Porque um fármaco precisa estar na forma não ionizada para ser absorvido?

Descrição Geral

A farmacocinética e a farmacodinâmica são campos de estudo que se concentram na interação entre os fármacos e o corpo.

A farmacocinética é o estudo de como o corpo humano interage com um fármaco:

  • Absorção
  • Distribuição
  • Metabolização/eliminação

A farmacodinâmica é o estudo dos efeitos de um fármaco e do seu mecanismo de ação órgão-específico, incluindo efeitos ao nível celular:

  • Dinâmica de ligação de fármaco-recetor
  • Mecanismo de ação do fármaco
  • Resposta fisiológica

Porque um fármaco precisa estar na forma não ionizada para ser absorvido?

Farmacocinética e farmacodinâmica

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Farmacocinética: Absorção

Definição

A absorção é a transferência de um fármaco ou de substância do local de administração para a corrente sanguínea e é determinada por:

  • Propriedades físico-químicas do fármaco:
    • Solubilidade lipídica
    • Tamanho da partícula
    • Grau de ionização
  • Formulação do fármaco
  • Via de administração
    • Oral
    • IV
    • IM

Administração oral

A absorção através do trato GI é afetada por:

  • Diferenças no pH luminal ao longo do trato GI:
    • A maioria dos fármacos são ácidos ou bases orgânicas fracas.
    • Os fármacos existem em formas não ionizadas e ionizadas.
    • A forma não ionizada é geralmente lipossolúvel (lipofílica) e difunde-se facilmente através das membranas celulares.
    • A forma ionizada tem alta solubilidade em água (hidrofílica).
    • A proporção da forma não ionizada é determinada por:
      • pH ambiental
      • pKa do fármaco (constante de dissociação ácida): o pH no qual as concentrações das formas ionizadas e não ionizadas são iguais
  • Área de superfície por volume luminal:
    • O intestino delgado tem a maior área de superfície.
    • A maior parte da absorção ocorre no intestino delgado.
  • Perfusão sanguínea da membrana absorsora:
    • A diminuição do fluxo sanguíneo (por exemplo, no choque) reduz a absorção.
  • Presença de bílis e muco:
    • No estômago, uma camada mucosa espessa limita a absorção do fármaco.
  • Reações químicas:
    • Hidrólise pelo ácido gástrico ou por enzimas digestivas
    • Metabolismo pela flora bacteriana do trato GI
  • Tempo de trânsito:
    • O trânsito rápido (por exemplo, estados diarreicos) através do trato GI dificulta a absorção.
    • O atraso no esvaziamento gástrico limita a absorção pelo intestino delgado.
  • A natureza das membranas epiteliais (ver abaixo)

Os fármacos atravessam as membranas através de:

  • Difusão passiva, dependendo de:
    • Grau de gradiente de concentração através da membrana: os fármacos movem-se de áreas de alta concentração para áreas de baixa concentração.
    • Lipssolubilidade do fármaco: como as membranas são lipídicas, os fármacos lipossolúveis difundem-se mais rapidamente.
    • Tamanho da partícula do fármaco: partículas pequenas penetram nas membranas mais rapidamente.
    • Grau de ionização: porque determina a lipossolubilidade
    • Área da superfície de absorção: quanto maior a superfície, maior a difusão
    • A lei de Fick regula a difusão passiva, mostrando que a taxa de difusão é proporcional a:

$$ V_{líquido}= D \frac{A}{T}(C_{1}-C_{2}) $$

D: constante de difusão para o fármaco
A: área de superfície da membrana
T: espessura da membrana
C: gradiente de concentração

  • Difusão passiva facilitada:
    • Requer a presença de uma molécula transportadora que se liga ao fármaco e o transporta através da membrana
    • A difusão ainda ocorre ao longo do gradiente de concentração.
    • Não requer gasto energético
  • Transporte ativo:
    • Requer gasto de energia
    • Pode ocorrer contra o gradiente de concentração
    • Ocorre com fármacos semelhantes a substâncias endógenas, ou seja, vitaminas, açúcares, aminoácidos
  • Pinocitose:
    • Fluido ou partículas são “engolidas” pela célula sob a forma de vesículas
    • Requer gasto de energia

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Diferentes vias de transporte de fármacos através da membrana celular e para o citoplasma

