RESUMO:O profissional de apoio à inclusão escolar é a temática deste artigo. Seu objetivo é retomar e analisar a caracterização desse profissional com base nas orientações governamentais e nos documentos legais emanados logo após a publicação da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, a fim de compreender o que se espera desse agente e de sua formação no contexto da Educação Especial inclusiva delineado pela citada política. Para tanto, em relação ao desenvolvimento metodológico, adotou-se abordagem qualitativa, conforme os procedimentos técnicos da pesquisa bibliográfica e documental. Pôde-se constatar que o profissional de apoio à inclusão escolar, cuja designação não é unívoca, tem funções específicas de cuidado e de monitoria dos alunos público-alvo da Educação Especial, considerada a legislação e diretrizes oficiais, não sendo de sua competência questões curriculares e didático-pedagógicas. Do ponto de vista legal e normativo, há um silenciamento quanto à formação exigida para desempenho do cargo, exercido por estudantes universitários ou mesmo por pessoas com nível médio de escolaridade. Tais circunstâncias desqualificam a formação especializada e o papel do professor da Educação Especial na promoção do ensino colaborativo, em nome de alternativas consideradas mais econômicas para as redes públicas de ensino. Show
PALAVRAS-CHAVE: ABSTRACT:The support school inclusion professional is the theme of this paper. Its objective is to resume and analyze the characterization of this professional based on government guidelines and legal documents issued shortly after the publication of the National Policy of Special Education in the Perspective of Inclusive Education, in order to understand what is expected of this agent and his/her education in the context of inclusive Special Education outlined by the above policy. Therefore, regarding the methodological development, a qualitative approach was adopted, according to the technical procedures of the bibliographic and documentary research. It was found that the support school inclusion professional, whose designation is not univocal, has specific roles of care and monitoring of target students of Special Education, considering the legislation and official guidelines, but curricular and didactic-pedagogical issues are not within their competence. From a legal and normative point of view, there is a silence regarding the training required for the performance of the position, performed by university students or even people with High School level education. Such circumstances disqualify specialized education and the role of the Special Education teacher in the promotion of collaborative teaching, in the name of alternatives considered more economical for public schools. KEYWORDS: 1 IntroduçãoA Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva ([PNEEPEI], 2008Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008). Documento elaborado pelo Grupo de Trabalho
nomeado pela Portaria Ministerial nº 555, de 5 de junho de 2007, prorrogada pela Portaria nº 948, de 09 de outubro de 2007, entregue ao Ministro da Educação em 07 de janeiro de 2008. Brasília: MEC. Recuperado em 27 de novembro de 2019 de http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/politicaeducespecial.pdf
Ora, dentre esses serviços elencados no excerto, quero problematizar como um dos legados mais polêmicos dessa política a aparição e a atuação da figura do monitor ou cuidador de estudantes PAEE com necessidades de
apoio nas atividades de higiene, alimentação e locomoção. Isso porque, em torno dessa figura, posteriormente designada por vários nomes, vão se projetando determinados (des)entendimentos, expectativas e funções ao longo dos últimos mais de dez anos de vigência da PNEEPEI, sem que haja uma regulamentação para o trabalho desse profissional, a ponto de, em muitas circunstâncias, ser confundido com um professor de apoio e até ser assim referido nos discursos escolares. Na síntese de
Lopes (2018)Lopes, M. M. (2018). Perfil e atuação dos profissionais de apoio à inclusão escolar. Dissertação de Mestrado, Departamento de Psicologia, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, São Paulo, Brasil. Recuperado em 26 de novembro de 2019 de
https://repositorio.ufscar.br/bitstream/handle/ufscar/9899/LOPES_Mariana_2018.pdf?sequence=4
Assim, o objetivo a que me proponho é retomar, confrontar e analisar a caracterização desse profissional com base nas orientações governamentais e nos documentos legais emanados logo após a PNEEPEI, a fim de compreender o que se espera desse agente e de sua formação no contexto da Educação Especial inclusiva. Ao fazê-lo, espero, também, evidenciar as ambiguidades e as contradições que perpassam sua recente atuação, aqui entendida como um dos efeitos ainda pouco discutidos da PNEEPEI em
