Era necessário muito investimento para o estabelecimento das fazendas de criação de gado

RESUMO

O setor pecuarista na Amazônia Oriental é dinâmico, sendo os sistemas e ambientes de criação de gado diversificados. Cria-se gado em pastagens nativas na ilha de Marajó, nas várzeas (ao longo do rio Amazonas) e em áreas de terra firme (onde florestas foram cortadas para dar lugar às pastagens).

Os sistemas tradicionais de criação extensiva geram lucros em todos os três locais. Esses lucros são maiores quando os fazendeiros se especializam em engorda (terra firme) e na produção de bezerros (pastagens nativas). E aumentam ainda mais quando pastagens degradadas são reformadas através de gradagem, plantio de forragens mais adaptadas e fertilização.

A Amazônia Oriental oferece algumas vantagens em relação às regiões pecuaristas do Centro-Sul do Brasil. Discutimos essas vantagens e medidas concretas com o objetivo de encorajar a intensificação da pecuária na Amazônia.

INTRODUÇÃO

Os bovinos foram introduzidos na Amazônia há três séculos, porém até a década de 50 criava-se gado apenas nos campos naturais da ilha de Marajó e do baixo e médio Amazonas. Nas décadas de 60 e 70, com a melhoria da infra-estrutura regional (construção de estradas e melhoria dos serviços de telecomunicações), além de uma política de incentivos fiscais e de crédito para implantação de projetos agropecuários, houve uma explosão da atividade na região de terra firme, (Teixeira, 1953; Hecht, 1985; Browder, 1988; Fearnside, 1989; Mahar, 1989).

As opiniões sobre a viabilidade da pecuária em terra firme na Amazônia também sofreram mudanças. Na década de 70, em virtude das evidências apresentadas por zootecnistas e edafólogos de que a pecuária era possível, essa atividade foi indicada para ocupar grandes extensões de terra na Amazônia (Falesi, 1976). Na década de 80, novos trabalhos mostravam que os níveis de fósforo no solo, elemento essencial para o bom desempenho produtivo das pastagens, decresciam após alguns anos, comprometendo sua produtividade. Na área econômica, demonstrou-se a incapacidade da atividade de manter-se sem subsídios. O lucro seria possível caso a pecuária fosse praticada de forma itinerante, utilizando o sobrepastejo e especulando com a terra. (Fearnside, 1980; Browder, 1988; Hecht et al., 1988).

Essas análises, embora corretas para a época, precisam ser revistas. Em um trabalho sobre a pecuária na região de Paragominas, Mattos e Uhl (1994) mostraram que essa atividade pode ser lucrativa. Neste presente estudo, queremos ir além, caracterizando a pecuária na Amazônia Oriental e no contexto do Brasil como um todo.

A pecuária não é uma atividade homogênea na Amazônia. A criação de gado é feita em pastagens naturais e plantadas, em terra firme e em áreas inundadas, e entre pequenos e grandes proprietários. Cada local tem seu manejo particular e características econômicas e sociais próprias. Neste trabalho, apresentamos uma análise comparativa da pecuária nessas várias manifestações na Amazônia Oriental. Em seguida, discutimos as vantagens e desvantagens da criação de gado na Amazônia em relação a outras regiões pecuaristas do País. Finalmente, mostramos quais são as barreiras e as soluções para incentivar a adoção de tecnologias mais intensivas e produtivas.

METODOLOGIA

Conduzimos nossos estudos no Estado do Pará (1.218 mil km2) em três sub-regiões que, em 1985, concentravam mais de 50% do rebanho estadual (IBGE, 1985). Essas três regiões (Figura 1) englobam os principais ecossistemas de criação de gado na Amazônia: i) pastagens nativas de savanas mal-drenadas (região leste da ilha de Marajó); ii) pastagens nativas de solos aluviais (várzea do baixo Amazonas); e iii) pastagens plantadas em terra firme (sul do Pará) (Serrão, 1986).

Os dados econômicos e as características de criação foram coletados mediante entrevistas com fazendeiros de cada região de estudo. As entrevistas foram realizadas durante o período de outubro de 1992 a junho de 1993, e a permanência em cada local foi de aproximadamente 40 dias. Nas entrevistas, aplicou-se um questionário contendo perguntas sobre: ii) a história da propriedade e do proprietário; ii) infra-estrutura da fazenda; iii) práticas de manejo; e iv) gastos com manutenção do rebanho e da fazenda.

Entrevistamos 20 fazendeiros nos campos da ilha de Marajó no município de Soure, os quais foram sorteados ao acaso a partir de uma lista fornecida pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e Cooperativa dos Pecuaristas do Pará (Socipe). No Baixo Amazonas, no município de Santarém, entrevistamos 33 fazendeiros, também a partir de uma lista do Incra e outra do sindicato da classe local. As entrevistas naRegião Sul do Pará foram feitas nas fazendas ao longo da PA-150 e ramais entre os municípios de Xinguara e Santana do Araguaia (Figura 1). Nessa região, entrevistamos 66 fazendeiros (Tabela 1).

Os preços dos produtos e serviços utilizados pelos fazendeiros foram levantados nas lojas e ou escritórios de cada local. Todos os valores foram corrigidos para a data base de Junho/93 utilizando o índice de preços pagos pelos agricultores da Fundação Getúlio Vargas e convertidos em dólar pela cotação oficial desse mesmo mês. Os preços dos animais para o abate, no período 1990-1993, foram obtidos no frigorífico da Socipe em Belém (para onde é comercializada grande parte dos animais provenientes da ilha de Marajó), Sindicato dos Pecuaristas de Santarém e escritórios de comercialização de gado no Sul do Pará e Belém.

Era necessário muito investimento para o estabelecimento das fazendas de criação de gado

Figura 1. Localização das três áreas de estudo no Estado do Pará.

Era necessário muito investimento para o estabelecimento das fazendas de criação de gado

Tabela 1. Características da pecuária em três ambientes de criação na Amazônia Oriental, Estado do Pará.

Descrição do meio físico

O meio físico difere notavelmente entre as três regiões. A topografia das áreas, o regime pluvial e o tipo de solo e vegetação são fatores que influenciam no manejo dos animais e determinam a produtividade em cada local.

Campos naturais da Ilha de Marajó

A ilha de Marajó possui uma área aproximada de 50 mil km2 (Figura 1). Sua parte oriental é constituída por pastagens naturais que cobrem cerca de 23 mil km2. A atividade pecuária é a sua principal e quase única aptidão. As principais gramíneas são do gênero Axonopus, Paspalum e Panicum com baixos valores nutritivos (OEA, 1974; Embrapa/Cpatu, 1977). Os solos são do tipo glei, ácidos e de baixa fertilidade, com pouca aeração por causa do excesso de água. Na região, criam-se bovinos de diferentes raças e bubalinos.

A topografia é plana, com pequenos desníveis que distinguem duas áreas: os campos baixos – áreas que permanecem inundadas seis meses ou mais por ano, e os campos tesos – áreas mais altas que não são atingidas pelas cheias (Figura 2a) (OEA, 1974). A cheia ocorre entre os meses de janeiro a maio, quando a precipitação atinge 78% do total anual de 3.200mm (DNMET, 1992). No restante do ano a seca é predominante.

Região de várzea e terra firme do Baixo Amazonas

A várzea compreende a parte inundada periodicamente pela cheia do rio Amazonas. As águas barrentas do rio carregam partículas minerais e orgânicas que, no fluxo e refluxo da água, são depositadas e sedimentadas, dando origem a solos aluviais fertilizados anualmente. As florestas ocupam algumas partes da várzea, no entanto, em muitas áreas (por exemplo, entre os lagos e as restingas ou mesmo nas margens de alguns rios) ocorrem pastagens naturais. Os principais gêneros de gramíneas são Echinochloa, Hymenachne, Oryza e Paspalu que, ao contrário das encontradas na ilha de Marajó, possuem um alto valor nutritivo (Embrapa/Cpatu, 1977).

Era necessário muito investimento para o estabelecimento das fazendas de criação de gado

Figura 2. Caracterização dos três ambientes de criação de gado no Estado do Pará.

Os animais criados são bovinos de diferentes raças e bubalinos. A cada ano, quando o nível do rio se eleva, alagando as pastagens nativas, os fazendeiros optam por duas estratégias de manejo. Tradicionalmente, eles mantêm os animais em currais suspensos chamados “marombas”, alimentando-os com capins flutuantes que se desprendem da terra por causa da cheia, sendo recolhidos em canoas. Com a construção da Rodovia Cuiabá – Santarém, tornou-se comum o transporte de gado para pastagens plantadas em terra firme. As pastagens são plantadas após o cultivo de arroz, milho e mandioca no sistema de corte e queima. As espécies plantadas são colonião (Panicum maximum), quicuio (Brachiaria humidicula) e braquiarão (Brachiaria brizantha). O rebanho permanece em terra firme por quatro a cinco meses a cada ano (i.e., até o nível do rio diminuir e os capins naturais surgirem novamente).