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Biodisponibilidade

  • A extensão e a velocidade com que um fármaco entra na circulação sistémica, alcançando assim o local de ação
  • Relevante apenas para fármacos administrados por via oral, pois os fármacos IV têm 100% de biodisponibilidade
  • Fatores que afetam a biodisponibilidade:
    • Tudo o que afete a absorção
    • Metabolismo hepático de 1ª passagem
      • Os fármacos absorvidos no trato GI passam pela circulação portal e terminam no fígado.
      • O fígado metaboliza o fármaco antes de entrar na circulação sistémica, reduzindo a biodisponibilidade do fármaco.
    • Circulação entero-hepática:
      • O fármaco é absorvido no trato GI e, através da circulação portal, é absorvido pelo fígado.
      • O fármaco ativo ou os seus metabolitos são excretados na bílis e depois no intestino.
      • A microbiota intestinal desconjuga os metabolitos do fármaco para libertar a molécula do fármaco original.
      • O fármaco é então reabsorvido no intestino → o ciclo recomeça
      • A recirculação pode produzir vários picos na concentração plasmática do fármaco.
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Fenómeno de um fármaco a sofrer metabolismo de primeira passagem em que é parcial ou completamente metabolizado na parede intestinal, ou é absorvido no intestino e entra na circulação portal, viajando para o fígado onde o fármaco continua a ser metabolizado.

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Circulação enterohepática

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Farmacocinética: Distribuição

Definição

A distribuição éa extensão em que um fármaco é transportado da circulação sistémica para os tecidos e órgãos-alvo.

Volume de distribuição (Vd)

  • O volume necessário para conter a quantidade total de um fármaco na mesma concentração em que é observada no plasma
  • Também pode ser conceptualizado como a razão entre a quantidade de fármaco num organismo (dose) e a concentração do fármaco medida no sangue e no plasma e não ligada no líquido intersticial
  • Um volume teórico que fornece uma referência para a concentração plasmática esperada para uma determinada dose

A equação para o volume de distribuição:

$$ V_{d}= \frac{Quantidade\ do\ fármaco\ no\ organismo}{Concentração\ no\ sangue} $$

Fatores que afetam a distribuição dos fármacos

  • Permeabilidade tecidual de fármacos; depende do fármaco:
    • Tamanho molecular: moléculas menores distribuem-se em maior grau nos tecidos.
    • pKa: determina o grau de ionização e, portanto, a lipofilicidade:
      • Fármacos lipofílicos dissolvem-se em lípidos: difusão lipídica
      • Fármacos lipofílicos conseguem atravessar as membranas das células lipídicas.
      • Fármacos lipofílicos conseguem atravessar as barreiras hematoencefálica e placentária.
      • Fármacos hidrofílicos dissolvem-se em água: difusão aquosa
      • Fármacos hidrofílicos requerem poros ou transportadores para atravessar membranas.
  • Barreiras teciduais:
    • Barreira hematoencefálica: nos capilares cerebrais, as células endoteliais estão conectadas com junções intercelulares apertadas.
    • Barreira placentária: formada por membrana basal trofoblástica fetal e uma camada endotelial
    • Barreira hematotesticular: formada por junções apertadas entre as células testiculares de Sertoli
  • Débito cardíaco/fluxo sanguíneo regional:
    • Quanto maior o fluxo sanguíneo do órgão, maior a distribuição do fármaco
    • Quanto maior o órgão, maior o fluxo sanguíneo para ele
  • Grau de ligação às proteínas:
    • A albumina é a principal proteína de ligação a fármacos no plasma.
    • Outras proteínas de ligação são a glicoproteína ácida alfa-1 e as lipoproteínas.
    • Apenas o fármaco não ligado se pode difundir passivamente para locais extravasculares ou teciduais para exercer os seus efeitos.
    • A concentração do fármaco não ligado no plasma determina a concentração do fármaco no local ativo e a sua eficácia.
    • Os fármacos ligados à albumina permanecem intravasculares.
    • A alta ligação às proteínas diminui o volume de distribuição, porque os fármacos não se conseguem difundir nos tecidos.
    • Fármacos não ligados conseguem difundir-se e ligar-se aos tecidos e ter um grande volume de distribuição.
  • Composição do corpo:
    • Água extracelular: afeta o volume de distribuição de fármacos hidrofílicos
    • Tecido adiposo: afeta o volume de distribuição de fármacos lipofílicos
  • Idade:
    • A água corporal total é maior em bebés.
    • O teor de gordura é maior em bebés e idosos.
    • O músculo esquelético é menor em bebés e idosos.
    • Composição de órgãos: o sistema nervoso dos bebés é imaturo → maior distribuição de fármacos no cérebro
    • O teor de proteínas plasmáticas é menor em bebés e idosos.
  • Sexo:
    • As mulheres têm menos água corporal total, devido ao tamanho menor, e mais tecido adiposo.
  • Gravidez:
    • O aumento do volume sanguíneo leva a um maior Vd.
    • O feto é um compartimento separado no qual os fármacos se podem distribuir.
  • Obesidade:
    • O aumento do tecido adiposo leva a uma maior distribuição e acumulação de fármacos lipofílicos.
  • Os estados de doença podem afetar:
    • Concentração de albumina plasmática
    • Perfusão tecidual: ou seja, hipoperfusão no choque
    • pH do tecido: ou seja, acidose láctica devido a sépsis
    • Alteração nas barreiras fisiológicas: a meningite altera a barreira hematoencefálica.
  • Dieta:
    • Uma dieta rica em gorduras aumenta os ácidos gordos livres, que competem com os fármacos pela ligação à albumina.
    • A desnutrição diminui os níveis de albumina plasmática, afetando a ligação do fármaco e a distribuição tecidual.
  • Interações farmacológicas:
    • O deslocamento ocorre quando 2 fármacos que têm a mesma afinidade para o mesmo local de ligação são administradas concomitantemente.