vigência. É nesse sentido que este artigo, resultante de um estudo inédito, apresenta provocações para subsidiar o avanço do conhecimento em torno do modo como, no plano técnico-normativo e legal, se tem organizado (ou não) e sobre quem desempenha, no Brasil, o apoio escolar aos alunos PAEE em classe comum, “considerando a novidade do tema e a ainda escassa produção científica” (Lopes, 2018Lopes, M. M. (2018). Perfil e atuação dos profissionais de apoio à
inclusão escolar. Dissertação de Mestrado, Departamento de Psicologia, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, São Paulo, Brasil. Recuperado em 26 de novembro de 2019 de https://repositorio.ufscar.br/bitstream/handle/ufscar/9899/LOPES_Mariana_2018.pdf?sequence=4 2 Procedimentos metodológicosA realização desta pesquisa deu-se mediante abordagem qualitativa (Braun & Clarke, 2006Braun, V., & Clarke, V. (2006). Using thematic analysis in psychology. Qualitative Research in Psychology, 3(2), 77-101. Recuperado em 29 de novembro de 2019 de
https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1191/1478088706qp063oa Por meio do descritor profissionais de apoio à inclusão escolar PDF foram listadas, de imediato, entre os dez primeiros resultados-padrão, considerados os mais relevantes pelo buscador, duas dissertações pertinentes à pesquisa (Burchert, 2018Burchert, A. (2018). O profissional de apoio no processo de inclusão
de alunos público-alvo da Educação Especial no ensino público fundamental. Dissertação de Mestrado, Universidade La Salle, Canoas, Rio Grande do Sul, Brasil. Recuperado em 27 de novembro de 2019 de http://dspace.unilasalle.edu.br/bitstream/11690/1131/1/aburchert.pdf Quadro 1 Todo o material foi tratado por meio da análise temática, pois, por meio de sua
“liberdade teórica, a análise temática fornece uma ferramenta de pesquisa flexível e útil, que pode potencialmente fornecer um conjunto rico e detalhado, ainda que complexo, de dados” (Braun & Clarke, 2006Braun, V., & Clarke, V. (2006). Using thematic analysis in psychology. Qualitative Research in Psychology, 3(2), 77-101. Recuperado em 29 de novembro de 2019 de
https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1191/1478088706qp063oa 3 Resultados e discussõesA PNEEPEI, publicada em 2008, mas herdeira de discussões mundiais articuladas desde a década de 1990, em prol do movimento da escola para todos (Bezerra, 2012Bezerra, G. F. (2012). Enquanto não brotam as flores vivas: crítica à pedagogia da inclusão. Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Paranaíba, Mato Grosso do Sul,
Brasil.), forjou o encaminhamento dos estudantes PAEE para as escolas e classes comuns, em especial aqueles com deficiência e transtorno do espectro autista (TEA). Essa situação trouxe necessidade de reorganizar o espaço escolar, que precisava incorporar esse público. Como o foco da PNEEPEI foi o AEE extraclasse em SRM (Mendes, 2017Mendes, E. G. (2017). Sobre alunos “incluídos” ou “da inclusão”: reflexões sobre o conceito de inclusão
escolar. In S. L. Victor, A. B. Vieira, & I. M. Oliveira (Eds.), Educação especial inclusiva: conceituações, medicalização e políticas (pp. 60-83). Campos dos Goytacazes: Brasil Multicultural., 2019Mendes, E. G. (2019). A política de educação inclusiva e o futuro das instituições especializadas no Brasil. Arquivos Analíticos de Políticas Educativas, 27(22), 1-23. Recuperado em 17 de setembro de 2019 de
https://epaa.asu.edu/ojs/article/view/3167/2217
Nesse sentido, recorrer a um profissional de apoio à inclusão escolar pareceu a alternativa mais viável, econômica e legitimada em tempos de Educação Inclusiva. Conforme Martins (2011)Martins, S. M. (2011). O Profissional de Apoio na Rede Regular de Ensino: a precarização do trabalho com os alunos da Educação Especial. Dissertação de Mestrado, Centro de
Ciências da Educação, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil. Recuperado em 27 de novembro de 2019 de https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/95218/297802.pdf?sequence=1&isAllowed=y Por isso, tal política, embora mencione apenas de forma lacônica sobre esses profissionais, acabou por induzir sua disseminação nas redes públicas de ensino, que buscaram se adequar às novas exigências do cotidiano escolar, mediante ingresso crescente de alunos PAEE. No entanto, uma problemática aí se configurava, na medida em que, para Serra (2017)Serra, D. (2017).