Região Sul do Pará

A região Sul do Pará (Figura 1) possuía, de acordo com o último Censo Agropecuário, 25% do rebanho estadual (IBGE, 1985). A principal via de acesso a essa região é a Rodovia PA-150.

A região possui solos ácidos e de baixa fertilidade, grande parte classificada como latossolos (Embrapa/Cpatu, 1977). O plantio das pastagens é feito após a derrubada e queima da floresta (Figura 2c). As primeiras espécies introduzidas na região foram os capins jaraguá (Hyparrhenia rufa) e colonião (Panium maximum). Atualmente, outras espécies estão sendo utilizadas, como o braquiarão (Bachiaria brizantha) e o andropogon (Andropogon gayanus).

O tamanho das fazendas variava de 100 ha a mais de 100.000 ha. Os pequenos fazendeiros freqüentemente se especializavam na pecuária leiteira. Em geral, os animais destinados à produção de leite não possuíam padrão racial definido, ocorrendo usualmente uma mistura entre raças zebuínas e européias. Os criadores de gado de corte, em sua grande maioria, optavam pela raça nelore.

RESULTADOS

Características da pecuária nos campos da ilha de Marajó

A pecuária é uma atividade tradicional na ilha de Marajó. As fazendas, estabelecidas quando o Brasil ainda era colônia de Portugal, tendem a ser grandes. Na área de estudo, as propriedades com mais de 1.000 ha ocupavam cerca de 80% da área total (IBGE, 1985).

Os 20 pecuaristas entrevistados possuíam ao todo 25 fazendas na ilha de Marajó. Dessas, apenas duas foram compradas, sendo as restantes obtidas por herança (todos os proprietários eram naturais do Estado do Pará). O tamanho médio das propriedades era 5.573 ha (n=20 entrevistas;s.d.=3.865). O rebanho era composto em média por 2.230 animais bovinos (s.d.=1.586) e 432 bubalinos (s.d.=641), dando uma lotação de pasto de 0,48 cab./ha (Tabela 1).

Rentabilidade das fazendas na ilha de Marajó

O sistema de produção mais comum era o integrado de cria-recria-engorda (80% das fazendas) (Figura 3a). O manejo dos animais na ilha de Marajó é simples. Somente uma vez por ano, na época de verão, os animais são separados, contados, ferrados e vacinados. A mineralização e a vacinação não são feitas em todo o rebanho. No restante do ano, os animais são mantidos juntos, sem controle, pois o número de divisões de pastos é pequeno (1-5 pastos). Esse é o sistema tradicional de manejo em quase toda a Amazônia.

O manejo deficiente e o pouco trato dos animais ocasionam a baixa produtividade; apenas 24 kg ha-1 ano-1 (Tabela 2). Os bovinos são abatidos aos 50 meses, pesando 347 kg (s.d.=28 kg). Os bubalinos são mais precoces, atingindo um peso de abate de 402 kg (s.d.=41 kg) aos 30 meses de idade.

O lucro anual do sistema tradicional de cria-recria-engorda também era baixo – US$ 2/ha, ou US$ 0,08/kg produzido (Tabela 2). A rentabilidade do sistema é baixa por causa de três fatores: i) baixo ganho de peso de animais adultos; ii) alta taxa de mortalidade; e iii) menores preços de mercado pagos pelos animais da ilha de Marajó; aproximadamente 20% menores do que aqueles pagos pelos animais criados em terra firme (US$ 0,55/kg vs. US$ 0,70/kg). Os preços são mais baixos porque os animais da ilhade Marajó, embora mais velhos, pesam menos do que os animais oriundos da terra firme, gerando, portanto, um menor rendimento em carne. Entretanto, o lucro total é razoável, cerca de US$ 9.300/ano, pois as fazendas são relativamente grandes e os custos, baixos (por causa do uso de pastagens naturais).

Era necessário muito investimento para o estabelecimento das fazendas de criação de gado

Figura 3. Tipos de sistemas de criação de gado.

Alguns pecuaristas especializaram-se no sistema de cria para aumentar os lucros da atividade (Figura 3b). Nesse sistema, os bezerros bovinos machos são transportados para fazendas localizadas em terra firme a fim de engordarem. Em alguns casos, o fazendeiro possui propriedades nessa região e simplesmente transfere os animais para lá. Em outros casos, o fazendeiro vende os bezerros para outros fazendeiros de terra firme. Os custos no sistema de cria são mais elevados por causa da maior utilização de vacinas, sal mineral e aquisição de matrizes de melhor qualidade. A produtividade aumenta pouco, passando de 24 kg ha-1 ano-1 para 27 kg ha-1 ano-1. Entretanto, o lucro gerado é duas vezes maior que no sistema tradicional (US$ 4/ha, ou US$ 21.300/fazenda/ano), pois o preço do quilo vivo do bezerro é maior que dos animais adultos (US$ 0,70/kg vivo vs. US$ 0,55/kg) (Tabela 2). Do total de entrevistados, 20% adotavam o sistema de cria e outros 15% pretendiam adotá-lo.

A especialização no segmento de recria e engorda (Figura 3c), no qual o fazendeiro compra bezerros machos com um ano e vende-os na idade de abate (nesse caso, aos 4 anos), não seria vantajosa na ilha de Marajó, por causa da baixa qualidade das forragens nativas. A renda líquida seria negativa de US$ 3/ha/ano. Evidentemente, esse sistema não é praticado nessa região.

Características da pecuária de várzea e terra firme no Baixo Amazonas

Os 33 fazendeiros entrevistados no Baixo Amazonas, nas proximidades de Santarém, possuíam 63 fazendas ao todo, sendo 29 localizadas na várzea, 25 em terra firme e 9 com ambas as características. As áreas de terra firme são normalmente legalizadas e possuem tamanho definido. Esse não é o caso das áreas de várzea, onde os campos de pastagens nativas são um recurso comum entre os que possuem propriedade no local; as famílias que residem ao longo dos rios e lagos têm o direito de estabelecer animais nas pastagens nativas.

Uma fazenda média em terra firme em nossa amostra possuía 1.022 ha de área total (s.d.= 977), sendo 483 ha de pasto plantado (s.d.= 548). O rebanho possuía, em média, 473 animais bovinos (s.d.= 648) e 267 bubalinos (s.d.= 421), resultando em uma lotação de 1,53 cab./ha de pasto plantado. Essa lotação, mais alta em relação aos outros locais de estudo, deve-se ao fato de os animais ficarem, em média, de quatro a seis meses nesses pastos. Considerando essa sazonalidade, a lotação é reduzida para 0,64 cab. ha-1 ano-1 (1,53 x 5 meses de uso efetivo: 12 meses).

Era necessário muito investimento para o estabelecimento das fazendas de criação de gado

Tabela 2. Custos, renda bruta, lucro e produtividade anual de diferentes sistemas de criação de gado em três regiões do Estado do Pará, em propriedades de tamanhos distintos.

Apenas 18% dos fazendeiros entrevistados (n=6) tinham a pecuária como sua única fonte de renda. Os 82% restantes eram comerciantes e empresários locais (n=22) ou profissionais liberais (n=5). Todos os entrevistados eram naturais do Estado do Pará.

Rentabilidade das fazendas no Baixo Amazonas

No Baixo Amazonas, os bovinos são abatidos aos 34 meses de idade com o peso médio de 353 kg (n=23 entrevistas; s.d.= 37 kg). Os búfalos são vendidos aos 27 meses, pesando 420 kg (n=16 entrevistas; s.d.= 60 kg).

O desempenho econômico da pecuária tradicional (sistema de criarecria-engorda) no Baixo Amazonas é melhor do que na ilha de Marajó. A renda bruta anual era US$ 27/ha, ou US$ 0,54/kg vivo. Os custos eram US$ 24/ha, gerando um lucro de US$ 3/ha. A mão-de-obra correspondia a 30% dos custos totais, os trabalhadores temporários, contratados para fazer a limpeza dos pastos, representavam 20% do total.

Na várzea, nenhum entrevistado utilizava sistemas especializados de criação. Em simulações com os dados disponíveis para o sistema tradicional, observamos que, na especialização em recria-engorda, a produtividade subiria para 57 kg/ha, gerando uma renda bruta de US$ 53/ha. Porém, os custos aumentariam para US$ 51/ha, gerando um lucro de apenas US$ 2/ha, 40% abaixo do sistema tradicional de cria-recria-engorda (Tabela 2).

Caso essa mesma fazenda fosse especializada no sistema de cria, os lucros teriam um aumento de US$ 3 para US$ 4/ha. Entretanto, a demanda por bezerros era pequena nessa região, e a especialização em cria era rara. É provável, porém, que a demanda por bezerros aumente com a expansão crescente da pecuária em terra firme, nas proximidades das pastagens nativas de várzea.

Características da pecuária de terra firme na Região Sul do Pará

Entre os três locais estudados, a pecuária de terra firme no Sul do Pará é a mais importante no que se refere à em termos de quantidade de animais criados no início da década de 90.