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Farmacocinética: Metabolismo

Biotransformação

A biotransformação éo processo pelo qual o corpo humano transforma quimicamente fármacos em diferentes moléculas para tornar o composto farmacologicamente ativo ou para facilitar a sua eliminação.

  • O metabolismo é um tipo de biotransformação.
  • Geralmente ocorre no fígado, através de enzimas hepáticas
  • Quando um fármaco ou composto original é metabolizado, pode ser convertido em:
    • Fórmula inativa
    • Forma farmacologicamente ativa
    • Metabolito tóxico

Fases da biotransformação

  • Reações de fase I: transformam o fármaco num metabolito polar, o que o torna mais solúvel em água
    • Isto é feito descobrindo ou inserindo um grupo polar (–OH, –SH, –NH2).
    • Realizada pelas isoenzimas do citocromo P450 (CYP450) no fígado
    • 75% dos fármacos são metabolizados por CYP450-3A4, CYP450-3A5 e CYP450-2D6.
  • Reações de fase II: conjugação do metabolito com compostos para aumentar a sua solubilidade em água, incluindo:
    • Glicuronidação
    • Acetilação
    • Conjugação de glutationa
    • Sulfatação
    • Metilação
  • Reações de fase III: processamento adicional dos fármacos, incluindo:
    • Preparação de um fármaco para excreção na bílis, urina ou outros lúmens
    • Ligação a proteínas de transporte, geralmente P-glicoproteínas
  • Nem todos os fármacos passam por todas as 3 fases.
  • Existe grande variabilidade genética na atividade das enzimas envolvidas em todas as 3 fases.
  • Como resultado, os indivíduos podem apresentar diferenças significativas na sua capacidade de metabolizar o mesmo fármaco.
  • Um grande número de fármacos é capaz de induzir e inibir o sistema enzimático P450.

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A variedade de isoenzimas do citocromo P450 (CYP450)

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Fatores que afetam o metabolismo dos fármacos

  • Diferenças genéticas da CYP450
  • Inibição competitiva da CYP450:
    • Os fármacos podem competir pela mesma via.
    • Um fármaco pode inibir ou induzir o metabolismo de outro fármaco.
  • Inibição direta da CYP450:
    • Amiodarona, ritonavir, cimetidina, sumo de toranja, fluconazol
    • Inibidores suicidas: inibição irreversível de enzimas/recetores, por exemplo, secobarbital
  • Indução da CYP450:
    • Fármacos anticonvulsivantes, etanol, erva de São João, rifampicina
  • Inibição da glicoproteína P (mutação multirresistente (MDR1))
    • Move fármacos de dentro da célula para o lúmen intestinal
    • A inibição do MDR1 aumenta os níveis intracelulares do fármaco, levando à toxicidade
    • Os inibidores incluem verapamil e sumo de toranja.
    • Fármacos metabolizados por MDR1 incluem ciclosporina e digoxina
  • Quantidade de fluxo sanguíneo para o fígado