A educação inclusiva em tempos de judicialização do estado: o cotidiano das escolas com a lei Brasileira de inclusão - nº 13.146/2015. Polêm!ca, 17(1), 27-35. Recuperado em 27 de novembro de 2019 de https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/polemica/article/view/28294
Diante dessa realidade, a publicação da Resolução nº 4, de 2 de outubro de 2009Resolução nº 4, de 1º de outubro de 2009. Institui Diretrizes Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado na Educação Básica, modalidade Educação Especial. Recuperado em 27 de novembro de 2019 de
http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/rceb004_09.pdf
Seguindo essas orientações, as redes públicas de ensino contrataram esses “outros” profissionais de apoio à inclusão escolar, que, conforme o lugar e as condições de empregabilidade, receberam nomes diversos, tais como: cuidador, monitor,
mediador, estagiário mediador, auxiliar de ensino, auxiliar de vida escolar, atendente, acompanhante especializado, dentre outros, segundo têm revelado estudos sobre o tema. Entretanto, não houve uniformidade quanto à formação exigida, às atribuições e carreira desse profissional, que, em diversas localidades, foi e ainda é contratado como estagiário de cursos de licenciatura, especialmente do curso de Pedagogia (Burchert, 2018Burchert, A. (2018). O
profissional de apoio no processo de inclusão de alunos público-alvo da Educação Especial no ensino público fundamental. Dissertação de Mestrado, Universidade La Salle, Canoas, Rio Grande do Sul, Brasil. Recuperado em 27 de novembro de 2019 de http://dspace.unilasalle.edu.br/bitstream/11690/1131/1/aburchert.pdf E, de forma ainda mais preocupante, esse contrato, não raras vezes, sequer é celebrado diretamente com a rede pública de ensino, mas com alguma instituição intermediária, especializada no recrutamento de estagiários, como evidenciado, por exemplo, por Burchert (2018)Burchert, A. (2018). O profissional de apoio no processo de inclusão de alunos público-alvo da Educação Especial no ensino público fundamental.
Dissertação de Mestrado, Universidade La Salle, Canoas, Rio Grande do Sul, Brasil. Recuperado em 27 de novembro de 2019 de http://dspace.unilasalle.edu.br/bitstream/11690/1131/1/aburchert.pdf
É válido mencionar que há redes públicas de ensino cujos profissionais de apoio à
inclusão escolar são contratados por processo seletivo específico ou já estão sendo efetivados por concurso público. Essa última forma, porém, não é dominante nem é a tendência esperada, sobretudo em tempos de contenção de gastos, como anunciado no país. A pesquisa de Lopes (2018)Lopes, M. M. (2018). Perfil e atuação dos profissionais de apoio à inclusão escolar. Dissertação de Mestrado, Departamento de Psicologia, Universidade Federal de São Carlos, São
Carlos, São Paulo, Brasil. Recuperado em 26 de novembro de 2019 de https://repositorio.ufscar.br/bitstream/handle/ufscar/9899/LOPES_Mariana_2018.pdf?sequence=4 Ora, essa prática - já tornada corriqueira - representa um contrassenso e precarização da própria Educação Especial e da docência (Martins,
2011Martins, S. M. (2011). O Profissional de Apoio na Rede Regular de Ensino: a precarização do trabalho com os alunos da Educação Especial. Dissertação de Mestrado, Centro de Ciências da Educação, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil. Recuperado em 27 de novembro de 2019 de https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/95218/297802.pdf?sequence=1&isAllowed=y