Os fazendeiros entrevistados (n=66) vieram principalmente dos Estados de Minas Gerais (29%), Goiás (28%) e São Paulo (18%). A maioria adquiriu terra entre os anos 1976-1981 (35%) e 1982-1987(26%). O tempo médio de permanência dos fazendeiros em 1993 (época de nossa pesquisa) era 10,2 anos (s.d.=4), para os pequenos fazendeiros; 13,1 anos (s.d.=7), para os médios; 14,5 anos (s.d.=8) para os grandes; e 17,3 anos para os proprietários de fazendas muito grandes (Tabela 1).

A criação e o manejo dos animais em terra firme no Sul do Pará é diferente em relação à ilha de Marajó e à várzea do Baixo Amazonas em dois aspectos: i) os animais recebem um tratamento sanitário mais intenso (por exemplo, pela mineralização, vacinação e aplicação de vermífugos); e ii) os pastos têm mais divisões, possibilitando um melhor manejo dos animais. Os fazendeiros da Região Sul do Pará investem 65% a mais do capital em infra-estrutura, compra de animais e maquinário do que os fazendeiros do Baixo Amazonas (US$ 205/ha de pasto vs. US$ 124/ha) e 2,5 vezes mais do que os da ilha de Marajó. Os gastos e investimentos mais altos levam a uma maior produtividade. Os animais são abatidos aos 38 meses, pesando 495 kg (s.d.= 32 Kg).

Rentabilidade das pequenas propriedades

Uma propriedade típica possuía 253 ha (s.d.= 151) de área total, sendo 198 ha (s.d.= 137) em pastagens plantadas e 126 cabeças, incluindo vacas (62 cabeças), bezerros e touros. A lotação média era 0,64 cab./ha de pasto (Tabela 1). Os pequenos pecuaristas forneciam leite para laticínios recentemente estabelecidos. A produção média de leite do rebanho era baixa; apenas metade das vacas era ordenhada, produzindo 4 litros/dia/vaca. Mesmo assim, os pequenos criadores tinham um lucro anual de US$ 23/ha de pasto (Tabela 2). A venda do leite era suficiente apenas para cobrir os custos totais. O lucro era proveniente da venda de bezerros e animais de descarte.

Rentabilidade das médias propriedades

As fazendas consideradas de tamanho médio (n=29 entrevistas) possuíam uma área total de 3.738 ha (s.d.=2.256) e 2.140 ha (s.d.=1.279) de pastagem (Tabela 1). O rebanho possuía 1.590 animais (s.d.=991), dando uma lotação de 0,74 cab./ha. O sistema de cria-recria-engorda era o maisutilizado (65%), seguido pelo sistema de recria-engorda (25%) e cria (10%). Os médios fazendeiros que utilizavam o sistema tradicional de cria-recria-engorda conseguiam um lucro anual de US$ 7/ha de pasto (Tabela 2). Fazendeiros especializados em engorda tinham lucros três vezes maiores (US$ 25/ha/ano; Tabela 2), enquanto a especialização em cria resultava em lucros menores comparado ao sistema tradicional.

Rentabilidade das grandes propriedades

Uma fazenda tipicamente grande possuía uma área total de 21.570 ha (s.d.=11.740), sendo 9.758 ha em pastagens (s.d.=6.417), e um rebanho de 6.370 cabeças (s.d.=2.686) (Tabela 1). Nessa categoria, também predominava o sistema de cria-recria-engorda (60% dos pecuaristas), na qual apenas 25% criavam e 15% recriavam e engordavam. Os lucros para propriedades dessa dimensão, utilizando o sistema tradicional eram US$ 71 ha/ano e subiam para US$ 20/ha/ano em sistemas de recria e engorda (Tabela 2). Os custos, renda bruta, lucro e produtividade por hectare dos grandes fazendeiros eram menores quando comparados aos médios proprietários, pois a lotação dos pastos era inferior (0,65 vs. 0,74 cab./ha).

Rentabilidade das propriedades muito grandes

Neste grupo, entrevistamos quatro fazendas que possuíam uma área média de 135.835 ha (s.d.=69.462), sendo 37.375 ha (s.d.=21.218) em pastagens, e um rebanho com cerca de 24.000 animais (s.d.=10.520), dando uma lotação de 0,64 cab./ha de pasto plantado (Tabela 1). Uma fazenda típica desse grupo, que utilizava o sistema de cria-recria-engorda, possuía uma renda bruta anual superior a US$ 1.400.000 e uma renda líquida média de US$ 275.000, equivalente a US$ 7/ha (Tabela 2).

Em geral, essa análise mostra que a especialização no segmento de recria-engorda, na região de terra firme, gera um lucro bem mais alto que no sistema tradicional. O lucro varia de US$ 20/ha (grande propriedade) a US$ 25/ha (média propriedade), aproximadamente três vezes maior que no sistema de cria-recria-engorda. Os custos, embora mais altos (a compra de bezerros correspondia a 59% dos custos totais), eram compensados pela maior produtividade, que aumentava de 60 kg/ha – 70 kg/ha para aproximadamente 85 kg/ha – 100 kg/ha (Tabela 2). Além da maior produtividade, o preço dos animais machos para abate era 15% acima do preço das vacas que são descartadas no sistema tradicional, as quais correspondem, por sua vez, a um terço da venda total nesse sistema.

Por outro lado, uma fazenda que utiliza o sistema de cria em terra firme tem um lucro de US$ 1 a US$ 5/ha, consideravelmente inferior ao sistema tradicional (Tabela 2). Os custos são superiores, e a renda bruta é menor. Para que esse sistema tivesse uma rentabilidade semelhante ao sistema tradicional, o preço do bezerro teria de subir para aproximadamente US$ 175/cab. Nos últimos anos, a média do bezerro é de aproximadamente US$ 150/cab. Entretanto, o uso de inseminação artificial em animais selecionados do rebanho, obtendo bezerros geneticamente superiores, pode aumentar os lucros desse sistema. Metade dos fazendeiros especializados em cria já havia iniciado o uso de inseminação artificial. Alguns animais, nascidos através dessa técnica, servem como reprodutores ou matrizes e podem ser vendidos por preços acima de US$ 600 até US$ 20.000 cada. Os custos da inseminação não são altos. Uma dose de sêmen pode ser obtida por US$ 4 a US$ 10; o treinamento de um técnico em inseminação é gratuito; e a armazenagem do sêmen é simples.

Análise de investimento dos diferentes tipos de pecuária

Analisando apenas os custos e retornos anuais, mostramos que a pecuária gera lucro em todos os locais estudados. Entretanto, isso não significa que o investimento necessário para entrar na atividade seja atraente financeiramente. Nesta seção, apresentamos a análise do Valor Presente Líquido (VPL), a uma taxa de 6% ao ano, por um período de 15 anos, e respectivas Taxas Internas de Retorno (TIR) sobre os investimentos (Tabela 3).

No cenário base (Tabela 3, lado esquerdo), consideramos o custo de todos os investimentos necessários para estabelecer uma fazenda (terra, pasto, equipamento, infraestrutura, etc.). Nesse caso, os retornos sobre o investimento não são satisfatórios. A TIR é sempre menor que 6% nos sistemas tradicionais (i.e., cria/recria/engorda). O VPL varia de – US$ 5/ha na ilha de Marajó a – US$ 116/ha nas fazendas muito grandes no Sul do Pará. O VPL é positivo apenas nos casos em que há especialização da produção em pecuária leiteira e recria-engorda no Sul do Pará e cria na ilha de Marajó.

Em muitos casos, porém, os proprietários conseguem diminuir alguns custos incluídos no caso base. Por exemplo, na ilha de Marajó, a maioria das fazendas foi adquirida por herança. Eliminando o custo de compra da terra, a TIR sobe de 5% para 8% no sistema tradicional de manejo (Tabela 3, lado direito).

Era necessário muito investimento para o estabelecimento das fazendas de criação de gado

Tabela 3. Valor Presente Líquido a 6% e Taxa Interna de Retorno de diversos sistemas de criação pecuária em três regiões do Estado do Pará.

1 Os investimentos incluem a compra da terra (US$ 26/ha – US$ 55/ha), dos animais (US$ 68/ha – US$ 158/ha), a implantação de pasto (US$ 78/ha – US$ 89/ha), construção de infra-estrutura (US$ 7/ha – US$ 84/ha) e aquisição de máquinas e motores (US$ 0/ha – US$ 30/ha). Os preços variam de acordo com o tamanho e local da propriedade.

2 Considerando uma fazenda nos campos da ilha de Marajó, onde o proprietário recebeu sua terra de herança.

3 Considerando uma propriedade no Baixo Amazonas, onde: i) metade dos pastos foi implantada por agricultores sem custos para o proprietário; ii) o uso anual do fogo e limpeza manual dos pastos são realizados de quatro em quatro anos para controlar as plantas invasoras; e iii) a valorização da terra é de 6% ao ano.

