A cor da farda indifere quando lutamos mesmo objetivo

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  1. Plataforma 9 ¾
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  3. #URBANIDADES: PASSARELAS

#URBANIDADES: PASSARELAS


De proteção e exigência sanitária tornou-se artigo de moda e luxo. Lançada no fim do verão, início do outono (até podemos chamar de nova tendência outono-inverno 2020), as máscaras vieram para ficar. Claro que a moda não estava antenada no movimento da OMS. Nem imaginava que um dia iria se tratar disso. No entanto, parece que os homens e mulheres necessitam de um motivo a mais para usar algo que faça sentido e os façam sentir bem.

Imagina só, usar uma máscara que esteja destoando com todo o resto do meu look? Isso é inadmissível! Não posso permitir que eu use uma máscara branca, lisa que nada tem a ver com meu vestido florido, minha bolsa da Gucci e meus sapatos. E os meus brincos? Como que eles ficarão com isso? Não! Não podemos! Precisos inventar uma nova moda que dê sentido e valorize a beleza humana. Mulheres e homens a partir de então serão inseridos num novo desfile de moda. Agora o SPFW não é mais uma data e um evento fechado e isolado. O desfile de moda agora é onde você está. Ao ar livre, pessoas indo e vindo, revelando o que tem de novo no uso de máscaras.

Para quem está indo para o trabalho, enfrentando o corte orçamental da empresa usa uma máscara mais discreta, sem muitos apliques. Algo profissional que esteja em harmonia com a cor do blaiser ou, que tenha uma cor que se identifique com o uniforme. Para o supermercado temos máscaras mais coloridas, descontraídas, algumas que até nos fazem rir. Se você está no caixa, a máscara vem com um algo a mais motivando que o cliente compre mais, gaste mais, sinta-se mais à vontade para levar para casa os produtos que quiser. Quem diria que um dia a máscara faria propaganda de promoções não é mesmo?

Entre essa passarela do dia a dia, desfiles e mostras, as pessoas sempre buscam um motivo a mais que dê real sentido para o que fazem e o que usam. Não nos esqueçamos que o movimento inicial do uso obrigatório de máscaras se devia à proteção e salvaguarda da própria vida e a do próximo. No entanto, parece que cuidar da vida e preservar a boa saúde não é um motivo suficiente, isso não é moda, não nos faz sentir bem. Não queremos cuidar da saúde sem que algo externo provoque no outro uma satisfação prazerosa consumista. Ou seja, se a máscara ficou bonita em mim, posso induzir o outro a comprar também, e, assim, não é só a saúde que se preserva, mas meu bolso também. É mais dinheiro na caixinha.

O importante é estar bem visto e bem vestido na passarela. Não quero passar despercebido na calçada. É onde minha moda tem que fazer a diferença. Entre os desfiles, vemos sorrisos sendo esboçados com as cicatrizes do Coringa, com a estridente boca de Arlequina, com o sombrio sorriso do Gato de Alice, com a língua ícone da banda Rolling Stones. Vermelha, intensa, provocante, assim como são suas músicas. O marketing faz o produto e incentiva o consumo. Estamos nos cuidando, usando máscaras, mas por que não podemos mudar um pouquinho o foco? Vendemos mais, movimentamos capital enquanto conscientizamos o povo, não é assim?

Mudar o foco. Precisamos trazer para a passarela a moda atual. O que chama a atenção. As mais deslumbrantes máscaras, com apliques, algumas até estão vindo com pedras de rubi pregadas nelas. Olha só que perfeição! Olha só que ousadia. Isso é incrível, o povo é muito criativo, consegue se reinventar facilmente. Consegue olhar para a realidade e produzir exatamente aquilo que ela deseja comprar naquele exato momento. Então, vamos mudar o foco: não queremos ver os vitoriosos da doença, aqueles que venceram o vírus e retornaram às suas casas. Não! Queremos continuar vendo os desprotegidos, porque são eles que irão comprar meu produto. No desespero compram no cartão de crédito que está quase estourado. Não sabe quando irá pagar, só quer possuir aquela máscara maravilhosa que viu na passarela, no rosto de uma modelo comum voltando do trabalho.

Nessa passarela, o desfile primeiro deve ser o de tantas pessoas que se machucam, profissionais que se doam, as vezes doam até o último suspiro de vida para salvar o próximo. A doença pela qual lutamos hoje não é contra um vírus pandêmico. Ele veio só pra revelar a doença que carregamos já há muito tempo. A indiferença, descuido, desprezo pela saúde. E, quando surge um uso obrigatório de um utensílio, tentamos no máximo fazer com que ele se torne mais agradável, colocamos nele um objetivo e sentido maior e mais importante que o cuidado da própria saúde. Ou seja, eu posso morrer, contanto que minha máscara faça sucesso por onde eu passar.  

Por Dione Afonso, jornalismo PUC-Minas

Foto: Heróis de máscara / Foto de @Syaibatul Hamdi /  via Pixabay.

16/07/2020