Na tentativa de dirimir a dubiedade em torno dessa problemática, o MEC, por meio da então Secretaria de Educação Especial (SEESP), chegou a emitir, em 2010, a Nota Técnica nº 19 sobre o assunto, um documento que, mesmo sem força de lei, tinha o propósito de apresentar a interpretação oficial sobre as funções do profissional de apoio à inclusão escolar. A emissão dessa nota, por si só, revela que o assunto não era questão pacificada em todo o país, a ponto de merecer um pronunciamento do MEC/SEESP. Na nota mencionada, a perspectiva governamental reafirmou que:
Embora longa, a transcrição é fundamental para que se perceba o posicionamento oficial, rechaçando a possibilidade de envolvimento do profissional de apoio nas incumbências do ensino dos estudantes PAEE. Não obstante, a nota técnica, conquanto tenha pretendido fazer dessa ressalva uma unanimidade, acabou por, novamente, silenciar quanto à formação e à identidade profissional desses sujeitos, o que manteve as contradições e as confusões em
torno de seu papel e de suas qualificações ao cargo. Posteriormente, por pressão de grupos de familiares e setores da sociedade civil organizada, a aprovação da Lei nº 12.764 (2012)Lei nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012. Institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. Recuperado em 27 de novembro de 2019 de
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12764.htm
Ao ter grande repercussão social e veiculação midiática, essa lei popularizou o apelo em torno do
acompanhante especializado, entendido como uma vitória dos grupos e familiares envolvidos com a causa do TEA. O termo, contudo, agravou as confusões já (re)produzidas no espaço escolar. Isso porque famílias e órgãos judiciais passaram a pressionar escolas e sistemas de ensino para o cumprimento imediato do disposto, em um fenômeno da judicialização da educação inclusiva (Serra, 2017Serra, D. (2017). A educação inclusiva em tempos de judicialização do estado: o
cotidiano das escolas com a lei Brasileira de inclusão - nº 13.146/2015. Polêm!ca, 17(1), 27-35. Recuperado em 27 de novembro de 2019 de https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/polemica/article/view/28294 Novamente, para atenuar as ambiguidades suscitadas, o MEC, por meio da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI), emitiu, em 2013, outra nota técnica. Quando a analisamos, porém, depreendemos que o acompanhante especializado, na concepção oficial, equivaleria ao mesmo profissional de apoio anteriormente especificado, com o
destaque de que também seria encarregado de organizar a acessibilidade do estudante com TEA à comunicação, medida que, aliás, já estava prevista nas diretrizes de 2010 (Nota Técnica nº 19, 2010Nota Técnica nº 19 (2010). Profissionais de apoio para alunos com deficiência e transtornos globais do desenvolvimento matriculados nas escolas comuns da rede pública de ensino. In Ministério da Educação (2016). A consolidação da inclusão escolar no Brasil (2003-2016)
(pp. 205-207). Brasília: MEC. Recuperado em 27 de novembro de 2019 de
http://feapaesp.org.br/material_download/571_Orienta%C3%A7%C3%B5es%20para%20implementa%C3%A7%C3%A3o%20da%20Educa%C3%A7%C3%A3o%20Especial%20na%20Perspectiva%20da%20Educa%C3%A7%C3%A3o%20Inclusiva.pdf
A Lei de Proteção à Pessoa com TEA, por sua vez, foi regulamentada em 2014, por decreto que manteve a nomenclatura “acompanhante especializado”, mas discriminando, dessa vez, suas funções no espaço escolar. Estas foram redigidas ao encontro do que fora apresentado na Nota Técnica de 2013 (Nota Técnica nº 24, 2013Nota Técnica nº 24 (2013). Orientação aos Sistemas de Ensino para a implementação da Lei nº 12.764/2012.