4 Considerando uma pequena propriedade leiteira, onde: i) os custos da derrubada e queima da mata para o plantio das pastagens não foram incluídos, pois foram realizados após o plantio de culturas anuais: ii) o uso anual do fogo e limpeza manual do pasto são realizados de quatro em quatro anos; iii) a valorização da terra é de 6% ao ano.

5 Considerando uma propriedade média na Região Sul do Pará, onde: i) o uso do fogo anual e limpeza manual dos pastos são realizados de quatro em quatro anos; ii) a valorização das terras é de 6% ao ano.

6 Considerando uma propriedade onde 75% dos investimentos iniciais foram abatidos por meio de incentivos fiscais.

A disponibilidade de subsídios governamentais também reduz o custo de estabelecimento de uma fazenda para alguns proprietários. Por exemplo, boa parte dos grandes proprietários no Sul do Pará (n=11) investiram na região e ficaram isentos de impostos devidos em até 75% do valor total dos investimentos. Nesse caso, a TIR passa de 3% (cenário base) para 17%-18% (Tabela 3).

Finalmente, mesmo sem as vantagens de herança e incentivos, é possível tomar medidas para reduzir os custos no estabelecimento e na manutenção das pastagens. As terras também remuneram o capital investido, pois estas são valorizadas ao longo do tempo, o que não foi considerado no cenário base. Assim, uma fazenda de porte médio no Sul do Pará, que utiliza o fogo para reduzir os custos e cujo valor da terra aumenta 6% ao ano, teria uma TIR de 8%, ao invés de 5% do cenário base (Tabela 3). No caso das pequenas fazendas de terra firme, os custos podem ser reduzidos ainda mais. Nessa escala, todas as pastagens são estabelecidas depois do plantio de culturas anuais no sistema de corte e queima. Se considerarmos um aumento anual de 6% no valor da terra, excluirmos o custo de derrubada da floresta e substituirmos a limpeza manual dos pastos pelo uso do fogo, a TIR, para os pequenos fazendeiros, atinge 16%.

A TIR desses vários cenários não é muito diferente dos retornos de 10%-15% comuns nos mercados financeiros. Entretanto, terra e gado são investimentos seguros, de baixo risco – importante fator a ser considerado nas décadas de instabilidade macroeconômica pelas quais o Brasil passou.

DISCUSSÃO

Nesta seção, analisamos a atividade pecuária sob três pontos: i) destacando as suas recentes tendências na Amazônia Oriental; ii ) avaliando as vantagens e desvantagens da criação de gado na Amazônia em relação a outras regiões pecuaristas do Brasil; e iii ) considerando os fatores econômicos e políticos que influenciam a sustentabilidade da pecuária na Amazônia.

Tendências da pecuária na Amazônia Oriental

Com base em nossa pesquisa e em dados do Censo e de outros estudos (Idesp, 1990; Topall, 1991; McGrath, 1993), notamos três tendências da pecuária na Amazônia Oriental. Todas essas tendências aparentam ser respostas lógicas a condições econômicas.

As primeiras duas tendências ocorrem na ilha de Marajó e ao longo do Baixo Amazonas. Nesses locais, notamos um aumento na integração da criação em pastagens nativas e em pastagens plantadas nas áreas de terra firme. No caso da ilha de Marajó, 30% dos fazendeiros entrevistados tinham adquirido áreas de pastos plantados ao longo da Rodovia Belém-Brasília. Como mostramos, a adoção do sistema de cria na ilha de Marajó, bem como o sistema de recria/engorda em terra firme é mais rentável do que o sistema tradicional de cria-recria-engorda.

O mesmo pode ser observado no Baixo Amazonas. Entre 1970 e 1985, a área de pastos plantados no Baixo Amazonas cresceu a uma taxa anual de 7,8% (IBGE, 1970 e 1985). Esse crescimento foi, em parte, um reflexo da maior utilização das várzeas na época de seca e de terra firme nas épocas de cheia. A renda é mais alta nesse sistema integrado, pois os animais não ficam confinados em marombas. A manutenção dos animais na várzea em marombas, na época de cheia do rio, provoca perda de peso dos animais, mortes e retardamento da idade de abate e da primeira cria, ocasionando prejuízos (Costa et al., 1987).

A segunda tendência nessas duas regiões é o aumento da participação dos búfalos na composição do rebanho. Os búfalos são animais mais rústicos e melhor adaptados a esses ecossistemas. Além disso, possuem uma taxa de mortalidade inferior e uma taxa de natalidade maior, quando comparados aos bovinos nessas condições (Carvalho e Nascimento, 1986). Na ilha de Marajó, o rebanho bubalino cresceu a taxas anuais de 7,4% durante 1970 e 1985 (vs. 0,08% de bovinos). Na região de várzea do Baixo Amazonas, o rebanho bubalino, em 1985, era oito vezes maior do que em 1970 (crescimento anual de 15% vs. 4,2% de bovinos) (IBGE, 1970 e 1985).

A criação de búfalo também gera uma renda maior. Na ilha de Marajó, por exemplo, os bubalinos são quase 70% mais produtivos do que os bovinos, 34 kg vivo/ha, vs. 20 kg vivo/ha, mesmo considerando uma lotação de pasto inferior (0,3 vs. 0,5 cab./ha). A diferença nos lucros também é grande (US$ 0,0/ha, para um rebanho hipotético composto somente por bovinos vs. US$ 5/ha, para um rebanho composto somente por búfalos; Tabela 4).

Essa grande diferença é gerada pelos custos de capital. Esses custos são significativamente maiores para um rebanho de bovinos, pois eles requerem mais de quatro anos para atingir o peso de abate, enquanto os búfalos atingem esse estágio em menos de três anos com um peso maior. Assim, uma fazenda na ilha de Marajó que criasse apenas bovinos teria ganhos suficientes somente para remunerar o capital investido. Por outro lado, uma fazenda com bubalinos teria lucro, apesar de o preço pago pelo animal vivo ser menor (US$ 0,45 contra US$ 0,55/kg vivo) (Tabela 4).

Era necessário muito investimento para o estabelecimento das fazendas de criação de gado

Tabela 4. Comparação de produtividade, custos e lucros entre bovinos e bubalinos criados em sistema de cria-recria-engorda nos campos naturais da ilha de Marajó, Estado do Pará.

A terceira tendência que queremos destacar está relacionada à expansão da pecuária entre os pequenos criadores em terra firme. O grupo de criadores com menos de 200 animais detinha, em 1980, 28% do total de bovinos do Estado do Pará. Em 1985, sua participação subiu para 33%. O número de cabeças nesse grupo cresceu duas vezes mais do que o rebanho em geral (53% vs. 27%), durante o mesmo período (IBGE, 1980 e 1985).

A pecuária oferece bons atrativos econômicos para os pequenos criadores. O lucro dos pequenos fazendeiros especializados em pecuária leiteira, por área de pasto (US$ 23/ha), era três vezes maior do que o lucro dos médios e grandes pecuaristas de corte (Tabela 2). A pecuária também oferece vantagens em relação à pequena agricultura na Amazônia. A produtividade do trabalho na pecuária é geralmente maior do que no plantio de culturas anuais. O risco de perda da produção é baixo; a comercialização e o transporte são fáceis; há a possibilidadede vender o animal em qualquer idade; além de o preço dos animais geralmente acompanhar a inflação (Topall, 1991; Hecht, 1993).

O gado pode desempenhar um papel importante como fator de diversificação do sistema agrícola do pequeno produtor e no desenvolvimento de propriedades familiares sustentáveis. No nordeste paraense, observamos que os pequenos fazendeiros cercam temporariamente as áreas abandonadas de cultivo. Estes utilizam as cercas para prender seus pequenos rebanhos durante a noite por um ou dois meses. Em seguida, revolvem a terra para aproveitar os nutrientes contidos no esterco e plantam milho, mandioca e outras culturas anuais. Essa prática resulta em solos sadios e boa produção agrícola, por causa do equilíbrio proporcional entre terra, gado e área agrícola.

Os pequenos agricultores parecem estar aptos a manejar efetivamente o rebanho e tirar vantagens do esterco rico em nutrientes. Esse esterco pode ser utilizado para fertilizar culturas anuais, como nos exemplos acima. Porém, também observamos casos em que o esterco era decomposto e utilizado em plantas frutíferas. Em reconhecimento ao importante papel da pecuária na diversificação e intensificação da agricultura familiar na Amazônia, o governo começou a oferecer linhas de crédito para compra e manutenção de bovinos para esse grupo.

A pecuária na Amazônia dentro do contexto nacional

A maioria dos pecuaristas instalados na Amazônia, particularmente pequenos e médios, não recebeu qualquer tipo de incentivos fiscais ou de crédito (Browder, 1988; Hecht, 1993). Apenas quatro dos 47 pequenos e médios fazendeiros que entrevistamos no Sul do Pará receberam incentivos e ou crédito subsidiado. Essas pessoas criavam gado porque acreditavam que essa região possuía mais vantagens em relação a outras regiões do Brasil. No que diz respeito ao clima, esses fazendeiros observaram que: i) não ocorrem geadas como no Sul e em algumas localidades do Centro-Sul do País; e ii) a maior pluviosidade da região aumenta a disponibilidade de capim durante o ano. Além disso, citaram que a incidência de doenças endêmicas (febre aftosa, brucelose etc.) e de ectoparasitas como carrapatos e bernes é menor no Estado do Pará. Os solos de terra firme na Amazônia Oriental são semelhantes aos de outras regiões de criação (por exemplo, cerrados) do Centro-Sul do Brasil – latossolos de baixa fertilidade e alta acidez (Adámoli, et al., 1985).