Taxa de metabolismo

  • Cinética de 1ª ordem:
    • Em concentrações terapêuticas, apenas uma pequena fração dos locais da enzima metabolizadora é ocupada pelo fármaco.
    • A taxa de metabolismo aumenta com a concentração do fármaco.
    • A taxa de metabolismo do fármaco é uma fração constante do fármaco que permanece no corpo.
    • O fármaco tem uma semi-vida específica: tempo necessário para que a concentração plasmática se reduza para metade do seu valor original.
  • Cinética de ordem zero:
    • A maioria dos locais de ligação de fármacos de enzimas metabolizadoras está ocupada.
    • O metabolismo ocorre na sua taxa máxima e não se altera em proporção à concentração do fármaco.
    • Neste caso, não se consegue determinar nenhuma semi-vida específica.
    • À medida que a concentração do fármaco aumenta, o metabolismo muda da cinética de 1ª ordem para a cinética de ordem zero.

Mnemónicas para indutores e inibidores do CYP450

  • Indutores: PARC GPS (pela sigla em inglês)
    • Phenytoin (fenitoína)
    • Alcohol (ethanol) (álcool (etanol))
    • Rifampin (rifampina)
    • Carbamazepine (carbamazepina)
    • Griseofulvine (griseofulvina)
    • Phenobarbital (fenobarbital)
    • Smoking (tabagismo)
    • St. John’s wort (erva de São João)
  • Inibidores: PACMAN-G (pela sigla em inglês)
    • Protease inhibitors (inibidores da protease)
    • Azol antifungals (antifúngicos azois)
    • Cimetidine (cimetidina)
    • Macrolides (macrólidos)
    • Amiodarone (amiodarona)
    • Nondihydropyridine (non-DHP) calcium channel blockers (CCBs) (bloqueadores dos canais de cálcio (BCC) não-dihidropiridínicos (não-DHP))
    • Grapefruit juice (sumo de toranja)

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Farmacodinâmica: Recetores e Efetores de Fármacos

Os recetores são macromoléculas envolvidas na sinalização química entre e dentro das células.

  • Estes recetores podem estar localizados na membrana da superfície celular ou dentro do citoplasma:
    • Os recetores de superfície celular têm uma parte transmembranar que os conecta ao citoplasma:
      • Recetores acoplados à proteína G
      • Recetores de tirosina cinase
      • Canais iónicos
    • Recetores intracelulares (por exemplo, recetores de esteroides): O fármaco ou ligante deve ser lipofílico.
      • Recetores de esteroides
      • Recetores de hormonas tiroideias
      • Recetores de vitaminas A e D
  • Um fármaco pode ligar-se a uma região molecular específica do recetor chamada local de reconhecimento.
    • O local de reconhecimento de um fármaco pode ser diferente daquele de outro fármaco que se liga ao mesmo recetor.
  • Um fármaco que se liga a um recetor pode ativá-lo ou desativá-lo, levando ao aumento ou diminuição da função:
    • Os agonistas ativam os recetores para produzir a resposta desejada.
    • Os antagonistas impedem a ativação do recetor:
      • Pode ser reversível ou irreversível (antagonistas suicidas)
      • Os antagonistas competitivosimpedem a ligação do agonista ao recetor.
      • Os antagonistas não competitivospermitem a ligação do agonista ao recetor, mas reduzem ou limitam o seu efeito.
  • A capacidade de um fármaco de afetar um determinado recetor relaciona-se com:
    • Afinidade: probabilidade de o fármaco ocupar um recetor num dado instante
      • A afinidade e a atividade de um fármaco são determinadas pela sua estrutura química.
      • A afinidade de um fármaco para o recetor determina a quantidade de fármaco necessária para produzir um efeito terapêutico.
    • Eficácia intrínseca: grau em que um ligando ativa os recetores e leva à resposta celular
  • A duração do tempo que o complexo fármaco-recetor persiste determina o efeito farmacológico:
    • A ocupação transitória do recetor produz o efeito farmacológico desejado
  • Regulação positiva e negativa do recetor: a densidade do recetor é proporcional à ligação do recetor.
    • A baixa concentração do fármaco leva à regulação positiva dos recetores
    • A alta concentração do fármaco leva à regulação negativa dos recetores
  • Tolerância:o efeito do fármaco é reduzido ao longo do tempo devido a alterações no número e na função dos recetores
  • 2º mensageiros: moléculas intracelulares ativadas em resposta à interação fármaco-recetor. Exemplo:
    • O fármaco (epinefrina) liga-se à proteína G do recetor.
    • O recetor faz uma alteração na proteína G.
    • As proteínas G dissociam-se e ligam-se ao efetor (adenilil ciclase).
    • O efetor catalisa uma reação que aumenta a concentração do 2º mensageiro (cAMP)
    • O cAMP aumenta a frequência cardíaca, a dilatação dos vasos sanguíneos do músculo esquelético e a degradação do glicogénio em glicose.
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Diferentes categorias de recetores de superfície celular e intracelulares