In Ministério da Educação (2016). A consolidação da inclusão escolar no Brasil (2003-2016) (pp. 109-114). Brasília: MEC. Recuperado em 27 de novembro de 2019 de
http://feapaesp.org.br/material_download/571_Orienta%C3%A7%C3%B5es%20para%20implementa%C3%A7%C3%A3o%20da%20Educa%C3%A7%C3%A3o%20Especial%20na%20Perspectiva%20da%20Educa%C3%A7%C3%A3o%20Inclusiva.pdf
Pois bem, chegado a esse ponto, é preciso atentar para algumas lacunas que decorrem a partir da legislação citada. Já argumentei que, quando menciona “acompanhante especializado”, em 2012, a
lei não esclarece quem seria esse profissional, não especifica suas atribuições - tanto que o MEC precisou divulgar Nota Técnica a respeito - e condiciona a sua presença no espaço escolar à comprovada necessidade do estudante com TEA (Lei no 12.764, 2012Lei nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012. Institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. Recuperado em 27 de novembro de 2019 de
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12764.htm Ainda na direção do exposto, lembro que, ao explicitar as funções desse acompanhante, em 2014, fica patente que, em tese, este seria mesmo apenas um profissional de apoio, nos moldes como vinha sendo previsto desde 2008, em que pesem as oscilações de nomenclatura. Por conseguinte, seu papel não invadiria, a rigor, as competências do docente
(comum e/ou especializado), tendo-se observado somente que, de uma tríade, passou-se a uma lista com cinco quesitos a serem observados pelo acompanhante especializado no exercício de suas atividades (Decreto no 8.368, 2014Decreto nº 8.368, de 2 de dezembro de 2014. Regulamenta a Lei nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012, que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. Recuperado em 27 de novembro de 2019 de
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/Decreto/D8368.htm Ademais, esses processos são, também, educacionais e estão articulados ao desenvolvimento integral do ser humano. Sobretudo na escola, não poderiam ser vistos como espontâneos e nem tradados de forma assistemática. O que significa, afinal, especializado, nesse caso? Será que a palavra estaria sendo empregada apenas na acepção de um apoio “exclusivo” para os estudantes PAEE, em flagrante oposição aos princípios de uma escola inclusiva e colaborativa? Ao que parece, tais indefinições são politicamente estratégicas e convenientes ao Governo Federal, permitindo que, em um país de nossa amplitude continental, as redes municipais e estaduais se organizassem conforme suas possibilidades, recursos e intenções, porquanto, de fato, são nessas instâncias que a PNEEPEI se realiza e é traduzida segundo compreensões diversas. Destarte, em diferentes locais, muitos interpretaram o termo acompanhante especializado como se fosse um professor especializado, a despeito das indicações governamentais irem de encontro a essa leitura, consoante a análise exposta. Criou-se, então, uma ideia equivocada de que todo aluno com TEA e com deficiência automaticamente teria direito a um professor de apoio na classe comum, o que, como vimos, não é o que diz a legislação. Outros lugares entenderam que o apoio poderia ser um profissional não docente, com ou sem capacitações específicas na área da Educação Especial. Dito de outro modo, a palavra “especializado” foi e continua sendo lida em diferentes sentidos e de acordo com as conveniências ou recursos financeiros disponíveis. Por fim, ainda no bojo dessas disputas semânticas, a Lei Brasileira de Inclusão (LBI) (Lei no 13.146, 2015Lei nº 13.146, de 6 de julho
de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Recuperado em 27 de novembro de 2019 dehttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm
Diante do exposto, observo que, enquanto se discute a questão do profissional de apoio escolar/acompanhante especializado em si mesma, tomada como bandeira de luta por grupos familiares, entidades e políticos, de modo que ter ou não ter esse agente na escola assume a centralidade das discussões sobre os direitos de escolarização do PAEE em classe comum, com poucos questionamentos sobre a identidade e constituição do profissional em evidência, tem-se obliterado uma questão de fundo. Em outras palavras, pouco destaque se dá à luta por uma compreensão ampliada de AEE, que venha a englobar “um conjunto de apoios diversificados necessários para responder às diferentes demandas da escolarização de alunos PAEE nas escolas comuns” (Mendes, 2017Mendes, E. G. (2017). Sobre alunos “incluídos” ou “da inclusão”: reflexões sobre o conceito de inclusão escolar. In S. L. Victor, A. B. Vieira, & I. M. Oliveira (Eds.), Educação especial inclusiva: conceituações, medicalização e políticas (pp. 60-83). Campos dos Goytacazes: Brasil Multicultural., p. 81) e se promova, como cerne da política pública inclusiva, o ensino colaborativo, o qual