Outro importante fator que atrai fazendeiros de outros Estados para a região é o baixo preço da terra comparado às outras regiões de criação do Brasil. O aumento no plantio de culturas, tanto para exportação como para o mercado interno (por exemplo, soja e milho; Schneider, 1992), tem ocasionado, nas últimas décadas, o aumento acentuado do preço da terra no Centro-Sul do Brasil. O preço médio das pastagens nos Estados de São Paulo, Minas Gerais e Goiás, de onde a maioria dos fazendeiros veio, era 3,7 vezes superior ao preço médio da terra no Pará no início da década de 90. Diante dessa situação, alguns fazendeiros do Centro-Sul tendem a vender suas terras e estabelecer fazendas maiores no Sul do Pará (Schneider, 1992). Em nossa pesquisa, 44% dos pequenos e 28% dos médios fazendeiros venderam suas fazendas em outros Estados e investiram no Pará. Além disso, 48% dos médios e 53% dos grandes e muito grandes proprietários ainda possuem fazendas em seus Estados de origem.

No Sul do Pará, os animais são vendidos para comerciantes que levam o gado vivo para mercados no Centro e Nordeste do Brasil. O preço dos animais nessas regiões é US$ 0,05/kg vivo mais baixo que o recebido nas regiões centrais, por causa do custo do transporte. Baixos preços da terra e, conseqüentemente, baixos custos de capital explicam, em boa parte, por que os fazendeiros da Amazônia Oriental são capazes de competir no mercado nacional, mesmo estando longe dos centros consumidores.

Possibilidades de uma criação sustentável na Amazônia

O principal fator a ser examinado na questão da sustentabilidade da pecuária na Amazônia é a capacidade das pastagens, naturais e plantadas, de manter o nível de produção. As pastagens naturais, tanto na ilha de Marajó como nas várzeas do rio Amazonas, são utilizadas há centenas de anos (Teixeira, 1953; Lins, 1991). Deste modo, caso continuem sendo utilizadas sem sobrepastejo, a produtividade é capaz de manter-se. Contudo, a expansão do rebanho bubalino nessas áreas deve ser monitorada. Os búfalos, por causa de seu maior peso e menor seletividade de alimentos, danificam mais os ambientes alagados. Além disso, o seu hábito de andar em fila pode abrir canais e interferir nos padrões hidrológicos e de drenagem. Não conhecemos nenhum estudo que examina os impactos ambientais dos búfalos, entretanto esse tipo de trabalho é necessário.

Também é difícil avaliar a possibilidade de uma pecuária sustentável em áreas de terra firme. Iniciamente, a pecuária em terra firme não teve muito sucesso. As pastagens infestaram-se de ervas daninhas. Os níveis de fósforo no solo, após cinco anos de estabelecimento da pastagem (Hecht, 1985), decaíram de 4-10 ppm para níveis inadequados de menos de 1 ppm. Algumas gramíneas também foram severamente atacadas por insetos (por exemplo, cigarrinha em Brachiaria humidicula). Além disso, tais pastagens, conhecidas como “primeira geração”, eram freqüentemente submetidas ao sobrepastejo.

No início da década de 80, alguns fazendeiros começaram a recuperar suas pastagens degradadas. A reforma de pasto consiste em derrubar a vegetação invasora, destocar, gradear a área, plantar forragens melhoradas e, algumas vezes, fertilizar. Os custos totais da reforma no início da década de 90 era US$ 260/ha (Mattos e Uhl, 1994). Após a recuperação dessas pastagens, a aplicação de fertilizantes fosfatados seria necessária em algumas áreas, talvez em intervalos de cinco anos para manter o seu vigor. Essas pastagens reformadas suportam uma lotação maior (1 cab./ha), e os animais atingem o peso de abate cerca de seis meses antes, por causa da maior produtividade dos pastos (Mattos e Uhl, 1994). A manutenção da produtividade a longo prazo dependerá da viabilidade econômica de, inicialmente, recuperar essas pastagens e, posteriormente, mantê-las em estado produtivo.

A viabilidade de recuperar os pastos e mantê-los produtivos no futuro dependerá em boa parte dos preços relativos de quatro elementos: maquinário agrícola, fertilizantes, bois e terra. Os preços dos maquinários agrícolas e fertilizantes representam 83% dos custos de recuperação das pastagens. Nos últimos anos, os preços de maquinários agrícolas aumentaram, enquanto o preço dos fertilizantes declinaram (Figura 4). O retorno com a venda de bois, por sua vez, representa a principal fonte de renda resultante dos investimentos em reforma de pasto. No início da década de 90, o preço dos bois estava relativamente constante, após um período de queda no final da década de 80 (Figura 4). De acordo com Oliveira (1991), o baixo poder aquisitivo da população, juntamente com o baixo crescimento da economia brasileira e a expansão da avicultura, fizeram reverter a tendência de alta dos preços observada na década de 80. Caso o preço do boi declinasse ainda mais e o dos fertilizantes e maquinários aumentasse, a recuperação das pastagens não seria possível. Por outro lado, um aumento no preço do boi e ou declínio nos preços dos fertilizantes e máquinas criariam uma situação ainda mais favorável para a reforma e manutenção dos pastos.

A disponibilidade e o preço da terra na Amazônia Oriental também afeta a possibilidade de intensificação das práticas pecuárias. O valor, tanto das florestas como das pastagens, aumentou 40%-80% entre meados da década de 80 e meados da década de 90 (de US$ 292 para US$ 427, no caso das pastagens, e de US$ 94 para US$ 180, no caso das florestas; valores reais em dólar de 1993) (Figura 4). Com a melhoria da infra-estrutura nas antigas fronteiras da Amazônia e com a menor disponibilidade de terra, é possível que o seu valor continue aumentando. Na ausência de mudanças drásticas no preço do boi, fertilizantes e máquinas agrícolas, o aumento do valor da terra será o principal fator que conduzirá a práticas mais intensivas de pecuária.

Era necessário muito investimento para o estabelecimento das fazendas de criação de gado

Figura 4. Variações nos preços da terra, gado, fertilizantes e maquinário agrícola no Brasil (FGV/CEA, 1984-1993).

Duas visões de desenvolvimento do setor pecuarista na Amazônia

O modelo falido

A pecuária na Amazônia é lucrativa numa variedade de circunstâncias. Mesmo em sua forma extensiva, essa atividade pode gerar lucros. Portanto, as pressões para aumentar os desmatamentos aparentemente vão continuar. Na região de São Félix do Xingu, por exemplo (Figura 1), madeireiros em busca de mogno abriram cerca de 3.000 km de estradas. Algumas áreas na beira das estradas estão sendo convertidas em fazendas (Veríssimo et al., 1995). Outra zona de expansão é a região do rio Tapajós, onde houve um fluxoimigratório intenso de garimpeiros em busca de ouro. Muitos garimpeiros que tiveram sucesso na busca do ouro investiram seus lucros para estabelecer fazendas de pecuária.

A introdução de culturas agrícolas de exportação também pode afetar a pecuária. Em meados da década de 90, o governo iniciou um projeto para promover a produção de soja no sul e nordeste do Pará (Diário do Pará, 1994). O possível bom desempenho da soja pode deslocar a pecuária para áreas ainda mais periféricas.

O crescimento da economia brasileira (projetado para 7% ao ano no período de 1995-2005; Veja, 1994) poderia provocar um aumento na demanda e no preço da carne que, por sua vez, estimularia a conversão de mais floresta em pastagens, particularmente se a terra em áreas de fronteira permanecerem disponíveis. O resultado dessas várias forças atuando juntas seria a continuação da ocupação desordenada das terras na Amazônia.

Um modelo alternativo

Há um modelo alternativo ao modelo falido descrito acima. Para concebê-lo, torna-se necessário considerar o valor da floresta amazônica que está sendo removida para dar lugar às pastagens. A apreciação do valor do ecossistema florestal aumenta à medida que conhecemos melhor a floresta. Alguns valores são óbvios. Por exemplo, a floresta contém estoques enormes de madeiras valiosas. Com o declínio dos estoques de madeira na Ásia, a Amazônia pode suprir o mercado mundial de madeira, desde que essas florestas não sejam convertidas em pastagens. A floresta amazônica também está sendo valorizada pelos Produtos Florestais Não-Madeireiros (PFNM). As espécies de plantas da floresta oferecem uma gama de fibras, óleos, corantes, resinas, alimentos e plantas medicinais. Esforços para identificar esses produtos, desenvolver produções sustentáveis e estratégias de comercialização existem e são promissores. Finalmente, as florestas intactas estão começando a ser valorizadas pelos serviços que prestam. Um desses serviços inclui a estocagem de carbono que protege a Terra do aquecimento global. O corte e queima das florestas para estabelecimento de pastagens contribui para o aquecimento da Terra, pois resulta na emissão de carbono. O valor da manutenção da atmosfera estável pode ser expresso em termos monetários. Schneider (1993) recomenda que os países do hemisfério norte considerem a possibilidade de pagar pela preservação das florestas dos países amazônicos, uma vez que estes são depósitos de carbono e prestam um serviço global.