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Transdução de sinal mediada por uma proteína G e ativação de um sistema de 2º mensageiro:
(1) O primeiro mensageiro ou fármaco liga-se ao recetor acoplado à proteína G e (2) ativa a proteína G, que (3) retransmite um sinal para (4) ativar a molécula efetora.
O efetor então (5) ativa 2º mensageiros para (6) eliciar respostas celulares.

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Farmacodinâmica: Efeito do fármaco

O efeito de um fármaco é a resposta física que ele provoca. Este pode ser um efeito desejado (terapêutico) ou um efeito indesejado (tóxico). O efeito pode ser modulado pela presença de antagonistas e também é determinado pela sua afinidade ao seu recetor molecular alvo. Estes efeitos são medidos e podem ser representados visualmente através de curvas.

Curvas de dose-resposta

  • Representações gráficas da relação entre a dosagem de um medicamento administrado e a quantidade de efeito que produz
  • A dose de fármaco é inserida no eixo x e a % de resposta máxima no eixo y.
  • Expresso como uma curva logarítmica em forma de sigmoide
  • Emax : dose ou concentração de fármaco que provoca um efeito máximo (resposta)
  • ED50: dose ou concentração da fármaco (EC50) que produz 50% do efeito máximo (resposta)
  • A inclinação da curva dá a alteração no efeito pelo aumento de cada unidade de concentração de fármaco
  • Ao visualizar uma curva dose-resposta:
    • O agonista sozinho atinge 100% de efeito
    • Adição de um antagonista competitivo: é necessário uma dose de agonista mais elevada para ainda atingir 100% de efeito → a curva desloca-se para a direita
    • Adição de inibidor não competitivo: uma dose de agonista mais elevada não atingirá 100% do efeito e o efeito máximo alcançável do agonista é reduzido → a curva não se desloca
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Curvas de dose-resposta em escala linear e logarítmica mostrando a dose ou concentração do fármaco que provoca um efeito máximo (Emax) e a concentração do fármaco que produz 50% do efeito máximo (EC50)

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Curva dose-resposta comparando um agonista sozinho versus agonista com um antagonista competitivo (esquerda):
Observe que ocorre o mesmo efeito com uma dose mais alta de agonista quando o antagonista competitivo é dissociado. A curva é simplesmente deslocada para a direita.
Curva da direita: em comparação, esta é uma curva dose-resposta que compara agonista sozinho versus agonista com um antagonista irreversível. As 2 curvas começam na mesma concentração, mas atingem pontos máximos diferentes, uma vez que a ação do antagonista irreversível é independente da concentração do agonista. A resposta é reduzida para 50% do seu potencial máximo.

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Curvas de ligação

  • Expressam a concentração de um fármaco necessária para saturar um recetor específico
  • Dose do fármaco no eixo x e % máxima de recetores ligados no eixo y
  • Expressa como uma curva logarítmica em forma de sigmoide
  • Kd (constante de dissociação):
    • Definida como a concentração do fármaco que resulta na ligação de 50% dos recetores
    • Kd menor → maior afinidade de ligação do fármaco para o recetor
    • Kd maior → afinidade de ligação do fármaco para o recetor mais fraca
    • A resposta biológica máxima (Bmax) nem sempre requer a ocupação total do recetor pelo fármaco
    • Às vezes, a ED50 é alcançada com uma concentração de fármaco menor que Kd; isto deve-se à presença de recetores “de reserva”.
    • Os recetores “de reserva” diferem dependendo do fármaco, do órgão e da espécie.
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Curvas de ligação em escala linear e logarítmica mostrando a resposta biológica máxima (Bmax) e a constante de dissociação (Kd) para um fármaco

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Curva de ligação que ilustra o fenómeno do recetor “de reserva”:
Há uma resposta biológica máxima apesar da presença de recetores que não estão ligados ao fármaco. Observe que a concentração do fármaco necessária para ocupar 50% dos recetores (Kd) é maior do que a concentração necessária para induzir uma resposta máxima (ED50): Kd > ED50.

