Como o governo de Portugal controlou a cobrança de impostos sobre a extração de diamantes?

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POLÍTICA DOS DIAMANTES EM ANGOLA DURANTE A PRIMEIRA ERA COLONIAL: AS RELAÇÕES ENTRE O ESTADO E A DIAMANG, 1917-1961

Mathias Alencastro

Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, Brasil

Afro-Ásia, núm. 57, pp. 81-102, 2018
Universidade Federal da Bahia

Recepción: 9 Julio 2017

Aprobación: 26 Noviembre 2017

Este artigo tem como objetivo analisar o estabelecimento da indústria diamantífera na colônia de Angola, de modo a sublinhar o seu complexo e simbiótico relacionamento com os poderes coloniais e metropolitanos.

O período estudado começa na criação da empresa Diamantes de Angola (Diamang) em 1917 e termina no desencadeamento da guerra de libertação em 1961. Com o advento da indústria diamantífera, o Estado português atribuiu poderes à Diamang para realizar a prospecção de minas de diamantes na região da Lunda. Durante todo o período estudado, os governantes portugueses continuaram atribuindo funções à empresa, que veio a ser conhecida como um “estado dentro do estado” no leste da colônia de Angola. Nesse processo, a Diamang se tornou uma das principais fontes de recursos financeiros para o governo colonial e metropolitano, e a indústria diamantífera se revelou um parceiro indispensável para a expansão e a consolidação do poder da administração portuguesa no interior da colônia.

Recorrendo a um número considerável de arquivos não utilizados anteriormente, este artigo destaca o papel da Diamang na formação do Estado em Angola. Ao longo do período analisado, a Diamang foi adaptando o seu modelo de governança às realidades e ideias do Estado colonial. O decorrente governo privado indireto que se estabeleceu numa parte considerável do território se revelou rentável para Luanda, e poderoso na Lunda.

O artigo examina, em primeiro lugar, as razões pelas quais o Estado colonial português conferiu à Diamang um grande número de funções semelhantes às de um estado e, a seguir, a forma como a Diamang alterou a natureza da construção do Estado no leste da colônia. A segunda parte discute como a Diamang se aliou e desenvolveu interesses comuns com os representantes do Estado colonial na capital e nas províncias. A conclusão mostra como, para todos os efeitos, a Diamang se tornou, durante esse período, a principal responsável pela expansão do Estado na colônia de Angola.

A chegada das companhias extrativistas

Os próximos parágrafos analisam a dinâmica do investimento externo na colônia de Angola, oferecem perspectivas sobre o contexto no qual o setor dos diamantes emergiu na Lunda, mostrando a razão pela qual a Diamang foi assumindo funções do Estado.

O estabelecimento das empresas extrativistas na colônia de Angola demorou mais tempo do que em outras colônias europeias da África Central, em vista da resistência da elite colonial portuguesa. A ideia de abrir a colônia para o capital internacional mediante a introdução de companhias extrativistas apelava apenas a uma pequena parte da elite metropolitana de Lisboa, que defendia essas empresas como um meio para atingir a ocupação efetiva e responder à pressão internacional para a expansão do projeto colonial.

Os governantes coloniais, no entanto, viam como uma ameaça o desenvolvimento do território e dificultavam os trabalhos dos investidores internacionais. Houve alguns casos emblemáticos: a Companhia de Mossâmedes, formada em 1894, teve rejeitado, pelas autoridades coloniais, o seu pedido de obtenção de direitos semelhantes aos de outras companhias extrativistas na África colonial, tais como o direito de cobrar impostos, policiar o território e desenvolver atividades agrícolas.1 Na virada do século, em 1902, a Companhia de Benguela, criada para construir a linha de ferro entre a costa atlântica e os centros de mineração no leste da colônia, foi cancelada em decorrência de intermináveis disputas entre os investidores e os administradores coloniais que se arrastaram por mais de uma década.2

Em 1899, a administração colonial indicou uma comissão de agentes para buscar investidores para uma empresa na Lunda, a Companhia da Lunda, sob o argumento de que a “segurança e paz” da região estariam em risco. A companhia, que iria assumir o controle das plantações de borracha, teria como objetivo competir no próspero mercado da borracha no Congo Belga, porém, a administração colonial se mostrou relutante em negociar com os investidores estrangeiros. Em vez de um acordo no modelo do Estado Livre do Congo, envolvendo exclusividade comercial e taxas de juros baixas para as companhias, a comissão preferiu lançar um “crédito popular” — com contribuições exclusivas de investidores portugueses. Essa iniciativa não prosperou, a Companhia da Lunda nunca foi lançada, e a administração colonial dissolveu a comissão em 1902.3

Entretanto, aqueles que tinham meios políticos e financeiros dentro da colônia se mostravam incapazes ou desinteressados em reverter o marasmo imposto pelas autoridades coloniais. A elite crioula afro-portuguesa se encontrava numa situação desesperadora do ponto de vista econômico desde a abolição do tráfico de escravos; os planos originais para fomentar uma comunidade de colonos ainda não tinham se materializado; e outros grupos de emigrantes brancos — britânicos, missionários batistas americanos e bôeres das regiões altas da Huíla — se distinguiam pela sua indiferença e até mesmo pela sua hostilidade em relação à política colonial.4