Há vinte anos, nenhum desses valores significativos era atribuídos, à floresta amazônica. Naquela época, prever a valorização da floresta pela sua biodiversidade e regulação climática era expressar uma atituderomântica. Mesmo recentemente, no início da década de 80, as florestas foram convertidas em pastagens sem a preocupação em extrair a madeira que continham. É evidente que ainda não possuímos um entendimento complexo e uma apreciação maior dos valores da floresta. Assim, não podemos julgar efetivamente se é prudente ou não converter floresta em pastagem, pois seu valor ainda não é completamente mensurado pelos proprietários, governo e sociedade em geral. Embora sejamos incapazes de mensurar completamente esses ecossistemas, parece provável que seu valor aumente num futuro próximo.

Reconhecer que as florestas amazônicas ainda não foram completamente valorizadas não é, obviamente, uma razão para banir a pecuária da Amazônia. Mostramos que a pecuária pode ser lucrativa e que a sua intensificação é possível. Na verdade, se toda a área já desmatada para pecuária e que está atualmente abandonada fosse recuperada, as pastagens do Estado do Pará poderiam suportar o dobro do rebanho atual. Isso é possível quando adotamos medidas para manter a cobertura vegetal e a biodiversidade e criamos, ao mesmo tempo, condições que permitam o crescimento da pecuária.

O primeiro passo para o desenvolvimento de um modelo alternativo para a ocupação das terras e manejo dos recursos é reconhecer que as áreas florestadas são, provavelmente, muito valiosas para serem convertidas em pastagens e que o setor pecuarista pode continuar crescendo (duplicar), simplesmente através da intensificação da criação nas terras já desmatadas.

Além dos investimentos na recuperação dos pastos, os investimentos em infra-estrutura, particularmente estradas, poderiam ajudar na promoção da intensificação da pecuária. Há necessidade de uma rede intensiva de estradas que liguem as fazendas ao mercado (Schneider, 1994). Essas redes diminuem os custos de transporte e melhoram os serviços. A melhoria da infra-estrutura aumenta o valor da terra e, conseqüentemente, promove a intensificação.

Uma alternativa viável para a ocupação desordenada do Pará descrita no modelo falido necessitará de medidas que dêem atenção à posse e ao domínio das áreas devolutas. (Na ausência de uma visão estadual ou federal para essas terras, muitas delas serão simplesmente tomadas por interesses privados.) O governo pode exercer autoridade sobre essas áreas não tituladas, as quais poderiam ser transformadas em Florestas Estaduais, Reservas Extrativistas e Unidades de Conservação. Como conseqüência, a terra tornar-se-ía mais escassa, ou seja, um ímpeto a mais para a intensificação do seu uso nas propriedades privadas.

Em resumo, com o controle ao acesso a novas áreas, intensificação da pecuária e melhoria da infra-estrutura, o setor pecuarista poderia transformar-se em um catalisador do desenvolvimento da região. O resultado seria o uso mais adequado dos recursos naturais, melhor qualidade de vida e manutenção da biodiversidade.

AGRADECIMENTOS

Queremos agradecer aos fazendeiros que se dispuseram a participar deste estudo, especialmente a Paulo Acatauassu, pela assistência dada na ilha de Marajó. Agradecemos também a Jonas Bastos (Embrapa – Cpatu), pelas informações prestadas; a Harrison Pollak, pela ajuda no trabalho de campo; a Michael Collins, Ana Cristina Barros, Oriana Almeida e John Browder, por reverem versões anteriores; a Flávio Figueiredo, pela confecção das figuras; e a Fundação Ford, WWF (Fundo Mundial para a Natureza) e ODA, pelo apoio financeiro.

EPÍLOGO

Entre novembro de 1999 e maio de 2000, pesquisadores do Imazon fizeram um levantamento de custos de produção e rentabilidade da pecuária nos principais centros de criação de gado bovino na Amazônia. Em geral, a pecuária continua com as mesmas características de seis anos atrás. Algumas diferenças observadas foram as seguintes: i) as lotações de pasto estão mais altas (cerca de uma cabeça por hectare) em relação ao estudo feito em 1993; ii) é crescente o número de fazendeiros reformando as pastagens. Essa reforma de pasto consiste apenas em remover as plantas invasoras, gradear a área e plantar braquiarão (Bachiaria brizantha), sem utilizar fertilizantes químicos.

A maioria dos pecuaristas ainda cria os animais com a mesma tecnologia descrita no texto, e a Taxa Interna de Retorno desses empreendimentos é de aproximadamente 4%-5%. Fazendeiros que optam por uma tecnologia mais intensiva e cara (ou seja, utilização de inseminação artificial, divisão maior dos pastos, uso mais intenso de produtos veterinários) estão obtendo um retorno de investimento entre 10% e 15%.

A produção de grãos, em particular soja, já ocorre na Amazônia. A possibilidade de asfaltamento da Rodovia Cuiabá-Santarém deu início a um processo especulativo de compras de terras. A região oeste do Pará, que até então vinha sofrendo apenas pressão madeireira, poderá tornar-se a nova fronteira agrícola da Amazônia tanto para produção de grãos como para a produção de carne.

ANEXOS

Anexo 1. Composição de um rebanho bovino e bubalino em equilíbrio nos campos da ilha de Marajó.

Era necessário muito investimento para o estabelecimento das fazendas de criação de gado

A) Rebanho bovino em fazendas de cria-recria-engorda.

Era necessário muito investimento para o estabelecimento das fazendas de criação de gado

B) Rebanho bubalino em fazendas de cria-recria-engorda.

 
Anexo 2. Análise econômica da pecuária extensiva em sistema tradicional de cria-recria-engorda na região dos campos da ilha de Marajó e várzea do baixo Amazonas, Estado do Pará.

Era necessário muito investimento para o estabelecimento das fazendas de criação de gado

Anexo 2

1 Valores originalmente em cruzeiros, convertidos em dólar utilizando o câmbio oficial do mês de jun/93 (FGV). US$ 1,00 = CR$ 48,16.

2 Considerando uma fazenda típica da região dos campos da ilha de Marajó com 2.230 animais bovinos e 432 bubalinos, criados em 5.573 ha de pasto natural.

3 Considerando uma fazenda típica da região de várzea do médio rio Amazonas com 473 animais bovinos e 267 bubalinos, criados em 483 ha de pastagens plantadas em terra firme e em pastagens naturais de várzea.

4 Referente à venda de 145 bois e 4 touros ao preço de US$ 0,55/kg vivo; 109 vacas ao preço de US$ 0,50/kg vivo; 57 búfalos ao preço de US$ 0,45/kg vivo; 1 touro bubalino ao preço de US$ 0,45/kg vivo e 53 búfalas ao preço de US$ 0,40/kg vivo. Consideram-se os animais com peso médio de 347 kg para os bois; 450 kg para os touros; 307 kg, para as vacas; 402 kg, para búfalos; 700 kg, para os touros bubalinos e 469 kg, para as búfalas de descarte.

5 Consumo médio de 51 sacos de sal mineral ao preço de US$ 10,18/ saco. Apenas animais em fase terminal de engorda ou aqueles que estão debilitados recebem complemento mineral durante o período seco do ano.

6 Uso de 105 doses de vacina contra brucelose ao preço de US$ 0,23/dose; 1050 doses de vacina contra febre aftosa ao preço de US$ 0,70/dose; 2105 doses contra botulismo ao preço de US$ 0,12/dose; e 1180 doses de vermífugos ao preço de US$ 0,79/dose. Aplicam-se vacinas e vermífugos apenas nos animais que estão debilitados e em bezerros.

7 Compra anual de cinco touros ao preço de US$ 500/touro. Esses animais não são registrados e são adquiridos em fazendas na área de terra firme.

8 Referente ao pagamento de dois gerentes (feitores) com salário de US$ 150/mês e de oito vaqueiros com salário de US$ 72/mês. Considera-se o pagamento do 13º salário.

9 Considerando o pagamento de 225 diárias ao preço de US$ 3/diária. Os empregados temporários são contratados durante o período de estiagem para consertar cercas e currais, ajudar na ferra dos animais, etc.

10 Considerando que o proprietário faz em média 12 viagens à fazenda, sendo duas por avião, de Belém até a fazenda, ao preço de US$ 220/viagem. O transporte também pode ser feito por barcos alugados ou de linha. Nesse caso, o custo é aproximadamente US$ 450/viagem. O transporte por veículos é possível somente durante os meses secos do ano e em algumas localidades.