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Curvas quânticas

  • Numa população, geralmente há alguma variação de doses necessárias para atingir o efeito definido do fármaco
  • Uma resposta de dose quântica descreve um efeito farmacológico definido que pode estar presente ou ausente
  • Dose de um fármaco no eixo x e % de resposta no eixo y para uma população
  • A percentagem cumulativa das respostas da população a doses crescentes é representada como uma forma sigmoide
  • E50: dose de fármaco que provoca o efeito farmacológico definido em 50% dos indivíduos

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Curva dose-resposta quântica (observa a população, não os recetores individuais) evidenciando a dose de um fármaco que produz um efeito predeterminado em 50% dos indivíduos (E50)

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Curvas de toxicidade e rácios terapêuticos

  • Ilustra o intervalo de dosagem entre as concentrações mínimas efetivas e mínimas tóxicas
  • Um gráfico com 2 curvas:
    • A curva que relaciona a dose com a eficácia (curva de dose-resposta)
    • A curva que relaciona a dose com a toxicidade (curva morte-resposta)
    • Janela terapêutica: intervalo entre a dose terapêutica mínima e a dose tóxica mínima
    • ED50: dose para o efeito desejado em 50% da população
    • TD50: dose para efeito tóxico em 50% da população
    • Índice terapêutico (TI, pela sigla em inglês): TD50 /ED50
    • Quanto maior o TI, mais seguro é o fármaco

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Gráfico de uma curva de toxicidade:
A curva de dose-resposta azul representa o efeito desejado de um fármaco numa população, e a curva de dose-toxicidade vermelha representa o efeito indesejável do fármaco. A razão terapêutica, ou índice terapêutico (TI, pela sigla em inglês), situa-se entre as 2 curvas e é igual à dose para um efeito tóxico em 50% da população/concentração de fármaco que produz 50% do efeito máximo (TD50 /EC50), começando nos 50% de dose efetiva máxima e terminando na dose tóxica de 50%. A inserção mostra a relação entre a proporção terapêutica e os efeitos adversos observados. Quanto maior a razão terapêutica, menor a ocorrência de efeitos adversos e vice-versa.

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Curvas de potência

  • A potência é determinada pela afinidade de um fármaco pelo seu recetor:
    • Quanto maior a afinidade, maior a potência
  • As curvas de potência consistem em curvas de dose-resposta de diferentes fármacos para comparação.
  • A potência é a concentração (EC50) ou dose (ED50) de um fármaco que produz 50% do efeito máximo.
  • Quanto maior a potência de um fármaco, menor a sua EC50 (ou ED50)
    • Exemplo: um fármaco com ED50 de 5 mg é 10 vezes mais potente do que um fármaco com ED50 de 50 mg.

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Ilustração das curvas de dose-resposta de diferentes fármacos para comparação da sua concentração necessária para produzir um efeito máximo de 50% (EC50):
Emax é o efeito máximo. Menor EC50 = maior potência. O fármaco mais à esquerda no gráfico (representada pela linha pontilhada cinzenta) tem a maior potência dos 4 fármacos exibidos porque tem a concentração mais baixa (indicada no eixo x) necessária para produzir um efeito máximo de 50%. Deslocando-se das curvas da esquerda para a direita, a potência dos fármacos diminui, com a linha cinza sólida no extremo direito sendo o fármaco menos potente.

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Eliminação e Excreção

Taxa de eliminação

A eliminação é o processo de conversão de um fármaco em metabolitos inativos, que são excretados do organismo no fim do processo.

  • Fígado (hepática): órgão primário para eliminação metabólica de fármacos
  • Rim (renal): órgão primário para eliminação excretora de fármacos

Taxa de eliminação do fármaco (massa/tempo) = depuração x concentração.

Depuração (clearance)

  • Volume de plasma depurado do fármaco por unidade de tempo (volume/tempo)
  • Depuração sistémica total (CLtotal) :
    • Um fármaco pode ser eliminado através de muitas vias e órgãos.
    • CLtotal é a soma de todas as depurações relevantes.
    • CLtotal = CLhepática + CLrenal + CLpulmonar + CLoutras

Depuração renal

Geral:

  • Medida pela taxa de filtração glomerular (TFG)
  • Determinada pela concentração plasmática do fármaco e se ele sofre secreção ativa ou reabsorção no rim
  • Os fármacos não se conseguem difundir passivamente do sangue através da membrana glomerular se:
    • Estão ligados a proteínas
    • Têm um peso molecular > 60.000 daltons
  • Alguns fármacos são secretados ativamente do sangue para os túbulos proximais.
  • Muitos fármacos são reabsorvidos passivamente de volta ao sangue nos túbulos distais.