Isso não quer dizer que a presença de profissionais de apoio à inclusão escolar não seja, também, uma necessidade para as redes públicas de ensino. O que desejo ressaltar é que não se pode crer que estes, ainda sem carreira definida e sem regulamentações precisas de sua atuação, a qual se torna objeto de interpretações múltiplas, sejam postos como o principal respaldo para a permanência de estudantes PAEE nas classes comuns. Meu posicionamento pode ser justificado quando se nota que esses profissionais, quase sempre com formação de nível médio (com ou sem habilitação específica para o magistério) ou ainda estudantes universitários, com ou sem alguma capacitação na área, representam uma precarização da atenção educacional ao público que mais necessita de suporte, não só em demandas de cuidados pessoais e de vida diária, mas, a fortiori, de atenção pedagógica. Por isso, de acordo com Bezerra (2012)Bezerra, G. F. (2012). Enquanto não brotam as flores vivas: crítica à pedagogia da inclusão. Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Paranaíba, Mato Grosso do Sul, Brasil.,
Ademais, é diante dessa indefinição quanto à figura do profissional de apoio/acompanhante especializado, cujo nome acaba confundindo os leigos, como se se tratasse de um professor especializado, que governos têm priorizado a contratação de agentes educacionais com nível médio ou em formação, difundindo a ideia de que, com a presença destes, todas as demandas da classe comum estariam satisfeitas do ponto de vista legal e pedagógico, em vez de investir no ensino colaborativo propriamente dito. E, mais ainda, corre-se o risco de um desinvestimento no ensino colaborativo onde este vinha se constituindo, haja vista que, na ausência de especificação legal, redes públicas de ensino aderem à alternativa mais barata, qual seja, o profissional de apoio não docente. Como alerta Mendes (2017)Mendes, E. G. (2017). Sobre alunos “incluídos” ou “da inclusão”: reflexões sobre o conceito de inclusão escolar. In S. L. Victor, A. B. Vieira, & I. M. Oliveira (Eds.), Educação especial inclusiva: conceituações, medicalização e políticas (pp. 60-83). Campos dos Goytacazes: Brasil Multicultural.,
Nessas condições, os governos, na melhor das
hipóteses, fornecem a esses agentes algum curso na área e justificam que o requisito “especializado” está sendo cumprido, dispensando professores especializados do trabalho da classe comum, os quais ficam restritos às funções do AEE em SRM, um serviço que não tem apresentado resultados satisfatórios para o avanço do processo de inclusão escolar (Mendes, 2017Mendes, E. G. (2017). Sobre alunos “incluídos” ou “da inclusão”: reflexões sobre o conceito de inclusão
escolar. In S. L. Victor, A. B. Vieira, & I. M. Oliveira (Eds.), Educação especial inclusiva: conceituações, medicalização e políticas (pp. 60-83). Campos dos Goytacazes: Brasil Multicultural., 2019Mendes, E. G. (2019). A política de educação inclusiva e o futuro das instituições especializadas no Brasil. Arquivos Analíticos de Políticas Educativas, 27(22), 1-23. Recuperado em 17 de setembro de 2019 de
https://epaa.asu.edu/ojs/article/view/3167/2217
Nota-se, então, um descompasso entre o objetivo pretendido pela PNEEPEI, qual seja, o de “assegurar a inclusão escolar de alunos com deficiência, transtornos globais do
desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, orientando os sistemas de ensino para garantir: acesso ao ensino regular, com participação, aprendizagem” (PNEEPEI, 2008Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008). Documento elaborado pelo Grupo de Trabalho nomeado pela Portaria Ministerial nº 555, de 5 de junho de 2007, prorrogada pela Portaria nº 948, de 09 de outubro de 2007, entregue ao Ministro da Educação em 07 de
janeiro de 2008. Brasília: MEC. Recuperado em 27 de novembro de 2019 de http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/politicaeducespecial.pdf Por isso, o ensino colaborativo não pode ser encarado como “luxo” ou um termo acessório de uma política educacional que se pretenda inclusiva, mas como um meio imprescindível de democratizar as oportunidades de acesso, com condições tais de se alcançar permanência com sucesso, à escola comum para todos os estudantes,
com e sem necessidades específicas de aprendizagem. Nesse sentido, é preciso ter em consideração a perspectiva de que “trabalho dos profissionais de apoio deve ser analisada sob a ótica da proposta de desmonte da escola escamoteada sobre o discurso de ‘universalização do ensino’ e ‘escola para todos’” (Martins, 2011Martins, S. M. (2011). O Profissional de Apoio na Rede Regular de Ensino: a precarização do trabalho com os alunos da Educação Especial. Dissertação