11 Referente ao pagamento do frete do barco para transportar os animais das fazendas até o matadouro em Belém ao preço de US$ 10,30/cab.

12 Considerando o consumo de 3.445 litros/ano de óleo diesel ao preço de US$ 0,31/litro.

13 Referente ao pagamento de Imposto Territorial Rural (ITR).

14 As fazendas possuem em média 38 km de cercas (n=16; s.d.=28) com cinco fios de arame. Os dois fios de baixo duram em média 3 anos e os de cima, em média, 6 anos. Em cada quilômetro de cerca são necessárias 500 estacas com vida útil de 10 anos, portanto, em 1 km de cerca é necessário trocar anualmente: 1,17 km de arame, 50 estacas e 2 kg de grampos. O arame liso custa US$ 64,8/km; o preço da estaca é US$ 0,83/unid.; e o quilo do grampo custa US$ 1,67/kg. Depreciação de 1 km = US$ 120,65.

15 As fazendas possuem um curral com divisões de 625 m² ao preço de US$ 6,2/m² e quatro currais simples de madeira roliça com 350 m²/cada ao preço de US$ 1,22/m² (Basa, Ag. Belém). A vida útil dos currais é 15 anos.

16 Considerando o custo de construção de uma casa sede em madeira de lei com 150 m² ao preço de US$21,83/m² e a construção de quatro casas para vaqueiros em madeira de lei com 56 m² cada ao preço de US$ 16,94/m² e vida útil 20 anos (Basa, Ag. Belém).

17 Cada fazenda possui seis represas (n=13; s.d.=6) para armazenar água durante a estação seca. O custo para construção de uma represa com vida útil de 10 anos é de US$ 1.100/represa (Basa, Ag. Belém).

18 As fazendas nos campos da ilha de Marajó possuem um conjunto moto-gerador com vida útil de 10 anos ao preço de US$ 3.390/unid.; duas bombas hidráulicas com vida útil de 5 anos ao preço de US$ 266/cada; sete cata-ventos (n=19; s.d.=6) com vida útil de 15 anos ao preço de US$ 1.040/cada; e um trator de pneu (61 hp) com vida útil de 15 anos ao preço de US$ 21.600, valor de sucata igual a US$2.160.

19 Proveniente da venda anual de 44 bois e 1 touro ao preço de US$ 0,57/kg vivo; 38 vacas ao preço de US$ 0,55/kg vivo; 35 búfalos ao preço de US$ 0,53/kg vivo e 33 búfalos ao preço de US$ 0,50/kg vivo. Consideraram-se os animais com peso médio de 353 kg para os bois (n=23; s.d.=37); 600 kg para os touros; 303 kg para as vacas (n=8; s.d.=69); 420 kg para os búfalos (n=16; s.d.=60); e 470 kg para as búfalas.

20 Referente ao consumo de 86 sacos de sal comum (25 kg/saco) ao preço de US$ 2,21/saco e 29 sacos de sal mineral (25 kg/saco) ao preço de US$ 18,67/saco. A mineralização do gado só é feita em terra firme durante seis meses ao ano, considerando um consumo de 25,94 g/cab/dia (n=25; s.d. =29).

21 Referente ao uso de 96 doses de vacina de brucelose ao preço de US$ 0,30/dose; 1.480 doses de vacinas contra aftose ao preço de US$ 0,78/dose; uso de 1.648 doses de vermífugos ao preço de US$0,92/dose.

22 Considerando a reposição de dois touros por ano ao preço de US$ 500/touro. Esses animais não são registrados e são adquiridos na própria região.

23 Referente ao pagamento de três vaqueiros com salário médio mensal de US$ 70. Está incluído o 13º salário.

24 Referente ao pagamento da empreita para limpeza anual dos pastos plantados na região de terra firme ao preço de US$ 11,54/ha. Portanto, 483 ha de pasto x US$ 11,54 = US$ 5.574.

25 Considerando que o proprietário faz 34 viagens/ano (20 vezes em cinco meses de inverno e 14 vezes em sete meses de verão) para a área de terra firme, percorrendo 84 km (trecho ida/volta, n=18; s.d.=16), gastando em média 2,8 horas num carro de passeio tipo pick-up. O custo foi calculado em US$ 9,81/hora (Funtac, 1990).

26 Referente ao pagamento do frete da balsa para transportar o gado da várzea para terra firme e vice-versa, considerando que se gasta em média 10,5 horas/viagem ao preço de US$ 46,62/hora. Cada balsa transporta cerca de 250 animais. Portanto, são necessárias três viagens duas vezes ao ano, totalizando seis viagens.

27 Gasto com óleo diesel em viagens de barco para as propriedades na várzea, considerando 12 viagens/ano com um consumo médio de 25,31/viagem (A. Barros, comunicação pessoal) mais o consumo de 200 litros/ano em motores geradores de eletricidade. O preço do óleo diesel é US$ 0,31/litro.

28 Referente ao Imposto Territorial Rural (ITR), considerando somente a área de terra firme.

29 As fazendas em terra firme possuem em média 22 km de cerca. O custo da cerca é US$ 603,30/km (Basa, Ag. Santarém) e a sua vida útil estimada é 10 anos. Portanto, 22 x US$ 603 ÷ 10 = US$ 1.327.

30 As propriedades possuem em média um curral simples na várzea com 625 m² e um curral com divisões medindo 900 m² em terra firme. O custo de construção do curral simples de madeira roliça é US$ 1,30/m² e do curral de madeira serrada com divisões, US$ 6,39/m² com vida útil estimada em 15 anos (Basa. Ag. Santarém). Depreciação anual = (US$ 1,30 x 625 ÷ 15) + (US$ 6,39 x 900 ÷ 15)= US$ 438.

31 Considerando o custo para construção de duas casas sede em madeira de lei (uma na várzea e outra em terra firme) com 150 m² e 100 m², respectivamente, ao preço de US$ 13,95/m² (Basa. Ag. Santarém). Estimando a vida útil das casas em 20 anos temos que a depreciação total = (US$ 24,47 x 250 ÷ 20) + (US$ 13,95 x 4 x 70 ÷ 20) = US$ 501.

32 As fazendas em terra firme possuem em média 15 divisões de pasto. Considerando uma porteira em cada pasto ao preço de US$ 54/porteira e vida útil de 10 anos (Basa. Ag. Santarém). Depreciação anual: US$ 54 x 15 ÷ 10 = US$ 81. Os cochos sem cobertura custam US$ 57/cada e têm uma vida útil de 15 anos (Basa. Ag. Santarém). Cada fazenda possui cerca de sete cochos. Depreciação anual: US$ 57 x 7 ÷ 15= US$ 27. Total = US$ 108.

33 As fazendas na região de terra firme possuem um conjunto moto-gerador ao custo de US$ 3.150/unidade com vida útil de 10 anos, e uma bomba d’água ao preço de US$ 275/unidade com vida útil de 5 anos. Total = (US$ 3.150 ÷ 10) + (US$ 275 ÷ 5)= US$ 370.

34 Os custos de capital foram calculados sobre as infra-estruturas, máquinas e rebanho, utilizando o preço médio ao longo da vida útil de cada bem de capital (exceto rebanho que não deprecia) multiplicado pela taxa de 6%. O custo de capital sobre terra e pastos não foi incluído, pois seu valor pode aumentar a longo prazo, representando um ganho. O custo da terra está incluído na análise de valor presente líquido.

Anexo 3. Análise econômica das fazendas de pecuária de diferentes tamanhos na região de terra firme no Sul do Pará.

Era necessário muito investimento para o estabelecimento das fazendas de criação de gado

Anexo 3

1 Valores expressos em dólar comercial utilizando o câmbio médio do mês de junho/93 da FVG (US$1,00 = CR$ 48,16.). As notas de rodapé são referentes às pequenas e médias propriedades. Explicações adicionais sobre as grandes fazendas podem ser obtidas com o primeiro autor.

2 Proveniente da venda anual de 19 bezerros, 9 vacas pesando 421 kg e 8 novilhas. Em média, são ordenhadas 31 vacas por dia, produzindo 4 litros de leite por vaca ordenhada. Os bezerros são vendidos ao preço de US$ 150/cab.; as novilhas, a US$ 120/cab.; as vacas, a US$ 0,60 /kg vivo; e o litro de leite, ao preço de US$ 0,15/litro. Total: (19 x 150) + (8 x 115) + (9 x 421 x US$ 0,60) + (25 x 5 x 365 x 0,15 ) = US$ 12.887.

3 Considerando o consumo de 42 sacos de sal comum ao preço de US$ 2,20/saco e 11 sacos de sal mineral ao ano ao preço de US$ 17/saco, o que equivale a um consumo diário de 28, 6 g/cab./dia (n=22; s.d. = 11). Total: (42 x 2,20) + (11 x 17) = US$ 279.