Cálculo da depuração renal:

  • A TFG pode ser calculada:
    • As equações da TFG oferecem orientação sobre a dosagem de fármacos eliminados pelos rins.
    • Mede a depuração urinária de um marcador de filtração endógeno
  • A creatinina sérica é o marcador de filtração endógeno mais utilizado.
    • A depuração de creatinina é usada para aproximar a TFG e medir a função renal.
    • A depuração de creatinina é o volume de plasma depurado de creatinina por unidade de tempo.
    • A creatinina é um subproduto da degradação muscular normal e de alimentos ricos em proteínas.
    • Os níveis de creatinina sérica variam de acordo com a idade, o peso, o sexo e a massa muscular.
  • Equações de depuração renal baseadas na creatinina:
    • Cockcroft-Gault: usa 3 variáveis (idade, creatinina sérica, peso)
    • Modification of diet in renal disease (MDRD): usa 4 variáveis (idade, raça, creatinina sérica, sexo)
    • Chronic kidney disease-epidemiology (CKD-EPI): utiliza idade, raça, creatinina sérica, sexo
    • As equações podem sobrestimar a TFG porque a creatinina sofre secreção tubular.
  • Quando não usar equações de depuração renal baseadas em creatinina:
    • Concentrações instáveis de creatinina
    • Extremos de massa muscular (fisiculturistas) ou de dieta (anorexia)
    • Em indivíduos paraplégicos ou imóveis
    • Doenças com perda muscular (por exemplo, distrofia muscular de Duchenne)
    • Dieta vegetariana ou pobre em carne
    • Suplementos dietéticos de creatina
    • Extremos de idade
  • Equações de depuração renal baseadas em cistatina C:
    • Marcador de filtração renal endógeno mais preciso que a creatinina
    • A cistatina C é um inibidor de protease produzido por todas as células nucleadas.
    • Sofre filtração, mas não secreção ou reabsorção
    • A equação CKD-EPI da cistatina C é usada para medir a depuração renal em pacientes com baixa massa muscular.

Porque um fármaco precisa estar na forma não ionizada para ser absorvido?

A creatinina é o marcador de filtração renal primário usado clinicamente para aproximar a taxa de filtração glomerular (TFG):
A creatinina é filtrada livremente e não é reabsorvida. No entanto, a creatinina também é secretada pelos capilares peritubulares, causando uma sobrestimação de cerca de 10% da TFG.

Imagem por Lecturio.

Excreção biliar

  • Alguns fármacos são amplamente excretados na bílis.
  • Estes fármacos sofrem transporte ativo contra um gradiente de concentração.
  • Os fármacos têm maior propensão a ser excretados na bílis se:
    • Possuem alto peso molecular
    • Contêm grupos polares e lipofílicos
  • A conjugação com ácido glucurónico facilita a excreção biliar.
  • O ciclo entero-hepático limita a excreção biliar de fármacos.

Cinética de eliminação

  • Semi-vida (T1/2): tempo (em minutos ou horas) necessário para que a concentração plasmática de um fármaco diminua em 50% após a conclusão da absorção e distribuição do fármaco:
    • Por outras palavras, a quantidade de tempo necessária para eliminar metade do fármaco
    • Normalmente, são necessárias 5 semi-vidas para eliminar completamente um fármaco
    • Curso estável:concentração do fármaco absorvido é igual à concentração do fármaco eliminado
  • Cinética de 1ª ordem:
    • Uma percentagem ou fração constante do fármaco é eliminada por unidade de tempo.
    • A eliminação é diretamente proporcional à concentração do fármaco.
    • Também conhecida como cinética linear ou não saturável
  • Cinética de ordem zero:
    • É eliminada uma quantidade constante de fármaco por unidade de tempo
    • A eliminação é independente da concentração do fármaco
    • Também conhecida como cinética saturável, não linear ou independente de concentração

Tabela: Exemplo de um fármaco que sofre cinética de eliminação de ordem zero

HorasQuantidade de fármco (mg/L) restante no corpo% de fármaco eliminadaQuantidade de fármaco (mg/L) eliminada
0 1
1 0,85 15 0,15
2 0,70 18 0,15
3 0,55 21 0,15
4 0,40 27 0,15
5 0,25 38 0,15

Observe que a cada hora é eliminada uma quantidade igual de fármaco, 0,15 mg/L. Embora não mostrado na tabela, em 6 horas haveria uma quantidade de 0,10 mg/L (60%) restante no corpo, que é inferior a 0,15 mg, portanto, após 6 horas, apenas é eliminada a quantidade restante de ≤ 0,10 mg.
Porque um fármaco precisa estar na forma não ionizada para ser absorvido?

