicação. A fim de exigir uma fundamentação forte por parte do julgador. O primeiro requisito deriva da própria lógica do controle de constitucionalidade. O efeito ex tunc é o ordinário da decisão de constitucionalidade. Deste modo, havendo silêncio acerca de qual efeito incide, obviamente se aplica o retroativo, baseando-se na Teoria do Regime de Sanção de Nulidade. Se o julgador desejar aplicar a modulação, dando-lhe efeito diverso, deve expressamente indicar na sentença. É de se averbar, ainda, que os artigos 27 da Lei nº 9.868/99 e 11 da Lei 9.882/99 exigem outros condições. De logo, explique-se: da mesma forma que ambos artigos são usados analogicamente para a aplicação do instituto, seus requisitos também são exigidos. A lei exige a observância de dois requisitos: um de caráter material, consistente na existência de razões de segurança jurídica ou de interesse social capazes de justificar o afastamento do princípio da nulidade; e um de caráter formal, que é a maioria qualificada de 2/3 dos Ministros. O segundo é um critério objetivo. Para se aplicar a limitação temporal, no mínimo oito ministros (dois terços da totalidade de 11) devem votar nesse sentido. Refere-se a um critério claro e necessário. Em regra, seis ministros são suficiente para tomar as decisões do STF. Trata-se da maioria absoluta, vide o art. 97 da CF[5]. Porém, para a aplicação da modulação temporal, faz-se necessária a exigência da maioria qualificada. É um instituto a ser usado em situações de exceção e o convencimento de 2/3 do total de ministros já indica uma real situação extraordinária. Já o outro requisito apresenta alto grau de abstração, tratando-se de conceitos indeterminados e vagos. No caso concreto o julgador deverá exercer um juízo de valorativo, a fim de decidir é ou não hipótese de modulação. Vejamos a íntegra dos arts. 27 e 11 das leis 9.868/99 e 9.882/99 respectivamente:
Segurança jurídica se trata de uma garantia fundamental dos regimes democráticos, que consagra a proteção da confiança e a segurança de estabilidade das relações jurídicas constituídas. Assegurando-se o princípio da boa-fé e confiança, garante-se os efeitos das relações jurídicas, além de respeitar a estabilidade dos atos jurídicos realizados, as situações jurídicas consolidadas e os direitos já incorporados ao patrimônio do cidadão. Ademais, Sustenta-se a estabilidade social frente às constantes alterações efetuadas no direito. Em síntese: um Estado uniforme e sustentável do ponto de vista jurídico. José Joaquim Gomes Canotilho traduz com maestria tais princípios:
A segurança jurídica é um dos pilares do Estado Democrático de Direito, a partir dela os jurisdicionados pautam suas condutas, com prévia consciência das consequências advindas de seus atos. Luís Roberto Barroso aprofunda:
Já o excepcional interesse social pauta-se em preservar os interesses coletivos, de forma que a decisão não se choque com o melhor para a coletividade, e, principalmente, garanta de forma plena os direitos fundamentais. Corresponde a ideia de interesse público, consistente no interesse coletivo primário, garantindo o Estado Democrático de Direito. Assim, observa-se: a análise dos requisitos materiais deve ser pautada de acordo com as consequências da decisão na sociedade. Nathalia Masson sintetiza:
Em suma, a modulação temporal se faz mediante um critério de ponderação que levará em conta elementos normativos e fáticos. À luz de princípios como os da segurança jurídica, boa-fé, moralidade. A Exposição de motivos da Lei 9.868, em relação a seu art. 27, assinada pelo Ministro de Estado da Justiça, Nelson Jobim, com base em parecer elaborado por comissão de notáveis juristas, é cirúrgica em destacar a excepcionalidade do uso do instituto:
Em suma, o legislador criou o art. 27 não no sentido de atribuir poderes ilimitados ao STF, mas a fim de criar um instrumento que possibilitasse equilibrar os efeitos de declaração de nulidade e evitando situações de grave insegurança jurídica ou ofensa a algum outro princípio disposto na Constituição Federal - distanciando-se ainda mais da vontade constitucional. Conforme alertou o Ministro Cezar Peluso no julgamento do RE 363.852:
Conforme o trecho demonstra, uma reiteração costumeira do uso da modulação temporal (criada a fim de se evitar danos jurídicos maiores) banaliza-a e cria uma sensação na sociedade de que os demais institutos jurídicos são inócuos. A fim de se evitar um uso exacerbado do instituto, há limites a sua aplicação. Como já evidenciado, os requisitos formais e materiais são limites expressos nos artigos 27 da lei 9.868/99 e 11 da lei 9.882/99: a maioria qualificada de 2/3 dos Ministros, a segurança jurídica e o interesse social. Uadi Lammego Bulos assevera:
Um ato desproporcional é inconstitucional. Diante disso, a modulação não pode ser aplicada desproporcionalmente. Para um ato ser proporcional, ele deve ser adequado, necessário e proporcional em sentido escrito. São as três sub-regras da proporcionalidade. Adequado é o ato apto a alcançar o resultado pretendido; necessário significa o uso do método quando não exista outra alternativa igualmente capaz a construir o resultado com a mesma intensidade; e, por fim, proporcional em sentido estrito seria um sopesamento entre a intensidade da restrição do direito fundamental atingido e a importância da realização deste direito fundamental. Outro limitação é o princípio da razoabilidade. Define-se como sendo a exigência de compatibilidade entre o meio empregado pelo legislador e os fins visados, bem como a aferição da legitimidade dos fins. Luís Roberto Barroso resume perfeitamente o tema:
Ora, se o Direito como um todo deve respeitar tais diretrizes, por óbvio a Suprema Corte deverá não somente garantir o respeito às mesmas, como também servir de modelo a toda sociedade. Uma outra limitação decorre de texto expresso da Carta Magna. O inciso XL do artigo 5º da Constituição Federal afirma que a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu. Tal dispositivo se trata de uma cláusula pétrea, vide inciso IV, do § 4 º do artigo 60 da Norma Fundamental. Assim, totalmente incabível uma modulação temporal que aplique ao réu um dispositivo gravoso. Seria de uma ilógica absurda, indo de encontro a própria finalidade da técnica. Uadi Lammego Bulos cita, ainda, a impossibilidade da Corte restringir os efeitos da declaração de inconstitucionalidade depois que a decisão for publicada no Diário Oficial. Após isso, a norma já se encontra expurgada da ordem jurídica, não mais havendo a mínima possibilidade de manipular pauta jurídica inexistente. (BULOS, 2014, p. 359). O que se entende por modulação temporal dos efeitos no controle de constitucionalidade?a) A modulação temporal dos efeitos no controle de constitucionalidade pode ser definida como a técnica pela qual o juiz constitucional pode determinar que a decisão que declara a inconstitucionalidade de uma norma produza efeitos a partir de determinada data, seja a do julgamento, seja outra a ser fixada.
O que é modulação no STF?A modulação de efeitos é artifício do qual o Supremo Tribunal Federal (STF) lança mão sempre que objetiva restringir a eficácia das suas decisões, seja para que colham apenas fatos e situações futuras (efeito ex nunc) a contar da data da prolação da decisão, seja para que se fixe, quando retroativas essas decisões ( ...
O que é modulação dos efeitos temporais?A modulação dos efeitos temporais é mecanismo que permite ao tribunal restringir a eficácia da sua decisão de inconstitucionalidade, a qual será eficaz a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento fixado.
Pode o Supremo Tribunal Federal modular os efeitos temporais da decisão quando declara a constitucionalidade de lei ou ato normativo?O Supremo Tribunal Federal tem reconhecido, excepcionalmente, a possibilidade de proceder à modulação ou limitação temporal dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, mesmo quando proferida, por esta Corte, em sede de controle difuso.
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