Em consequência da relutância do Estado colonial em aceitar investimento estrangeiro, adicionada à sua fraca estrutura burocrática, procedeu-se à ocupação do interior da colônia de Angola de forma incerta e errática.5

Embora as primeiras expedições para a Lunda tenham começado em 1884, elas fracassaram em estabelecer uma presença portuguesa constante por quase três décadas. A complexidade e o dinamismo da região também contribuíram para as dificuldades portuguesas. A intervenção de outras potências europeias depois da Conferência de Berlim de 1884 desencadeou uma transição interna na Lunda.6 Buscando expandir o seu território, a sua base de recursos naturais e a sua força de mão de obra, o Estado Livre do Congo liderou uma série de incursões na região.7 Ao mesmo tempo, os cokwe começaram a explorar o comércio com os belgas para adquirir armas e consolidar a sua autoridade na Lunda, desafiando militarmente o exército colonial português.8 Em 1912, quando a empresa belga Forminière confirmou a existência de recursos minerais na região, os cokwe continuavam superiores às forças coloniais portuguesas no leste da Lunda.9

A reviravolta estava para breve. O advento da Primeira República (1910-1926) representou um ponto de virada nas relações entre a colônia de Angola e os investidores internacionais.10

Os republicanos portugueses acreditavam na exploração sistemática das colônias. Nos seus dois primeiros mandatos como líder da colônia de Angola, inicialmente, como governador-geral (1912-1915) e, depois, como alto comissário (1921-1923), Norton de Matos, antigo chefe de gabinete do Exército com uma longa carreira na administração colonial, liderou a descentralização administrativa, o investimento econômico e a ocupação militar.11

Foi nesse contexto que o ministro das colônias, Arthur R. de Almeida Ribeiro, em um primeiro esforço de Portugal para implantar a exploração moderna de recursos naturais, lançou, por um decreto datado de 11 de setembro de 1912, a empresa Pesquisa de Explorações Mineiras de Angola (PEMA) para explorar diamantes e outros minérios na colônia de Angola.12 Com pouco capital e um punhado de acionistas, a PEMA obteve direitos precários para a exploração de recursos naturais, limitados no tempo e revogáveis unilateralmente pelo Estado colonial.13 A frágil organização da companhia ficava patente durante as suas operações no terreno. Relatos do Exército português que escoltava a PEMA na Lunda davam todo sentido ao conceito de “vulnerabilidade” que Ricardo Roque utiliza para descrever as dificuldades das forças portuguesas na ocupação efetiva da colônia de Angola.14

Apesar desses obstáculos, a PEMA descobriu a primeira mina de diamantes potencialmente explorável em 1916. No ano seguinte, a empresa transferiu seus direitos de exploração de diamantes, assim como seus veículos, equipamentos e trabalhadores, para a Diamang. Esta última assinou com o governo colonial um contrato para a exploração de diamantes que se estendeu a toda a Lunda em 1921. Nesse mesmo ano, o sindicato dos diamantes entrou na estrutura da Diamang, trazendo o seu poder financeiro e o seu conhecimento técnico para a companhia.

Esse processo deflagrou a chegada de uma série de investimentos, em particular de empresas que estavam envolvidas na extração de minerais no Congo Belga: a Société Générale de Belgique (SGB), a Mutualité Coloniale, a Banque de l’Union Parisienne, a Anglo American Corporation, a Morgan Bank, o grupo Oppenheimer, e o grupo Ryan e Guggenheim.15 Em poucos anos, cerca de 80% das ações da Diamang foram transferidas para entidades sul-africanas, francesas, belgas, americanas e britânicas, enquanto os portugueses retiveram apenas 20%. Como resultado disso, o capital da Diamang disparou de 90,000 escudos para 9 milhões de escudos em menos de uma década.16

A ausência de infraestrutura administrativa e de transportes no interior da colônia obrigava a Diamang a se apoiar na mais bem organizada e estruturada indústria de mineração do Congo Belga para assegurar o transporte das pedras para a costa atlântica. Uma pequena linha férrea foi construída entre o Dundo, sede da Diamang, Charlesville e o centro comercial de Matadi no Congo Belga. Desprovida de meios materiais e humanos na colônia de Angola, a Diamang subcontratou empresários, engenheiros e um exército privado da empresa belga Forminière para apoiar suas atividades.17 A Forminière teve um papel instrumental na repressão dos cokwe durante os anos 1920. Os portugueses se viram marginalizados nesse novo sistema, o que provocou os primeiros conflitos entro o Estado metropolitano e a companhia de mineração.

Com o tempo, os portugueses começaram a ver a empresa como uma “extensão” ou um “apêndice” da indústria belga, e passaram a se preocupar com a ocupação informal do distrito pelos belgas.18 Por exemplo, o banco de investimento SGB se tornou o maior investidor estrangeiro em Angola, em setores que iam do banco à infraestrutura. Os investidores financeiros belgas também estavam muito envolvidos no setor do petróleo: o grupo belga Petrofina começou a sua atividade em 1926 com a criação de uma empresa de distribuição, a Companhia de Combustíveis do Lobito-Purfina (Carbonang), para providenciar energia para as regiões ricas e os minérios de Saba e do Zaire no Congo Belga. A onipresença dos interesses belgas criou tanto desconforto, que os intermediários portugueses optaram por ocultar as participações dos investidores belgas, inclusive na indústria de mineração.19 Com poucos meios financeiros e técnicos para influenciar as decisões da Diamang no terreno, o Estado colonial português tentou reforçar o seu controle da companhia mediante a legislação colonial. Elaborada entre 1921 e 1928, e revista diversas vezes nos anos 1930, o enquadramento legal definiu os limites das operações da Diamang na colônia de Angola.

