Qual o entendimento do STJ no que diz respeito a responsabilidade penal ambiental das pessoas jurídicas?

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

As sociedades evoluem ao longo dos tempos, a partir da apresentação de novas situações e da mudança na forma de pensar do ser humano. Isto gera a necessidade de adequação do ordenamento jurídico à realidade vivida em cada período. O Brasil, assim como outros países do mundo, tem adotado medidas mais severas para a proteção do meio ambiente, instituiu medidas punitivas com o intuito não apenas de punição, mas também como uma forma de prevenção e de reparação dos danos causados pelos crimes ambientais.

A Constituição Federal de 1988 trouxe proteção ao meio ambiente que até então não existia, estabelecendo que pessoas físicas e jurídicas estão sujeitas a sanções penais e administrativas, além da obrigação de reparar os danos causados ao meio ambiente. Mais além, em 1998 foi editada a lei nº 9.605, que instituiu a possibilidade de responsabilização nas esferas criminal, cível e administrativa.

O escopo do presente trabalho é demonstrar o entendimento dos tribunais superiores, no que tange a responsabilidade penal da pessoa jurídica nos crimes ambientais. Inicialmente será abordado o entendimento sobre a possibilidade ou não da responsabilização penal da pessoa jurídica. Em um segundo momento se demonstrará a aplicação da teoria da dupla imputação pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). E por fim, será analisada a (im)possibilidade da desconsideração da personalidade jurídica da pessoa jurídica em decorrência do cometimento de crimes ambientais.

ENTENDIMENTO DOS TRIBUNAIS SUPERIORES QUANTO A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA NOS CRIMES AMBIENTAIS

A Constituição Federal Brasileira de 1988 trouxe uma proteção especial ao meio ambiente no ordenamento jurídico brasileiro, em seu art. 225, §3º, que dispõe: “As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.

Mais adiante, em 1998, com intuito de se garantir um meio ambiente ecologicamente equilibrado, foi criada a lei nº 9.605, que em seu art. 3º, instituiu a possibilidade de responsabilização civil, criminal e administrativa da pessoa jurídica que comete infrações a partir de “decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade”. (OLIVEIRA, 2017)

Com a edição da lei de 1998 surgiram muitos questionamentos a respeito da possibilidade ou não de responsabilização penal da pessoa jurídica. Fabiano Melo Gonçalves de Oliveira (2017, p. 496), menciona três posicionamentos referentes à responsabilidade penal das pessoas jurídicas:

1º) o art. 225, § 3º, da CF não prevê responsabilidade penal da pessoa jurídica, pois apenas dispõe que as condutas praticadas pelas pessoas físicas ensejam responsabilidade penal e as atividades exercidas pelas pessoas jurídicas, responsabilidade administrativa, sem prejuízo da responsabilidade civil de reparar o dano;

2º) a pessoa jurídica é uma ficção, uma abstração legal (teoria da ficção de Savigny e Feuerbach) e por isso não pode cometer crimes (“societas delinquere non potest”). Sendo uma ficção, é desprovida de vontade e de consciência, logo não age com dolo ou culpa (não pratica conduta criminosa dolosa ou culposa) nem tem culpabilidade (porque não tem imputabilidade que é a capacidade mental de entender, nem potencial consciência da ilicitude que é a possibilidade de saber que a conduta praticada é proibida). E, se não tem o pressuposto da culpabilidade, não pode sofrer pena;

3º) a pessoa jurídica é um ente real (teoria da realidade ou da personalidade real de Otto Gierke) com vontade e existência próprias. Assim sendo, praticam condutas socialmente reconhecíveis e atuam com culpabilidade social (expressão utilizada pelo STJ), logo podem sofrer penas compatíveis com a sua natureza (restritivas de direitos e multa).

Esta temática ficou superada de forma pacífica, no entendimento de que é possível sim a responsabilização da pessoa jurídica, mas com condicionantes, ou seja, esta deveria se beneficiar direta ou indiretamente pela conduta praticada pelo representante contratual ou legal, ou ainda pelo seu órgão colegiado. (GRANCO, 2020)

O entendimento a partir da criação da lei nº 9.605 de 1998, aplicado pelo Superior Tribunal de Justiça era o da dupla imputação, ou seja, a responsabilização penal da pessoa jurídica não poderia ser dissociada da pessoa física. A não indicação da pessoa física era considerada falta de pressuposto para o desenvolvimento correto do processo criminal. (AMADO, 2017, p.331)

Este entendimento foi alterado pelo Supremo Tribunal Federal em 2013, a partir do julgamento do Recurso Extraordinário nº 548.181 em que foi Relatora a Ministra Rosa Weber:

[...] Condicionar a aplicação do art. 225, §3º, da Carta Política a uma concreta imputação também a pessoa física implica indevida restrição da norma constitucional, expressa a intenção do constituinte originário não apenas de ampliar o alcance das sanções penais, mas também de evitar a impunidade pelos crimes ambientais frente às imensas dificuldades de individualização dos responsáveis internamente às corporações, além de reforçar a tutela do bem jurídico ambiental. [...]