de Mestrado, Centro de Ciências da Educação, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil. Recuperado em 27 de novembro de 2019 de https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/95218/297802.pdf?sequence=1&isAllowed=y 4 Considerações finaisCom este artigo, problematizei um dos efeitos colaterais da atual PNEEPEI, qual seja: o profissional de apoio à inclusão escolar/acompanhante especializado. Essa figura tem funções específicas, se considerarmos a legislação e as diretrizes oficiais, que não compreendem questões curriculares e didático-pedagógicas. No entanto, como revelado pelas pesquisas, tal profissional acaba sendo posto na função equivalente a de um professor especializado, o que pode ser lido como precarização das condições de trabalho docente, à medida que se desqualifica a formação especializada e o papel do professor da Educação Especial, em nome de alternativas consideradas mais baratas do ponto de vista econômico para as redes públicas de ensino. Essa situação revela que a PNEEPEI deu ênfase ao AEE extraclasse, o que abriu caminho para que soluções paliativas fossem buscadas para viabilizar o ensino dos alunos PAEE em classe comum. Por conseguinte, em
vez de pensar-se em uma gama de serviços e suportes para a constituição de uma escola inclusiva, tem-se centrado o foco apenas nesses alunos, como se o “problema” fosse o indivíduo, a quem se deve identificar para melhor exercer vigilância e garantir seu isolamento, mesmo permanecendo no interior da sala de aula, com toda a turma. Como lembram Cunha et al. (2012, p. 7)Cunha, N. M., Glat, R., Silva, S. E., & Siqueira, C. F. O. (2012). O perfil e a formação
do estagiário mediador para suporte da educação inclusiva. Artigo apresentado no 5º Congresso Brasileiro de Educação Especial, São Carlos, São Paulo, Brasil, Recuperado em 24 de junho de 2016 de http://www.eduinclusivapesq-uerj.pro.br/images/pdf/Nathalia.Ufscar.2012.2.pdf Assim, seguindo à risca as normativas oficiais, cujo foco é o cuidado e a monitoria do alunado PAEE, justifica-se a não exigência de uma formação pedagógica, “o que favorece a minimização por parte do profissional de apoio de funções pedagógicas, mesmo atuando num espaço destinado por excelência ao ensino e aprendizagem”
(Martins, 2011Martins, S. M. (2011). O Profissional de Apoio na Rede Regular de Ensino: a precarização do trabalho com os alunos da Educação Especial. Dissertação de Mestrado, Centro de Ciências da Educação, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil. Recuperado em 27 de novembro de 2019 de https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/95218/297802.pdf?sequence=1&isAllowed=y É fundamental, portanto, que a legislação posterior seja explícita quanto ao significado de termos como “acompanhante especializado”, normatize as funções, piso salarial e defina formações mínimas a serem exigidas desses profissionais de apoio à inclusão escolar na direção do exposto pela LBI. Além disso, espera-se que novas diretrizes nacionais, sobretudo com a possível reformulação da PNEEPEI, possibilitem a emergência de alternativas mais condizentes com as necessidades específicas desse público, trazendo-lhes justiça curricular, isto é, apropriação dos conhecimentos escolares e aprendizagem mediante os suportes que se fizerem necessários, para além da mero cuidado e de sua presença tutelada nas classes comuns. Para tanto, o ensino colaborativo deve ser tomado como a principal referência de (re)organização da escola inclusiva. E, se a preocupação é com a economia de recursos, é válido lembrar que, mediante atuação dos professores especializados nas turmas em que existam alunos PAEE, os próprios profissionais de apoio, com orientação dos demais docentes, podem se tornar itinerantes pela instituição escolar, sem se fixarem em uma sala, o que certamente diminuirá o ônus da contratação desses profissionais e o impacto de sua (oni)presença sobre os estudantes que deles necessitam. Eis as possibilidades que se abrem para (re)pensarmos os fazeres e saberes da inclusão escolar. Referências
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Histórico
Qual o objetivo da política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da educação inclusiva 2008?A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva tem como objetivo assegurar a inclusão escolar de alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, orientando os sistemas de ensino para garantir: acesso ao ensino regular, com participação, ...
Qual a perspectiva da educação inclusiva 2008?Através da concepção de direitos humanos, que trata a igualdade e as diferenças como elementos indissociáveis na formação do ser humano, a educação inclusiva encontra uma razão de ser. Ela vem de encontro com as praticas de exclusão que ocorrem dentro e fora da escola, e procura a equidade no ambiente educacional.
Como a política Nacional de Educação Especial 2008 define a Educação Especial é o seu PúblicoDesde 2008, as diretrizes da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008) indicavam que o alvo seria os estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação.
Como a política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da educação inclusiva?Na perspectiva da educação inclusiva, a educação especial passa a integrar a proposta pedagógica da escola regular, promovendo o atendimento às necessidades educacionais especiais de alunos com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades/superdotação.
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