O primeiro pilar do novo marco legal era o código de trabalho. Norton de Matos autorizou a companhia a usar o xibalo, a legislação portuguesa introduzida em 1907 para regular o trabalho dos africanos nas colônias. Em seguida, ele aboliu a proibição contra a tributação dos africanos, permitindo à Diamang instituir a cubata, uma taxa obrigatória para africanos introduzida em 1919.20 Matos também obrigou os chefes de posto das regiões vizinhas e os sipaios (policias africanos) a trabalhar exclusivamente para a companhia. Assim, a Diamang foi colocada em um regime de trabalho totalmente diferente do estatuto do indigenato — o regime legal que definia os direitos da maioria dos africanos, com exceção dos assimilados que viviam em condições iguais às dos portugueses.

O segundo pilar se referia ao direito penal, que o Estado colonial tinha adaptado para atender às necessidades particulares da companhia de diamantes.

Por fim, o terceiro pilar era o direito comercial. O estado colonial atribuiu o monopólio do comércio à Diamang numa área denominada Zona Única de Proteção.21

Em suma, o quadro legal institucionalizou os privilégios penais, laborais e comerciais que vieram a definir a Diamang. Como disse Couto Rosado, um contemporâneo que escreveu extensivamente sobre a Diamang: “nunca no Império uma empresa teve tantas vantagens”.22

Seria enganoso, no entanto, abordar a Diamang como uma novidade do colonialismo português. O proeminente legalista e futuro primeiro ministro Marcelo Caetano, num parecer sobre a situação da companhia publicado nos anos 1960, sublinhou que o princípio de uma “zona exclusiva” existia no direito colonial desde a exploração do ouro e dos diamantes do Império brasileiro, e compara a Diamang a um “domínio da corte”. Novo na colônia de Angola, o quadro legal da Diamang tinha as suas raízes na história do Império.23

A Diamang se destaca como a contribuição mais notável de Norton de Matos para a colônia de Angola. Historiadores concordam que o seu mandato esteve na origem da crise econômica que derrubou a Primeira República: o perigoso ativismo legal e as generosidades fiscais ajudaram a levar a colônia à falência, o que abriu o caminho para uma mudança de regime em Lisboa. Mas, sem a sua breve e caótica tentativa de desenvolver as colônias por meio das empresas extrativistas, é possível que o Estado colonial nunca tivesse criado as condições para a Diamang prosperar e se tornar a principal fonte de renda do Estado colonial.24

A formação do Estado no leste de Angola: o papel da Diamang

Os parágrafos acima mostraram como o Estado colonial, sob a liderança de Norton de Matos, conferiu à Diamang privilégios extensos para fortificar a vulnerável indústria diamantífera. O estabelecimento da Ditadura Nacional em 1926, seguida pelo Estado Novo, no entanto, selou o fim da autonomia da colônia em relação à metrópole.

Lisboa impôs um orçamento apertado e controles financeiros aos administradores coloniais, regulando estritamente a imigração e assegurando que a moeda angolana, o angolar, permanecesse artificialmente sobreavaliada em relação ao escudo metropolitano. A administração colonial de Luanda, desprovida de qualquer capacidade para tomar inciativas locais, deixou a corrupção se espalhar na sua estrutura.25 Os limites draconianos impostos por Lisboa ao Estado colonial levaram, rapidamente, a um desengajamento dos investidores estrangeiros. Na indústria petrolífera, por exemplo, a prospecção de empresas estrangeiras diminuiu ao longo dos anos 1930, e foi virtualmente interrompida por volta da Segunda Guerra Mundial.

Porém, enquanto as autoridades metropolitanas levaram o Estado colonial ao limiar da irrelevância e desencorajaram os investidores estrangeiros, elas tomaram iniciativas que se revelaram decisivas para tornar a Diamang a primeira fonte de renda da colônia. Para tanto, Lisboa transformou a companhia em uma máquina financeira e política que se engajou no desenvolvimento econômico, na administração política, e na “civilização” do leste da colônia, em substituição ao cada vez mais marginalizado Estado colonial.

Na continuidade das medidas adotadas pela Ditadura Nacional, o Estado Novo, sob a liderança do Antônio de Oliveira Salazar, combinou políticas pragmáticas e nacionalistas para consolidar a Diamang e reforçar o seu envolvimento na política colonial.26 Apostando no investimento na rede de transportes para atenuar a dependência da Diamang em relação ao território colonial belga, ela completou uma estrada de 400 milhas ligando Henrique de Carvalho a Luanda em 1929. A companhia se encarregou da sua manutenção, incluindo a administração dos postos de controle situados ao longo da estrada.27 O Estado Novo também manteve a isenção tributária dos lucros, exportações e importações. Em troca, a administração pediu à companhia para adquirir bens da colônia sempre que possível.28 Em 1935, a Diamang comprou a totalidade dos seus bens na colônia, contra meros 20% em meados dos anos 1920.

