Qual é a importância da descoberta e preservação do Cais do Valongo para a história?

No último dia 9/7, o Cais do Valongo, no Rio de Janeiro, foi reconhecido pela Unesco como Patrimônio Histórico da Humanidade. O local foi a principal porta de entrada dos africanos escravizados no Brasil entre o fim do século XVIII e meados do século XIX.

A conquista do título resgata a memória de sofrimento causada pela escravidão, que deixou cicatrizes profundas e presentes até hoje na sociedade brasileira na forma de desigualdades sociais entre brancos e negros. Considerado pela Unesco o mais importante vestígio físico da chegada dos escravizados negros no continente americano, o Cais assume o mesmo patamar de lugares de memória e de sofrimento como Hiroshima e Auschwitz.

A história do Cais

Até meados da década de 1770, os africanos escravizados desembarcavam no Rio de Janeiro, na Praia do Peixe, atual Praça XV, e eram comercializados na Rua Direita, atual 1° de Março. Para as elites, contudo, não era conveniente ver e estar tão perto desses negros que chegavam nus e, muitas vezes, semimortos às terras brasileiras. Em 1774, o Marquês de Lavradio estabeleceu que o porto e o mercado de escravos deveria ser transferido para a região afastada do Valongo, longe dos olhos da aristocracia branca.

Qual é a importância da descoberta e preservação do Cais do Valongo para a história?
Afoxé Filhos de Gandhi canta na celebração do reconhecimento do Cais do Valongo como Patrimônio da Humanidade, em 10/7. Foto: Fernando Frazão / Ag. Brasil

O mercado foi prontamente transferido, porém o Cais só foi construído em 1811, após a chegada de D. João. Entre 1811 e 1831, cerca de 800 mil negros escravizados vindos da África desembarcaram no Valongo. Com o fim do tráfico negreiro em 1831, o Cais foi fechado. Mais tarde, em 1843, foi aterrado e um novo ancoradouro foi construído em cima para receber a princesa Teresa Cristina, futura esposa de D. Pedro II. Em 1911, o “Cais da Princesa”, como ficou conhecido, também foi aterrado durante uma reforma urbana.

Em 2011, durante as obras de revitalização da Zona Portuária do Rio de Janeiro, as ruínas do Cais da Princesa e do Valongo foram redescobertas uma sobre a outra junto a uma grande quantidade de amuletos e objetos de culto originários do Congo, Angola e Moçambique.

O reconhecimento como Patrimônio da Humanidade

Para o Cais do Valongo ser reconhecido como Patrimônio da Humanidade, uma proposta foi apresentada à Unesco pelo Brasil. Para fundamentá-la, um dossiê técnico foi elaborado, com vários itens devidamente preenchidos, documentados e justificados.

O processo foi encabeçado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), órgão federal ligado ao Ministério da Cultura. Uma equipe técnica então foi convidada para elaborar o dossiê que levaria o Cais do Valongo a obter o status concedido pela Unesco.

Além da equipe técnica, um Conselho Científico avaliava e fazia sugestões à medida que o texto do dossiê era escrito. Esse Conselho foi formado por estudiosos do tema, militantes do movimento negro e ocupantes de cargos na Prefeitura da área de relações internacionais e de órgãos vinculados ao patrimônio e à administração da Zona Portuária.

Qual é a importância da descoberta e preservação do Cais do Valongo para a história?
Mônica Lima, professora do Instituto de História (IH) da UFRJ. Foto: Thomaz Silva

Foram quase três anos de trabalho e debates até o comitê da Unesco aprovar o dossiê e finalmente reconhecer o Cais como Patrimônio da Humanidade.

Mônica Lima, professora do Instituto de História (IH) da UFRJ e membro da equipe técnica convidada pelo Iphan, destacou as dificuldades enfrentadas durante o processo.

“Primeiramente, o dossiê exigiu um grande esforço de pesquisa, síntese e sistematização. Além disso, foi desafiador lidar com uma história muitas vezes invisibilizada e pouco conhecida da sociedade, que nem sempre se dá conta de sua importância, não só local, mas nacional e internacionalmente falando. Também foi difícil estar diante de um sítio histórico de memória sensível, local de dor, medo e sofrimento de nossos antepassados” afirmou Mônica.

Conquista do título valoriza história do país

Para Tania Andrade Lima, arqueóloga responsável pela redescoberta do Cais do Valongo e professora do Departamento de Antropologia do Museu Nacional/UFRJ, o status concedido pela Unesco resgata a memória do sofrimento vivido pelos africanos escravizados e as origens da cultura brasileira.

O local, segundo ela, não é só a memória do sofrimento. É, sobretudo, um local de celebração da extraordinária diversidade cultural e étnica que a África nos trouxe.

Qual é a importância da descoberta e preservação do Cais do Valongo para a história?
Tania Andrade Lima, arqueóloga responsável pela redescoberta do Cais do Valongo e professora do Departamento de Antropologia do Museu Nacional/UFRJ. Foto: Raphael Pizzino (CoordCOM / UFRJ)

“Nós somos o povo que somos hoje por conta dos africanos que aqui chegaram e que nos deram sua imensa força de trabalho que alavancou essa nação. Eles nos ensinaram a ter essa imensa capacidade de resistir, uma grande lição para nós, ainda mais no momento em que vive o Brasil. Eles nos ensinaram a viver na adversidade. Devemos nossa cultura a eles”, enfatizou Tania.

A professora Mônica Lima também acredita no resgate histórico do passado escravista do país para a compreensão da identidade brasileira.

“Trata-se do resgate de nossa história negra, de nossa identidade como brasileiros que somos, majoritariamente afrodescendentes. Trata-se da reparação pelo silêncio e pela negação dessa história, por tantos e tantos anos. Trata-se de entender que esse cais nos conecta à África, às Américas e ao mundo, mas sobretudo a nós mesmos como nação”, concluiu a historiadora.

Qual a importância da preservação do Cais do Valongo?

O Brasil recebeu perto de quatro milhões de escravos, durante os mais de três séculos de duração do regime escravagista. Pelo Cais do Valongo, na região portuária da cidade, passou cerca de um milhão de africanos escravizados em cerca de 40 anos, o que o tornou o maior porto receptor de escravos do mundo.

Qual o objetivo do Cais do Valongo?

O objetivo do cais era retirar da Rua Direita, atual Primeiro de Março, o desembarque e o comércio de africanos escravizados. Assim, o Valongo se tornou a principal porta de entrada do País. Os escravos acabavam nas plantações de café, fumo e açúcar do interior e de outras regiões do Brasil.

Por que é importante a patrimonialização do Cais do Valongo para a memória dos trabalhadores?

O Cais do Valongo e da Imperatriz representa a chegada ao Brasil. O Cemitério dos Pretos Novos mostra o tratamento indigno dado aos restos mortais dos povos trazidos do continente africano. O Largo do Depósito era área de venda de escravos.

Porque o Cais do Valongo é considerado patrimônio cultural?

O Cais do Valongo foi o principal cais de desembarque de africanos escravizados em todas as Américas e também o único preservado materialmente. Pela magnitude do que representa, coloca-se como o mais destacado vestígio do tráfico negreiro no continente americano.