Desta forma, para que houvesse uma maior efetividade na responsabilização e consequente reparação de danos ambientais, o STF decidiu que é possível a punição de pessoas jurídicas, ainda que sem a imputação em conjunto com uma pessoa física, pois em alguns casos é muito difícil a identificação dos indivíduos responsáveis.

Outra justificativa dada para que fosse possível a responsabilização exclusiva da pessoa jurídica, é o fato de que em alguns casos o ilícito ocorre a partir da ação ou omissão de mais pessoas, que em condutas individualizadas torna inviável a imputação da responsabilização penal individual, ou ainda, quando uma decisão é tomada a partir de votos secretos, onde não é possível individualizar a conduta de cada agente que causou o ato criminoso ambiental. (GRANCO, 2020)

A partir da decisão do STF, o STJ passou a entender pela possibilidade de responsabilização da pessoa jurídica pelo cometimento de crimes ambientais, ainda que não responsabilizado concomitante a uma pessoa física que agia em seu nome. Conforme RMS 56073/ES do STJ, em que foi relator o Ministro Ribeiro Dantas, e que aponta ainda quais são os requisitos para a denúncia da pessoa jurídica no cometimento de crimes ambientais:

3. É certa, ainda, a possibilidade de trancamento da persecução penal nos casos em que a denúncia for inepta,  não  atendendo o que dispõe o art. 41 do Código de Processo Penal, o que não impede a propositura de nova ação desde que suprida a irregularidade. Precedentes. 4. Para o oferecimento da denúncia, exige-se apenas a descrição da conduta delitiva e a existência de elementos probatórios mínimos que corroborem a acusação. Provas conclusivas acerca da materialidade e da autoria do crime são necessárias apenas para a formação de um eventual juízo condenatório.

Destarte, como se verifica, o STJ deixou de estabelecer como requisito o apontamento de concomitância de uma pessoa física com a pessoa jurídica. A partir deste entendimento, as decisões passaram a ter uma maior efetividade, não tão somente na punição, mas no objetivo principal que é a reparação do dano.

Quanto aos requisitos necessários para a responsabilização da pessoa jurídica, Carlete e Clipes (2018, p.10), trazem quatro: A infração deve ser cometida em benefício ou interesse da pessoa jurídica; a atuação deve ocorrer na esfera das atividades da pessoa jurídica; o autor material da infração ser vinculado ao ente coletivo; e a prática do delito tenha tido auxílio do grupamento. Ainda, deve haver a tipicidade da conduta, a existência de indícios de autoria e materialidade por parte da pessoa jurídica.

O art. 4º da Lei nº 9.605/1998 prevê a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica quando se fizer necessário para o ressarcimento de danos causados ao meio ambiente na esfera cível e administrativa. A doutrina majoritária possui entendimento que não é possível à desconsideração da personalidade jurídica no âmbito dos crimes ambientais pela aplicação do instituto da intranscendência da pena disposta no art. 5º, XLV, da CF/1988, de modo que a pena de multa ou restritiva de direitos não pode ser transferida à pessoa física. (OLIVEIRA, 2017)

Em que pese à desconsideração da personalidade jurídica nos crimes ambientais, o autor Édis Milaré, entende pela possibilidade da desconsideração, para que não haja uma escusa da pessoa física em detrimento da pessoa jurídica no cometimento de crimes ambientais. (OLIVEIRA, 2017)

No sentido do posicionamento de Milaré, a segunda turma do STJ decidiu no REsp 1339046/SC em que foi relator o Ministro Herman Benjamin, julgado em 05/03/2013, pela desconsideração da personalidade jurídica, como se verifica em trecho da decisão colacionado:

[...] basta tão somente que a personalidade da pessoa jurídica seja "obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente", dispensado, por força do princípio da reparação in integrum e do princípio poluidor-pagador, o requisito do "abuso", caracterizado tanto pelo "desvio de finalidade", como pela "confusão patrimonial", ambos próprios do regime comum do art. 50 do Código Civil (= lei geral). [...]

Assim sendo, quando possível localizar a pessoa física que se utilizando da pessoa jurídica comete crimes ambientais, esta pode ser responsabilizada com seu patrimônio a partir da desconsideração da personalidade jurídica criminal, para que haja uma abrangência maior na reparação do dano ambiental sofrido.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante de todos os fatos mencionados, verificou-se que a possibilidade de responsabilização da pessoa jurídica é um assunto pacificado no ordenamento jurídico brasileiro, inicialmente com condicionante, onde esta deveria se beneficiar direta ou indiretamente pela conduta praticada pelo representante contratual ou legal, ou ainda de seu órgão colegiado.