Em consequência direta dessas medidas, a relevância da companhia para o Estado colonial foi muito além da questão fiscal. Entre 1917 e 1929, os impostos pagos pela empresa para a governo de Angola, em respeito às disposições contratuais, incluindo porções de dividendos de benefícios e empréstimos, ultrapassou 989 milhões de libras. Depois da Segunda Guerra Mundial, a Diamang abriu diversas linhas de crédito com juros baixos para o Estado colonial, que começaram a 2 milhões de libras em 1946 e chegaram a 3 milhões em 1963.29 As contribuições para os cofres do Estado colonial continuaram a aumentar, atingindo 14,5 milhões em 1955.30 Embora as exportações de café ultrapassassem as dos diamantes em 1946, a Diamang permaneceu uma das principais fontes de renda para o Estado Novo até o final do período estudado neste artigo.31 O regime de moeda especial da Diamang, que consistia na obrigação contratual da companhia de pagar ao fundo cambial angolano 25% dos benefícios das exportações e 50% dos lucros — tratava-se da participação da colônia nos rendimentos da companhia — tornaram-se a principal reserva de moeda estrangeira do Estado Novo.32

No mais, o Estado Novo incentivou a “portugalização” da empresa. Em 1937, o Estado estipulou que pelo menos 70% dos empregados não africanos fossem portugueses.33 No final da Segunda Guerra Mundial, a quase totalidade dos empegados não africanos da Diamang era de origem portuguesa. Embora eles tenham assumido inicialmente funções não administrativas e não técnicas em vista da falta de empregados qualificados disponíveis, os portugueses, apoiados pelo Estado colonial, conseguiram chegar a posições de chefia na Diamang — uma reviravolta que causou um impacto profundo na estrutura e na operação da companhia e na sua relação com a Lunda, Luanda, Lisboa e além.

Com efeito, a portugalização moldou a cultura corporativa dentro da Diamang — uma companhia anteriormente dominada por oficiais da belga Forminière recrutados nos anos 1920 — em função dos valores coloniais portugueses. Em particular, a nova administração instituiu a cultura da missão civilizatória nas relações com os trabalhadores africanos. Isso consistia em organizar os trabalhadores e as comunidades em torno dos valores católicos, celebrar valores patriotas e nacionalistas e comemorar datas e personagens históricas do Império português. A sociedade que emergiu dentro da companhia durante esses anos diferiu, de maneira importante, da sociedade portuguesa colonial. A combinação bizarra de valores católicos portugueses, ideologia racial britânica e gestão empresarial belga criou um modelo distinto e híbrido de cultura corporativa — que, no entanto, se revelou perfeitamente adequado para a missão civilizatória portuguesa e para os interesses e a ideologia do Estado metropolitano colonial.

Nesse processo, a Diamang deixou de ser uma máquina extrativista pura e se tornou, rapidamente, o veículo pelo qual o colonialismo português ocupou e desenvolveu o interior da colônia. Muito mais do que uma fonte de renda, a Diamang permitiu ao Estado metropolitano ocupar, desenvolver, regular e “civilizar” grande parte do território angolano. A autoridade retirada ao Estado colonial era atribuída à Diamang, que tinha como missão integrar a Lunda ao território colonial angolano. Na Lunda, a companhia endossou a sua nova função de construtora do Estado, providenciando salários para os servidores públicos, pagando pela infraestrutura do Estado e administrando e policiando grande parte do território.

As fontes disponíveis não esclarecem se o Estado metropolitano pretendeu orientar e transferir o controle do Estado para as mãos dos administradores da Diamang. Certo nível de agência por parte de Lisboa é claramente discernível, mas um fenômeno complexo como o controle do Estado não pode ser determinado por uma única causa. Isso posto, a delegação de poderes do Estado para a Diamang corroborava a estratégia geral do Estado Novo em relação a Angola. Depois da breve experiência de autonomia da colônia no período republicano, Lisboa tentou subordinar as colônias aos interesses da metrópole. Ao entregar à Diamang a responsabilidade de construir o Estado e de estabelecer uma relação bilateral com a empresa, a metrópole buscava marginalizar a administração colonial e a insubordinada burguesia local. Em todo caso, a contínua transferência de responsabilidades do Estado colonial para a companhia diamantífera no leste da colônia é uma prova clara de que, independentemente das intenções iniciais, as autoridades do Estado Novo encontraram, na Diamang, um poderoso aliado para a reorganização da colônia.

Isso nos leva a três importantes considerações. A primeira é relativa à continuidade das relações entre a capital e a periferia da colônia de Angola. O estudo dos primeiros anos das relações entre a Diamang e o Estado demonstram que a delegação de poderes era o principal instrumento de intervenção do Estado no interior. Embora eles tenham divergido na sua abordagem da colônia, especialmente no poder que eles atribuíram à administração local, tanto o Estado da Primeira República como o Estado Novo se apoiaram em um ator não estatal, a companhia diamantífera, para consolidar o seu poder na periferia. Como foi sugerido por Beatrice Hibou, a delegação não implica uma perda ou um retrocesso de poderes do Estado, pelo contrário. A delegação permite ao Estado, fraco ou forte, acumular recursos, dando poder a atores não estatais e produzindo uma multiplicação dos pontos de poder. Esse efeito de multiplicação do poder era precisamente aquele que a Diamang proporcionava ao Estado de Angola.