4 Considerando 22 doses de vacinas contra brucelose ao preço de US$ 0,25/dose; 252 doses de vacina contra febre aftosa ao preço de US$ 0,62/dose; 88 doses contra carbúnculo sintomático ao preço de US$ 0,06/dose; uso de 252 doses de vermífugos ao preço de $ 1,87/dose; e 504 aplicações de carrapaticida ao preço de US$ 0,42/aplicação. Total: = US$ 850.

5 Considerando a compra de 0,6 touro anualmente ao preço de US$ 600/touro.

6 Considerando o pagamento de um vaqueiro com salário de US$ 72,88/mês. Considera-se o pagamento do 13º salário. Total = US$ 947.

7 Considerando a contratação de mão-de-obra empreitada para limpeza manual de 162 ha de pasto (1/3 da área de braquiarão mais as outras áreas de pasto), ao preço de US$ 12,53/ha, e para construir 7 km de aceiros, ao preço de US$ 27,82/km. Total: = US$ 2.201.

8 Considerando que são necessários dez recipientes de plástico com capacidade de 25 litros cada ao preço de US$ 30/recipiente e vida útil de 2 anos. Depreciação anual: 10 x 30/2 = US$ 150.

9 As fazendas possuem em média 7 km de cerca (n= 1; s.d. = 3). O custo da cerca é US$ 527/km e sua vida útil é estimada em 10 anos. Portanto US$ 527 x 7 km ÷ 10 anos = US$ 370.

10 Considerando que as fazendas possuem um curral simples de 385 m² com vida útil de 15 anos. O custo de construção do curral simples é US$ 4,40/m² (Basa. Ag. Conc. Araguaia). Depreciação anual (385 x 4,40/15) = US$ 113.

11 Considerando o custo para construção de uma casa sede com 80 m² em alvenaria ao custo de US$ 59,60/m² e uma casa de madeira de lei para o vaqueiro com 60 m² ao custo de US$ 20/ m² ambas com vida útil de 20 anos. Depreciação anual: (80 x 59,6/20) + (60 x 20/20) = US$ 298.

12 As fazendas possuem em média oito pastos (n=17). Considerou-se uma porteira em cada pasto ao preço de US$ 60/cada (Basa) com vida útil de 10 anos. Depreciação anual: 60 x 8/10 = US$ 48.

13 Considerando um cocho simples em cada divisão de pasto ao preço de US$ 26/cocho (Basa) com vida útil de 15 anos. Depreciação anual: 26 x 8/15 = US$ 14.

14 O custo para construção de uma represa pequena é de US$ 730/represa (entrevistas). As fazendas possuem em média três represas com vida útil aproximada de dez anos. Depreciação anual: 730 x 3/10 = US$ 220.

15 Proveniente da venda anual de 161 bois, 149 vacas e 3 touros, pesando 495 kg (n=33; sd=32,1), 421 kg (n=17; sd=35) e 680 kg (n=4), respectivamente, ao preço de US$ 0,70/kg, para os machos, e 0,60/kg para as fêmeas. Total: (161 x 495 x 0,7) + (149 x 421 x 0,6) + (3 x 680 x 0,7) = US$94.852

16 Considerando o consumo de 498 sacos de sal ao preço de US$ 2,20/saco e 166 sacos de sal mineral ao ano ao preço de US$ 17/saco, o que equivale a um consumo diário de 28,6 g/cab./dia (n=22;s.d.=11) Total: (498 x 2,20) + (166 x 17) = US$ 3.918

17 Considerando 193 doses de vacinas contra brucelose ao preço de US$ 0,25/dose; 3.180 doses de vacina contra febre aftosa ao preço de US$ 0,62/dose; 772 doses contra carbúnculo sintomático ao preço de US$ 0, 06/dose; uso de 3.180 doses de vermífugos ao preço médio de US$ 1,87/dose e 3.180 aplicações de carrapaticida ao preço de US$ 0,42/aplicação. Total = US$ 9.348.

18 Considerando a compra anual de três touros não registrados ao preço de US$ 600/touro.

19 Considerando o pagamento de três vaqueiros com salário de US$ 72,88/mês e de um tratorista/gerente com salário de US$ 182,20/mês. Considera-se o pagamento do 13º salário. Total = US$ 5.211.

20 Considerando a contratação e mão-de-obra empreitada para limpeza manual de 1.112 ha de pasto (exceto área de braquiarão, onde é feita a capina mecânica), ao preço de US$ 12,53/ha, e para construir 78 km de aceiros nas cercas contra fogo, ao preço de US$ 27, 82/km. Total = US$ 16.103.

21 Gasto de 8,420 litros/ano de diesel ao preço de US$ 0,31/litro.

22 Referente ao pagamento do Imposto Territorial Rural (ITR).

23 As fazendas possuem em média 78 km de cerca (n=26; s.d.=84). O custo da cerca é de US$ 527/km (Basa) e sua vida útil é estimada em 10 anos. Portanto US$ 527 x 78 km ÷ 10 anos = US$ 4.110.

24 Considerando que as fazendas possuem um curral simples de 670 m² e um curral completo com divisões, balança e tronco de contenção de 1.330 m². O custo de construção do curral simples é US$ 4,40/m² e do curral completo, US$ 8,30/m², ambos com vida útil de 15 anos (Basa. Ag. Conc. Araguaia). Depreciação anual: (670 x 4,40/15) = (1.330 x 8,30/15) = US$ 932.

25 Considerando o custo para construção de uma casa sede com 150 m2 em alvenaria ao custo de US$59,60/m² e duas casas para os vaqueiros também de alvenaria com 80 m²/cada ao custo de US$34,68/m² com vida útil de 20 anos. Depreciação anual: (150 x 59,6/20) + (80 x 2 x 34,68/20) =US$ 725.

26 As fazendas possuem em média 30 pastos (n=28). Considerou-se uma porteira em cada pasto ao preço de US$ 60/cada (Basa) com vida útil de 10 anos. Depreciação anual: 60 x 30/10 = US$ 180.

27 Considerando um cocho coberto em cada divisão de pasto ao preço de US$ 70/cocho (Basa) com vida útil de 15 anos. Depreciação anual: 70 x 30/15 = US$ 140.

28 O custo para construção da estrada interna é US$ 607/km (Basa). Considerou-se que anualmente reformam-se 20% dos 10,5 km de estradas internas da fazenda (n=20; sd=9,5). Manutenção: 607 x 10,5 x 0,2 = US$ 1.275.

29 O custo para construção de uma represa é US$ 1.100/represa (entrevistas). As fazendas possuem em média dez represas com vida útil aproximada de 10 anos. Depreciação anual: 1.100 x 10/10 = US$ 1.100.

30 As fazendas possuem um conjunto gerador e uma bomba hidráulica. O preço do conjunto gerador US$ 3.156/conjunto com vida útil de 10 anos e o da bomba é US$ 266/bomba com vida útil de 5 anos Depreciação anual: 3156/10 + 266/5 = US$ 370.

31 As fazendas possuem um veículo tipo caminhonete e um trator de pneu. Considerando o custo da caminhonete de US$ 27.000 com vida útil de 5 anos e valor de sucata de US$ 5.400; o custo do trator de pneu (61 hp) é US$ 21.600 com vida útil de 10 anos e valor de sucata de US$ 2.160. Depreciação anual: (27.000 – 5.400)/5 + (21.6000 – 2160)/10 = US$ 6.265.

32 As propriedades grandes e muito grandes possuem maquinário próprio para reformar as estradas e construir e manter represas. Esses custos já estão incluídos nos itens: óleo diesel, depreciação de tratores e veículos e mão-de-obra.

33 Os custos de capital foram calculados sobre as infra-estruturas, máquinas e rebanho, utilizando o preço médio ao longo da vida útil de cada bem de capital (exceto rebanho que não deprecia) multiplicado pela taxa de 6% (notas de rodapé de 9 a 14 e 23 a 30). Não inclui o custo de capital sobre terra e pastos, pois seu valor pode aumentar a longo prazo, representando um ganho.

Que fatores econômicos levaram a interiorização da criação do gado durante o período colonial?

Resposta: As condições do relevo e da vegetação desse espaço motivaram a fundação de fazendas de gado voltadas para o abastecimento de vários centros urbanos, formados nesse período. Além do charque, um tipo de carne seca, os pecuaristas dessa região também lucravam com a exportação de couro e animais de transporte.

Em quais locais ocorre a criação de animais no início da colonização?

Os primeiros locais a partir dos quais os vaqueiros deslocaram-se foram os engenhos localizados em Pernambuco e na Bahia. Eles buscaram seguir o rumo contrário do sentido do Rio São Francisco, que passou a ser conhecido como “Rio dos Currais”.

Por que o litoral do Nordeste não havia espaço para a criação de gado?

Cresciam os conflitos provocados pela penetração de animais em plantações. Por essa razão a Coroa portuguesa, pela Carta Régia de 1701, proibiu a criação numa faixa de 10 léguas da costa, protegendo os interesses dos senhores de engenho, que eram também os seus.