O que significa doutrina da proteção integral de acordo com o ECA?

Como todo avanço civilizatório, foi preciso que a sociedade civil organizada se unisse em várias frentes para criar o Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA, que nesta segunda-feira (13/7) completa 30 anos. O Estatuto é um marco na proteção integral dos direitos das crianças e adolescentes no Brasil. Ao mesmo tempo, ao longo destas três décadas, tem sido também bastante criticado e mal compreendido.  Ele entra em vigor em 1990, mas é gestado na década de 80, com o início da redemocratização.

É a época em que os movimentos sociais se organizam, voltam às ruas e se fazem ouvir. Na linha de frente, estão o Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua (MNMMR), a Pastoral do Menor, magistrados, promotores, servidores da extinta Funabem, entre outros*. Esta mobilização coincide com um momento crucial da história do país: a instalação da Assembleia Nacional Constituinte. É neste contexto que ocorrem duas importantes vitórias. A primeira é a inclusão do artigo 227 na nova Constituição, o qual estabelece que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, os direitos fundamentais.

A ativista social Bernadete Sant'Anna, que participou do MNMMR e trabalhou 34 anos no sistema socioeducativo em Santa Catarina, diz que o artigo foi um avanço sem precedentes porque garantiu às crianças e aos adolescentes prioridade na adoção de políticas públicas e sociais. "A família passa a ser a primeira responsável pelo bem-estar das crianças e dos adolescentes. Se a família falhar, quem deve garantir os direitos é a sociedade e, se essa falhar, é obrigação do Estado", explica.

O artigo 227 foi construído a muitas mãos, através da coleta de seis milhões de assinaturas, dentro do movimento "Criança Prioridade Nacional". Outra conquista, fruto também de intensa mobilização, unificada na campanha "Criança e Constituinte", foi a inclusão do artigo 228, que tornou inimputáveis os menores de 18 anos.  Segundo Paulo Afonso de Almeida Garrido, um dos redatores do ECA, a Constituição de 88 promove a dignidade da criança através da prescrição de direitos e iguala sua condição às demais pessoas.

No entanto, surgiu uma questão, levantada pelo Fórum Nacional Permanente de Entidades Não-Governamentais de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Fórum DCA): como fazer valer na prática estes direitos, como tirá-los do papel?  A partir daí se percebe a necessidade de uma mudança nas leis ordinárias e os integrantes do Fórum começam a redigir o Estatuto da Criança e do Adolescentes que, juridicamente, surge para regulamentar os artigos 227 e 228.

A partir de então o país passa a adotar a "doutrina da proteção integral", em contraposição à "doutrina da situação irregular", prevista no antigo Código de Menores. Em linhas gerais, esse Código tinha o objetivo de punir os menores infratores e não se dirigia ao conjunto da população infanto-juvenil, mas apenas aos enquadrados no que se chamava de "situação irregular", o que na prática significava os pobres, os abandonados, os excluídos. "O ECA representou também a descriminalização da pobreza porque, até então, a vulnerabilidade social tinha o status de criminalidade", escreveu, na revista Rolimã, a educadora Bárbara Pansardi.

Por sua vez, a doutrina da proteção integral é direcionada a todas as crianças e adolescentes e se constitui, segundo a juíza Ana Cristina Borba Alves (da Vara da Infância e Juventude da comarca de São José), "em um programa de ação que assegura, com absoluta prioridade, os direitos individuais e as garantias fundamentais inerentes à criança e ao adolescente, enquanto sujeitos de direito". Ou seja, cidadãos que merecem proteção especial.

O ECA traz, para esta faixa etária, os direitos humanos já reconhecidos para os adultos desde 1948. Conforme a juíza Brigitte Remor de Souza May (da Vara da Infância e Juventude da comarca da Capital), o Estatuto "cria um sistema legal de responsabilização do adolescente, com todas as garantias que o adulto possui e estabelece mecanismos de proteção nos campos da educação, saúde, trabalho e assistência social". Além disso, acaba com as punições para adolescentes, que passam a ser tratados com medidas de proteção nos casos de desvio de conduta; e com medidas socioeducativas nos casos de atos infracionais. 

Todo este movimento e essas mudanças na legislação são impulsionadas pelo contexto internacional. Em 1989, por exemplo, é aprovada a Convenção Internacional sobre os direitos da criança pela Assembleia Geral das Nações Unidas. Segundo Ana Cristina, a convenção coloca na marginalidade a velha doutrina da situação irregular que figurou como pano de fundo de todas as políticas jurídicas vigentes na América Latina desde 1919, quando promulgada a primeira legislação de menores na Argentina.

Mesmo com tantos avanços, avalia Bernadete, há muito a ser feito. Segundo ela, apesar destes 30 anos, persiste no Brasil uma cultura punitiva que acredita no castigo e na cadeia como solução para os problemas sociais. "O ECA, em muitos aspectos, ainda não foi implementado", conclui.

Por Fernando Evangelista / Núcleo de Comunicação Institucional do PJSC

*Bárbara Pansardi,  revista Rolimâ, edição 5, de 2015.

Leia mais sobre a série especial da Coordenadoria Estadual da Infância e da Juventude (Ceij), alusiva aos 30 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA):

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A incrível história de Nelson Matheus, o Embaixador da Educação em Santa Catarina

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Responsável: Ângelo Medeiros - Reg. Prof.: SC00445(JP)

O que é a doutrina da proteção integral ECA?

Doutrina da Proteção Integral: representa um avanço em termos de proteção aos direitos fundamentais, posto que calcada na Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, tendo, ainda, como referência documentos internacionais, como Declaração Universal dos Direitos da Criança, aprovada pela Assembléia Geral das ...

Qual o fundamento da doutrina da proteção integral?

A proteção integral tem como fundamento a concepção de que crianças e adolescentes são sujeitos de direitos, frente à família, à sociedade e ao Estado.

São princípios da proteção integral?

O princípio da proteção integral, segundo o autor, “é princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF) levado ao extremo quando confrontado com idêntico cenário em relação aos adultos”. Importante ressaltar, inclusive, que este princípio encontra respaldo na Constituição Federal, em seu art.

Quais são os principais aspectos que diferenciam a doutrina da situação irregular e a doutrina da proteção integral?

Diferentemente da doutrina da situação irregular, onde o adolescente era estigmatizado como um mero objeto de direitos, na doutrina da proteção integral, o adolescente ganha status de sujeito de direitos. A Doutrina da Proteção Integral se caracteriza pela amplitude de sua proteção.