A segunda observação é relativa às implicações da construção do Estado liderada pela Diamang. À luz do imenso poder que acumulou em relação ao Estado, a empresa expandiu o escopo das suas ações muito além da extração de diamantes. A Diamang na Lunda passou a encarnar a ideia de Achille Mbembe de um governo privado indireto. Sob o comando da companhia, o modo de produção e o modo de governança eram indistinguíveis, e as linhas entre poder público e privado muito complexas.34

A terceira consideração tem a ver com a história de sucesso das ligações entre o Estado Novo e a Diamang em relação a outros exemplos na África Central. As ações da companhia deixaram o Estado Novo numa posição confortável, com a Diamang desenvolvendo a infraestrutura necessária para a colonização portuguesa no leste angolano, distribuindo renda para a elite e reforçando a posição de Portugal no sistema internacional e na sua aliança com a indústria diamantífera global. Isso vai de encontro às contribuições turbulentas e, às vezes, contraproducentes das empresas extrativistas na África Central e em outras colônias portugueses, como Moçambique. É notável que Portugal, a potência colonial europeia com menor disposição para a abertura comercial, tenha produzido uma das alianças mais bem-sucedidas com o setor privado de toda a era colonial.

Assim sendo, as mudanças na política colonial depois da Segunda Guerra Mundial impuseram novos desafios à todo-poderosa Diamang. Primeiro, um processo gradual de descentralização limitada surgiu em 1951, envolvendo, mais uma vez, a transferência parcial de poderes da metrópole para a administração colonial. Segundo, a economia colonial se engajou numa diversificação mais ampla, que incluía uma tentativa incipiente de industrialização. Terceiro, o Estado Novo tentou restaurar a legitimidade colonial mediante a ideologia do Lusotropicalismo, um verniz ideológico que transformava a exploração colonial em um projeto pós-racial e até pós-imperial da comunidade lusófona.35 Terceiro, a competição doméstica e internacional aumentou as tensões entre os diferentes segmentos da burguesia, do comércio, dos agentes industriais, da burguesia emergente e dos barões do café no noroeste.36 As implicações dessa lenta mas constante abertura da colônia nos anos 1950 para as relações entre o Estado e a Diamang serão consideradas na próxima parte.

Relações da Diamang com o Império

A primeira parte do artigo mostrou como a Diamang assumiu um número significativo de funções no leste da colônia angolana. Esta parte considera os tipos de relação que a Diamang estabeleceu com os interlocutores da colônia e da metrópole, e o que essas relações significaram para a companhia no período entre 1930 e 1961.

Política colonial

Em vista da ausência de meios financeiros e de poder político, as diferentes estruturas da administração colonial viam a Diamang como um interlocutor essencial. Todd Cleveland explica que a influência na política colonial da Diamang estava intrinsecamente ligada ao seu monopólio da exportação de diamantes. Se a indústria do café e do trigo tinham de representar centenas de produtores, a indústria dos diamantes tinha apenas uma representante, a Diamang, e um porta-voz, o seu administrator-delegado Ernesto de Vilhena.37 A atitude do Estado em relação à Diamang é, assim, reveladora da importância da companhia nas relações de força internas da administração colonial durante o período estudado.

Autoridades tradicionais

A demanda por trabalho local era uma das principais questões tratadas nas relações entre a administração colonial e a Diamang. Ao longo dos anos 1930, a companhia empregou uma média de 26.000 trabalhadores africanos por ano, incluindo 1.000 empregados qualificados. Os cokwe compunham a maior parte da mão de obra, enquanto os abluas do Congo Belga representavam cerca de 20%. A companhia dividia os empregados em duas categorias. O primeiro grupo incluía os voluntários, aqueles que se juntaram à empresa espontaneamente e residiam dentro da concessão. Os contratados, que eram recrutados à força com a colaboração ativa do Estado colonial e das autoridades tradicionais, formavam o segundo grupo. Embora a companhia tivesse como objetivo compor a maior parte da sua mão de obra de voluntários, ela também se tornou dependente dos contratados, especialmente daqueles originários do Congo Belga, por causa da sua experiência na indústria de mineração local.38

Durante os primeiros anos da exploração de diamantes, a Diamang se engajou numa batalha contra os sobas — as diferentes autoridades tradicionais — para acessar a mão de obra africana. Parceiros indispensáveis no começo das campanhas de ocupação, os sobas se tornaram, rapidamente, um obstáculo para a imposição da autoridade da companha no leste angolano. A pedido da Diamang, o Exército português liderou ataques contra os sobas que bloqueavam as operações e atacavam funcionários europeus. Essa relação de promiscuidade, na qual as autoridades do Estado ajudavam a cumprir objetivos do setor privado, e o setor privado assegurava os interesses do Estado, se tornou uma característica fundamental do desenvolvimento político da colônia de Angola.

No entanto, como Cleveland argumenta, a Diamang se deu conta, rapidamente, dos riscos de reprimir as autoridades tradicionais: a repressão dos sobas afastou as populações africanas e comprometeu o recrutamento a longo prazo. A companhia adotou uma nova tática, que consistia em induzir os sobas a participar no processo de recrutamento da mão de obra em troca de presentes como tecidos, sementes, uniformes e novos alojamentos.