Representação gráfica da semi-vida de um fármaco:
Neste exemplo, a semi-vida é de 10 horas. Cmax = concentração máxima do fármaco na corrente sanguínea, Tmax = tempo em que a concentração do fármaco no sangue é máxima. T1/2 = semi-vida, o tempo que demora para o nível do fármaco ir de Cmax a ½ de Cmax .

Imagem : “The example graph medicational half life time” por Tokino. Licença: Domínio Público
Porque um fármaco precisa estar na forma não ionizada para ser absorvido?

Representação gráfica do fármaco na tabela acima que sofre cinética de eliminação de ordem zero:
O eixo x é a unidade de tempo em horas e o eixo y é a quantidade de fármaco, em miligramas, que permanece no organismo (ou concentração plasmática do fármaco). No tempo zero, há 1,0 mg de fármaco presente e é eliminada uma quantidade igual de fármaco a cada hora – neste exemplo, 0,15 mg.

Imagem por Lecturio.
Porque um fármaco precisa estar na forma não ionizada para ser absorvido?

Exemplo de representação gráfica de um fármaco que sofre cinética de eliminação de 1ª ordem:
O eixo x é a unidade de tempo em horas e o eixo y é a quantidade de fármaco, em miligramas, que permanece no organismo (ou concentração plasmática de fármaco). No tempo zero, há 1,0 mg de fármaco presente, e então a cada hora é eliminada uma percentagem/proporção igual do fármaco (neste exemplo, 50%).

Imagem por Lecturio.

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Referências

  1. Benet, L.Z., Zia-Amirhosseini, P. (1995). Basic principles of pharmacokinetics. Toxicol Pathol 23:115–123. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/7569664/
  2. Currie GM. (2018). Pharmacology, Part 1: Introduction to pharmacology and pharmacodynamics. J Nucl Med Technol 46:81–86. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/29599397/
  3. Dilger JP. (2006). From individual to population: the minimum alveolar concentration curve. Curr Opin Anaesthesiol 19:390–396. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/16829720/
  4. Farinde A. (2021). Overview of pharmacodynamics. Merck Manual Professional Edition. Retrieved July 24, 2021, from https://www.merckmanuals.com/professional/clinical-pharmacology/pharmacodynamics/overview-of-pharmacodynamics
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  7. Shahbaz H, Gupta M. (2020). Creatinine clearance. In: StatPearls. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing. Retrieved July 25, 2021, from https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/31334948/

Como o estado de ionização dos fármacos pode interferir na absorção?

A ionização afeta não apenas a velocidade com a qual os fármacos atravessam as membranas, mas também a distribuição de equilíbrio das moléculas dos fármacos entre compartimentos aquosos, se houver diferença de pH entre eles.

O que é um fármaco ionizado?

Os fármacos em geral são ácidos ou bases fracas e, quando em contato com uma solução, existem nas formas ionizada e não-ionizada. Dependendo do pH dessa solução e do pKa do fármaco ele terá maior ou menor ionização e isso vai influenciar na travessia pelas membranas biológicas.

Quais características um fármaco precisa ter para que ele possa ser absorvido?

Peso molecular: quanto menores forem as moléculas das substâncias que compõem o medicamento, mais rápida será a absorção. Concentração: referente à dosagem do princípio ativo. Área de superfície de absorção: quanto maior a área na qual o medicamento será colocado em contato, maior será a absorção.

O que ocorre se um fármaco estiver na sua forma ionizada no momento da excreção?

Neste processo, os fármacos poderão sofrer reações, que irão resultar em: Ativação de sua estrutura, caso tenha sido administrado em sua forma inativa (pró-fármaco); Inativação para ser excretado; Formação de metabólitos ativos, com mesma atividade ou superior, que caem na circulação sistêmica para exercerem sua ação.