O que há de ironia no texto Versos íntimos?

Vês?! Ninguém assistiu ao formidável (A)
Enterro de tua última quimera.(B)
Somente a Ingratidão - esta pantera –(B)
Foi tua companheira inseparável! (A)


Acostuma-te à lama que te espera! (B)
O Homem, que, nesta terra miserável, (A)
Mora, entre feras, sente inevitável (A)
Necessidade de também ser fera.(B)

Toma um fósforo. Acende teu cigarro! (C)
O beijo, amigo, é a véspera do escarro, (C)
A mão que afaga é a mesma que apedreja.(D)

Se a alguém causa inda pena a tua chaga, (E)
Apedreja essa mão vil que te afaga,(E)
Escarra nessa boca que te beija!(D)

Este poema de Augusto de Anjos foi considerado um dos cem melhores brasileiros do século XX.

Do ponto de vista formal, o texto se caracteriza como soneto clássico. Para chegarmos a esta afirmação, basta observar o esquema métrico - os versos são decassílabos – e o esquema rítmico – as rimas são regulares (ABBA; BAAB; CCD; EED). Lembre-se o soneto apresenta sempre a estrutura fixa 2 (dois) quartetos e 2 (tercetos).

Na primeira estrofe, o eu-lírico relaciona a vida social do homem à vida dos animais selvagens, por meio de imagens (lama, terra miserável e fera) que lembram o estilo naturalista, em seu determinismo cientificista e em seu materialismo. Isto sinaliza que o poeta combina elementos tradicionais, próprios de estilos desenvolvidos até o século XX, com elementos que anunciam o Modernismo, iniciado no século XX. Trata-se, portanto, de um autor de transição. Vamos analisar como se dá esta transição.

Os versos que iniciam a segunda e a terceira estrofes apresentam um tom de conselho ou ordem, que é reiterado no desfecho do poema. Este conselho é introduzido pelas as formais verbais “acostuma-te” e “toma”. Na segunda estrofe, o eu-lírico supõe que o leitor se acostumou a “lama te espera!”, isto mostra uma associação entre o naturalismo e o determinismo, questões da ciência muito presente na literatura no final do século XIX. Repare que o conselho ou ordem da terceira estrofe introduz no poema, de forma inesperada, um tom prosaico, de conversa cotidiana. O verso surpreende o leitor de forma irônica e provocativa, fazendo lembrar o Realismo psicológico de Machado de Assis. Por meio da surpresa, da ironia e da provocação, o eu-lírico procura quebrar a expectativa do leitor, como se o aconselhasse a se preparar para ler a afirmação cruel sobre o ser humano que vem a seguir. Para isso, o eu-lírico utilizou o modo verbal imperativo.

Outro recurso fundamental para fazer o poema cair na graça do público em geral é o vocabulário. O vocabulário escandaliza o leitor acostumado com a poesia parnasiana, incluindo expressões que, do seu ponto de vista, pode ser consideradas “não poéticas”. Observe estes versos, “(...) véspera do escarro,”/”Apedreja essa mão vil (...)”/”Escarra nessa boca (...)” – estas expressões não poderiam ser consideradas poéticas no contexto do Parnasianismo, pois esse estilo literário se caracteriza pelo uso de um vocabulário erudito, com palavras elegantes e amenas.

No poema, o homem, a vida social, a amizade, a solidariedade, afeto (beijo, mão que afaga) transformam-se em ingratidão, terra miserável, fera, desafeto (escarro, mão que apedreja). Duas ações que causam transtorno no leitor são apedreja a mão amiga e cuspa na boca que te beija, ou seja, o eu-lírico recomenda apedrejar a mão vil de quem se recebeu um afago, escarrar na boca de quem se recebeu um beijo.

Na estrofe final, numa leitura mais profunda, podemos pensar que o eu-lírico estar nos advertindo, precavendo-nos contra aquilo que parece nos ordenar e aconselhar a fazer. O recurso estilístico utilizado foi a ironia, que permite essa interpretação justamente porque consiste em afirmar o contrário do que se pensa.

O conteúdo do poema tem tudo a ver com o título “Versos Íntimos”. Assim como todo o poema apresenta um tom irônico, o título também o é, por sugerir um texto subjetivo, romântico, sentimental, o que a leitura efetiva do poema desmente, ao mostrar que se trata de um texto agressivo, desolador, que se aproxima do grotesco.

Este poema faz parte da obra Eu, único livro publicado pelo poeta Augusto dos Anjos. Sendo que esta obra é uma das mais lidas e relidas de nossa literatura.

POEMA: VERSOS ÍNTIMOS

Vês?! Ninguém assistiu ao formidável

Enterro de tua última quimera.

Somente a Ingratidão – esta pantera –

Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!

O homem, que, nesta terra miserável,

Mora, entre feras, sente inevitável

Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!

O beijo, amigo, é a véspera do escarro,

A mão que afoga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,

Apedreja essa mão vil que te afaga,

Escarra nessa boca que te beija!

            ANJOS, Augusto dos. Versos íntimos. In: _____. Eu. 30. ed.

                                Rio de Janeiro, Livraria São José, 1965. p. 146.

Quimera: fantasia, sonho.

Vil: reles, ordinário; desprezível, infame.

Entendendo o texto:

01 – O texto é um soneto com o seguinte esquema de rimas: a, b, b, a/b, a, a, b/c, c, d/ d, d, c. Essa preocupação formal revela vestígios de um estilo que antecedeu o Pré-Modernismo. De que estilo se trata?

       Do Parnasianismo.

02 – O poeta dirige-se a um interlocutor (que pode ser ele próprio), ressaltando a solidão de todo ser humano. Em que versos fica nítida essa ideia?

       Nos dois últimos versos da primeira estrofe.

03 – Há na poesia de Augusto dos Anjos uma referência constante à decomposição da matéria. Transcreva um verso do poema que comprove tal afirmativa.

       “Acostuma-te à lama que te espera.”

04 – O homem, entre feras, também se animaliza. Diante dessa constatação, que conselho o poeta dá ao seu interlocutor?

       O conselho está nos dois últimos versos do poema

Quais são as características do poema Versos Íntimos?

O poema Versos Íntimos, de Augusto dos Anjos, é uma obra que faz parte do movimento Pré-Modernista brasileiro. Uma das principais características dessa poesia é a combinação de elementos tradicionais, próprios de estilos, desenvolvidos até o século XIX, com elementos que anunciam o modernismo, iniciado no século XX.

Que mensagem o texto transmite Versos Íntimos?

Análise e interpretação do poema Versos Íntimos Este poema transmite uma visão pessimista da vida. A linguagem usada pelo autor pode ser considerada uma crítica ao parnasianismo, um movimento literário conhecido pela linguagem erudita e romantismo exacerbado.

Qual sentido é sugerido pela imagem do enterro da última quimera?

O descrito enterro da última quimera simboliza o fim da esperança e do sonho. É passada a mensagem de que nenhuma pessoa se afeta com os sonhos perdidos de outro indivíduo, pois os seres são mal agradecidos, são como feras ariscas. Acostuma-te à lama que te espera! Necessidade de também ser fera.

Que ações do sujeito lírico recomenda ao leitor?

a-Que ações o sujeito lírico recomenda ao leitor? O sujeito lírico recomenda apedrejar a mão vil de quem se recebeu um afago, escarrar na boca de quem se recebeu um beijo.

Quem é o autor de Versos Íntimos?

Enterro de sua última quimera. Foi tua companheira inseparável!