As relações da Diamang com os sipaios e os chefes de posto evoluiu de forma semelhante. Trabalhando sob o comando dos chefes de posto, os sipaios organizavam e transportavam os contratados da companhia. O Estado colonial ordenou, em 1921, que eles trabalhassem exclusivamente para a companhia, mas, temendo uma perda de poder e renda, os sipaios se envolveram nas atividades da Diamang com extrema prudência. Relatórios mostram como a companhia reclamou regularmente às autoridades dos estados sobre a indisciplina e o parco engajamento dos sipaios e dos chefes de posto. No entanto, estes últimos foram se tornando cada vez mais dependentes da renda gerada pela companhia, a ponto de se oporem a qualquer modificação do sistema.39 Finalmente, a Diamang criou uma nova classe, os capitas — vigilantes africanos — para operar como intermediários entre a companhia e seus trabalhadores. Esses eram antigos voluntários educados e treinados pelas equipes europeias para vigiar os trabalhadores europeus e africanos, e para impedir o tráfico de diamantes. Os capitas se mostravam muito leais à companhia, da qual dependiam tanto em termos de condição social como de remuneração.40

Em suma, a Diamang cooptou os líderes africanos para conduzir algumas das principais atividades da companhia e criou uma nova classe de autoridade — a estratégia emprestada para a administração colonial, que frequentemente atribuía poder às autoridades africanas para atingir seus próprios fins. Em muitos casos, a Diamang cooptou os mesmos agentes africanos que o Estado colonial, o que levou a uma superposição entre as atividades públicas e privadas.

As relações entre a Diamang e os governadores dos distritos refletiam tendências mais amplas da política colonial. Os sucessivos governadores dos distritos da Lunda foram alguns dos principais aliados da companhia. A dependência dos governadores de distritos em relação à Diamang era inequívoca. A companhia construiu e manteve acomodações e escritórios em Portugália, o posto administrativo do Estado colonial situado na periferia do Dundo, o quartel-general da empresa. A Diamang defendia, também, a indicação de aliados para a posição de governador do distrito e apoiava a carreira dos governadores da Lunda dentro da administração colonial.

Fora da Lunda, a Diamang não mantinha uma boa relação com os governadores dos distritos. Cientes de que os chefes de posto passavam a maior parte do seu tempo reunindo os contratados, procurando trabalhadores desertores, e monitorando a venda informal de diamantes, os governadores dos distritos de Malange impuseram à Diamang uma taxa adicional para poder operar no distrito.41 Eles também protestaram ao governador-geral em Luanda contra os poderes da Diamang. Os administradores do distrito rico em café do Uige criticavam, também, a Diamang por monopolizar os oficiais do Estado e a força de trabalho da colônia.42

Como mencionado anteriormente, a Primeira República (1910-1926) atribuiu um alto nível de poder discricionário aos governadores-gerais, também chamados de altos comissários, que foi utilizado para reforçar as ligações entre o Estado e o setor diamantífero. O Estado Novo, em contraste, tirou dos governadores-gerais o seu poder discricionário. Lisboa vetou as nomeações administrativas, definiu e implementou políticas verticalmente, controlou o Exército e, crucialmente, colocou a administração da Diamang na liderança do desenvolvimento da periferia da colônia.43 Nesse contexto de muitas restrições, os governadores-gerais se sentiam subordinados à Diamang, que tinha poder para fazer e desfazer as suas carreiras.

Por exemplo, quando o governador-geral Eduardo Ferreira Viana (1931-1935) criticou a empresa, o administrador delgado da companhia, Ernesto de Vilhena, escreveu a Salazar que “As relações da Diamang com o Governador Geral estão em declínio porque ele pensa que a companhia não partilha os benefícios com a colônia”.44 Pouco depois, Antônio Lopes Mateus, um fiel a Salazar, substituiu Ferreira Viana e governou em completa harmonia com a companhia entre 1935 e 1939. Seu sucessor, Vasco Lopes Alves (1943-1947) é um exemplo entre tantos de um membro proeminente da burocracia colonial que começou a sua carreira como governador do distrito da Lunda, no final dos anos 1920, (1928-1931) antes de se tornar governador-geral entre 1943 e 1947 e assumir o Ministério do Ultramar entre 1958 e 1961.45

No entanto, até o final da Segunda Guerra Mundial, a transferência de poder de Lisboa para Luanda, somada à melhoria econômica da colônia — alavancada pela emergência da indústria do café — deu novos poderes aos governadores-gerais nas suas relações com a Diamang. O governador-geral Silva Carvalho (1947-1955) opôs-se ao sistema de trabalho forçado, uma dimensão crucial das relações entre o Estado colonial e a empresa. Em 1951, ele acusou a Diamang de obrigar os trabalhadores africanos a aceitar contratos de longa duração, com salários baixos, longe das suas cidades de origem. Em seus esforços para erradicar o trabalho forçado — pelo menos nas operações da Diamang —, Silva Carvalho encontrou um aliado importante nos produtores de café, que sofriam com a enorme demanda da companhia diamantífera por africanos. No final do seu mandato, em uma demonstração de força sem precedente por parte de um governador-geral contra a companhia, ordenou os administradores do Distrito do Congo — o bastião dos produtores de café — a abolir o recrutamento para trabalho forçado instituído pela Diamang.46