Atualmente, a partir do julgamento pelo STF do Recurso Extraordinário nº 548.181 em 2013 e posteriormente confirmado em julgados do STJ, é possível a responsabilização penal da pessoa jurídica independente da concomitância com uma pessoa física, o que é mais favorável ao meio ambiente por conseguir imputar a conduta criminosa com um requisito a menos, que anteriormente era difícil de preencher, seja pelo fracionamento das condutas que impediam a punibilidade das pessoas físicas ou pela não identificação dos autores do crime.

Foi possível identificar também, os requisitos necessários para o oferecimento da denúncia da pessoa jurídica que comete crime ambiental, quais sejam a descrição da conduta delitiva e a existência de elementos mínimos de provas que corroborem a acusação. E que não existe a necessidade de provas conclusivas acerca da autoria e da materialidade do crime, sendo necessárias apenas para a formação de um eventual juízo condenatório.

Por fim, visualizou-se que os Tribunais Superiores já vêm entendendo pela desconsideração da personalidade jurídica da pessoa jurídica responsabilizada criminalmente, e que isso não afronta o princípio da intranscendência das penas previsto na CF/1988.

REFERÊNCIAS

AMADO, Frederico. Direito Ambiental. 5. ed. Bahia: Juspodivm, 2017. 385 p. Disponível em: <file:///C:/Users/Jo%C3%A3oPaulo/Downloads/Direito%20Ambiental%20by%20Frederico%20Amado%20(z-lib.org).pdf.> Acesso em: 18 abr. de 2020.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, 05 de outubro 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constit uicao/constituicao.htm>. Acesso em 17 de abr. de 2020.

BRASIL. Lei Complementar nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9605.htm>. Acesso em 18 de abr. de 2018.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RMS 56073/ES. Relator: Ministro Ribeiro Dantas. Brasília, DF, 03 de outubro de 2018. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=201703217470&dt_publicacao=03/10/2018>. Acesso em: 18 abr. de 2020.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1339046/SC. Relator: Ministro Herman Benjamin. Brasília, DF, 07 de novembro de 2016. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=201201723708&dt_publicacao=07/11/2016>. Acesso em: 18 abr. de 2020.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE nº 548.181. Relatora: Ministra Rosa Weber. Brasília, DF, 06 de agosto de 2013. Disponível em: <http://stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28RE%24%2ESCLA%2E+E+548181%2ENUME%2E%29+OU+%28RE%2EACMS%2E+ADJ2+548181%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/bnfsph8> Acesso em: 18 abr. de 2020.

CARLETE, João André Cola1. CLIPES, Marcela. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica no Dano Ambiental. 2018. Disponível em <https://multivix.edu.br/wp-content/uploads/2019/11/responsabilidade-penal-da-pessoa-juridica-no-dano-ambiental.pdf>. Acesso em: 18 abr. de 2020.

GRANCO, Cindy. A dupla imputação nos crimes ambientais. 2020. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/79248/a-dupla-imputacao-nos-crimes-ambientais>. Acesso em: 17 abr. de 2020.

OLIVEIRA, Fabiano Melo Gonçalves de. Direito Ambiental. 2. ed. São Paulo: Método, 2017. Disponível em: <file:///C:/Users/Jo%C3%A3oPaulo/Downloads/Direito%20ambienta l%20by%20Fabiano%20Melo%20Gon%C3%A7alves%20de%20Oliveira%20(z-lib.org).pdf.>  Acesso em: 18 abr. de 2020.

Qual o entendimento do STJ no que diz respeito a responsabilidade penal ambiental das pessoas jurídicas?

Consoante entendimento do Superior Tribunal de Justiça, "Admite-se a responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais desde que haja a imputação simultânea do ente moral e da pessoa física que atua em seu nome ou em seu benefício, uma vez que não se pode compreender a responsabilização do ente moral ...

O que se entende por responsabilidade penal da pessoa jurídica em direito ambiental?

A responsabilidade penal da pessoa jurídica de direito privado nos crimes ambientais. A Constituição Federal é clara quanto à responsabilidade da pessoa jurídica ou da pessoa física quando qualquer delas provoca danos ambientais sendo responsabilizada tanto civil, administrativa e penalmente.

É possível a responsabilização penal da pessoa jurídica em matéria ambiental?

É possível a responsabilização criminal de pessoas jurídicas por delitos ambientais, desde que haja a imputação concomitante da pessoa física que seja responsável juridicamente, gerencie, atue no nome da pessoa jurídica ou em seu benefício”.

Qual o entendimento da jurisprudência acerca da responsabilização penal da pessoa jurídica?

Por maioria de votos, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal reconheceu a possibilidade de se processar penalmente uma pessoa jurídica, mesmo não havendo ação penal em curso contra pessoa física com relação ao crime.