As relações da metrópole com a Diamang

O Estado metropolitano era central para o desenvolvimento da indústria diamantífera em Angola, trabalhando ao lado da Diamang para a implementação de estratégias comerciais e administrativas para as Lundas durante a maior parte do período colonial. Essa relação de trabalho girava em torno do administrador delegado Ernesto de Vilhena, o principal arquiteto da Diamang e administrador da empresa entre 1919 e 1966. Nascido no dia 4 de julho de 1876 e membro de uma dinastia de políticos da metrópole com interesses na colônia, o comandante — ele era capitão de fragata na reserva — vinha de uma linhagem de prestigiosos servidores da colônia. Começou como secretário-geral da Sociedade de Geografia, uma influente instituição que teve um papel essencial na formulação da missão civilizatória portuguesa; a seguir, foi para Moçambique, onde se juntou a uma companhia extrativista, a Companhia do Niassa, e serviu como governador do distrito da Zambézia. Embora fosse um monarquista assumido, ele chefiou o Ministério das Colônias e o Ministério das Relações Exteriores do governo da Primeira República liderada por Afonso Costa (25/04-10/12/1917). Depois, Vilhena desenvolveu uma relação com Oliveira Salazar, o principal responsável pela queda do seu amigo e aliado Norton de Matos.

O conhecimento de Vilhena da arena política e suas relações pessoais com nacionalistas, políticos e homens de negócios permitiam a manutenção do elo entre o Estado e a companhia. Ele hospedava os representantes oficiais do Estado colonial português e do exterior nos luxuosos aposentos da companhia em Lisboa e fez da visita ao Dundo uma etapa indispensável de qualquer deslocamento à colônia de Angola. Manteve, também, relações com a classe política portuguesa por meio de uma troca de interesses: durante o seu longo mandato, sempre recompensou os defensores da Diamang em Lisboa com confortáveis e pouco exigentes posições na administração da companhia.

Inevitavelmente, a cada vez mais plutocrática relação da Diamang com o Estado Novo alimentou as críticas dos opositores. Os episódios de tensão se multiplicaram a partir da Segunda Guerra Mundial. Em 1948, a companhia pagou dividendos excepcionais aos seus acionistas, ignorando um acerto com o Estado colonial datado de 1935 que limitava os dividendos a 10% dos lucros. Os críticos do regime de Salazar utilizaram esse episódio para denunciar o contraste entre o discurso nacionalista do Estado Novo e as generosidades fiscais da companhia.

O regime salazarista respondeu no mesmo ano, colocando a empresa sob jurisdição pública e obrigando a Diamang a remunerar os seus administradores com valores iguais aos dos servidores públicos. Enfurecidos, os acionistas da Diamang ordenaram Vilhena a cortar laços com o Estado português. Em 1949, ele reagiu a um pedido do Ministério das Colônias para promover o candidato do regime nas eleições não competitivas para presidente nos seguintes termos:

Parece-me ilógico que o Ministério das Colônias queria utilizar a influência da nossa companhia, depois de acusar os seus administradores de praticar atos ilegais. Essas acusações danificaram a credibilidade e a reputação da empresa da qual o Ministério das Colônias agora procura ter benefícios.47

Nessa mesma correspondência, o Ministério das Colônias revelou preocupações sobre o comportamento eleitoral dos funcionários da Diamang na Lunda e em Luanda, que eram vistos como apoiadores do candidato da oposição, o então velho general e ex-alto comissário Norton de Matos, um amigo pessoal de Vilhena e um aliado histórico da Diamang. Na sua resposta, Vilhena associou a popularidade de Matos à deterioração das relações com o governador-geral Silva Carvalho:

Se o senhor Norton de Mattos atingir um voto apreciável entre funcionários da Diamang, isso não deve ser atribuído às ideias dos nossos funcionários. Se eles votam dessa forma, eles o fazem para protestar contra o governador geral de Angola. Eles não estão votando a favor de alguém, mas contra uma pessoa.48

As explicações de Vilhena não resolveram, porém, as preocupações sobre o poder financeiro e territorial da Diamang.49 Em 1955, o Estado português começou a repensar a relação da colônia de Angola com o Império, e o deputado de Lisboa Cancela de Abreu e o polemista Cunha Leal reiniciariam a disputa pelo regime fiscal da companhia. Os dois argumentaram que os acionistas estavam recebendo dividendos excessivos desde que o preço dos diamantes havia aumentado. Em fevereiro daquele ano, a Diamang aceitou baixar os dividendos dos acionistas de 10% para 6% das vendas anuais da companhia.50

A maior afronta a Ernesto de Vilhena veio da crítica às praticas da companhia pelo famoso sociólogo brasileiro Gilberto Freyre no seu livro Aventura e rotina: sugestões de uma viagem à procura das constantes portuguesas de caráter e ação, uma narrativa de viagem que foi publicada pela primeira vez em 1953. Reconhecido pelas suas contribuições à historiografia do Brasil, Freyre viajou pelas colônias africanas a serviço do Estado Novo para desenvolver a sua análise intelectual sobre a natureza pós-racial do colonialismo português. Em Aventura e rotina, ele desenvolve o conceito de Lusotropicalismo — uma abordagem duvidosa segundo a qual os portugueses estavam unicamente adaptados à vida nos trópicos em vista da sua preferência pela miscigenação e da ausência de exclusão racial —, uma ideologia que se tornou um pilar da reconversão intelectual do Estado Novo no final dos anos 1950 e 1960. O estudo da colônia de Angola representou uma parte importante do seu trabalho, porque ele considerava ser o território mais adaptado ao Lusotropicalismo português. Um capítulo inteiro do seu livro foi dedicado à Diamang, no qual ele sublinha o contraste entre a companhia e o resto da colônia. Freyre via na influência do Congo Belga a razão pela qual o Lusotropicalismo não tinha sido introduzido na companhia. Na sua análise crítica, distingue o caráter transitório da situação dos africanos no sistema luso-brasileiro patriarcal e a situação permanente dos africanos na Diamang.

Os africanos que moravam na Diamang estavam sociologicamente condenados à morte. Baseado na concepção que eles eram inferiores aos brancos, não transitoriamente [...] mas pela raça. Biologicamente. Fatalmente.51

Vilhena enfrentou a analise de Freyre como um ataque pessoal, ao qual ele respondeu enfatizando o seu sucesso em introduzir valores da missão civilizatória portuguesa no funcionamento da companhia. Ele publicou, nesse mesmo ano, Aventura e rotina, crítica de uma crítica, livro no qual tentou conciliar a Diamang com o Lusotropicalismo, argumentando que Freyre sobrevalorizou o papel da miscigenação na harmonia racial e que, por isso, a Diamang era compatível com o paradigma português.52 Porém, a sua resposta não impediu a ascensão do Lusotropicalismo como principal ideologia do Império português, o que resultou em um aumento considerável da desconfiança da administração portuguesa em relação à Diamang.

Em suma, o arranjo entre o Estado Novo e a Diamang, que tinha passado por várias décadas de aceitação, estava começando a ser questionado. Quando o Estado Novo começou a revisitar a sua abordagem das colônias, a Diamang tinha acumulado tantas reclamações no nível colonial e metropolitano, que ela rapidamente se tornou o símbolo dos anacronismos do sistema político. Assim, não deve surpreender o fato de que o projeto político da Diamang — a acumulação de poderes na periferia, confinando o Estado formal a uma presença pequena e subsidiária — evoluiu para um tema de controvérsia pública nos anos seguintes.

Considerações finais

Este artigo examinou as relações entre o Estado e o setor de diamantes durante o período marcado pela sua descoberta na Lunda até o desencadeamento da guerra colonial e a emergência de um Estado desenvolvimentista na colônia de Angola, sublinhando aspetos relevantes da relação entre Estado e empresa na colônia portuguesa. O estabelecimento da Diamang foi o resultado de uma combinação de acontecimentos, que vão das ambições da indústria de recursos naturais belga ao ativismo legal do Estado colonial português. Sem essa conjunção de fatores, a emergência da Diamang, uma empresa de grande capacidade humana, financeira e territorial, nunca teria sido viabilizada.

O estudo da Diamang também revela o caráter econômico muitas vezes ocultado do Estado Novo nos seus anos iniciais, especialmente no que tocava à política colonial. Apesar de o Estado Novo ter confiscado a autoridade administrativa da capital colonial, Lisboa continuou atribuindo poderes extraordinários a uma empresa privada. A Diamang foi evoluindo como uma extensão da indústria de mineração belga para uma empresa poderosa e independente, totalmente integrada no espaço colonial português. Tanto o governo da Primeira República como o do Estado Novo recorreram à Diamang para exercer o seu poder no leste da colônia de Angola. O imenso poder acumulado pela empresa durante esse período continua definindo até hoje a natureza das relações entre o Estado angolano e a região da Lunda.

O que o governo português fez para controlar a cobrança de impostos sobre a extração de diamantes explique com suas palavras?

Afinal de contas, era impossível fundir as pedras preciosas e, desse modo, impor a mesma cobrança de impostos que era reservada ao ouro. Com isso, o governo de Portugal determinou que todos os mineradores da região fossem imediatamente expulsos dali e demarcou a região do chamado Distrito Diamantino.

Como a coroa portuguesa controlava a circulação de ouro e A arrecadação de impostos no período colonial?

Em 1702, temos a criação da Intendência das Minas. Este órgão era encarregado de controlar a exploração do ouro, cobrar impostos sobre a Mineração, e julgar os crimes praticados na região em nome da Coroa de Portugal.

Quais foram os instrumentos de controle da Coroa Portuguesa para evitar o contrabando de ouro?

Por sua posição estratégica e para evitar os descaminhos do ouro e o contrabando de diamante, em 1702 o governador do Rio de Janeiro torna obrigatório o uso do porto de Paraty para embarque do ouro vindo das “minas gerais”. Em 1703 foram criadas as Casas de Registro de Paraty e de Santos, fechando todas as demais.

Como Portugal cobrava o imposto sobre o ouro?

Durante o século 18, o Brasil Colônia pagava um alto tributo para seu colonizador, Portugal. O imposto cobrado pela Coroa Portuguesa sobre todo o ouro encontrado em suas colônias correspondia a 20%, ou seja, 1/5 (um quinto) do metal extraído que era registrado em "certificados de recolhimento" pelas casas de fundição.