Como a produção e o consumo de carne se relacionam com o aquecimento global e as mudanças no clima?

Consumir menos carne nos países ricos reduziria em 60% emissões agrícolas

Um estudo divulgado pela revista científica “Nature Foods”, publicado esta semana, revelou que consumir menos carne e produtos lácteos nos países mais ricos do mundo ajudaria a reduzir em mais de 60% as emissões agrícolas. Para além desta redução, o menor consumo iria também ajudar a melhorar a saúde da população.

"Se reduzirmos o consumo de carne também se 'libertam' terras para outras culturas, o que aliviaria muito os ecossistemas e melhoraria a segurança alimentar em todo o mundo", disse Martin Bruckner, professor da Universidade de Economia de Viena e um dos autores do estudo, citado pela agência Efe.

Martin Bruckner salientou ainda que essas “terras libertadas” poderiam capturar cerca de 100 mil milhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2), o que ajudaria a limitar o aquecimento do planeta a 1,5 graus celsius em relação à época pré-industrial. Esta é uma das metas do Acordo de Paris (2015) sobre o clima e reafirmada na última cimeira da ONU sobre aquecimento global, em Glasgow, no final do ano passado.

Dieta saudável com menos produtos animais

O estudo "A mudança da dieta nas nações ricas pode levar a um duplo benefício climático" analisa o impacto ambiental da dieta saudável em 54 países com elevados rendimentos. A dieta baseia-se especialmente em vegetais e num menor consumo de produtos animais, açúcares e gorduras saturadas.

Perante a realidade de que a produção de verduras e hortícolas também desempenha um papel no aumento do aquecimento global, os investigadores propõem várias estratégias para a tornar menos prejudicial para o ambiente.

"A forma mais óbvia e simples de reduzir as emissões de gases com efeito de estufa é reduzir as principais fontes, nomeadamente a criação de animais (particularmente gado bovino), a produção de arroz e a alteração do uso do solo”, disse Martin Bruckner.

De acordo com o estudo, se os países mais ricos reduzissem o consumo de carne, a terra de cultivo poderia voltar ao seu estado natural.

No entanto, para Martin Bruckner, a eficácia das medidas, bem como os resultados da investigação, são limitados pelas atuais políticas agrícolas da União Europeia.

"O pré-requisito para tal é que as áreas libertadas não sejam utilizadas para outros fins, como a produção de bens de exportação ou outras matérias-primas agrícolas, o que é bastante improvável", lamentou.

Países exportadores precisam de outras fontes de rendimento

Segundo o estudo, a União Europeia é o maior exportador mundial de carne de porco e de produtos de carne de porco, sendo que só a Alemanha, a Espanha e a França são responsáveis por metade desta produção.

Caso estes países não reduzam a produção e reconheçam com “honestidade” a gravidade da situação, "o mundo será incapaz de limitar o aquecimento global a 1,5 graus", advertiu o responsável.

"Ou os países ocidentais reduzem o consumo de carne de forma controlada ou as alterações climáticas irão, mais cedo ou mais tarde, reduzir a produção global de alimentos e forçar o mundo inteiro a reduzir o seu consumo", acrescenta Bruckner.

O estudo explica ainda que a mudança nas dietas, requer uma abordagem conjunta às políticas de reforma agrária e medidas climáticas.

Segundo a investigação, estas políticas devem considerar também novas fontes de rendimento para os países exportadores de carne, como o Brasil ou a Argentina que, de acordo com Martin Bruckner, “terão de encontrar outras fontes de rendimento para os seus produtores agrícolas, que nas últimas décadas cresceram rapidamente e destruíram grande parte dos ecossistemas, como a Amazónia ou o Cerrado”.

"Evitar uma catástrofe climática exigirá mudanças nos nossos estilos de vida e economias, mais mudanças do que comprar produtos locais e colocar painéis solares nos telhados dos edifícios", disse.

A alimentação é uma necessidade humana básica, e uma dieta saudável é essencial para a nossa saúde e o nosso bem-estar. Ao longo do tempo, foi-se desenvolvendo um sistema de produção e distribuição complexo e cada vez mais globalizado para responder à nossa necessidade de alimentos e de sabores diferentes. No mundo atual, um peixe capturado no Atlântico pode ser servido poucos dias depois num restaurante de Praga, acompanhado de arroz importado da Índia, enquanto os produtos alimentares europeus são vendidos e consumidos no resto do mundo.

A agricultura contribui para as alterações climáticas

Antes de chegarem ao nosso prato, os alimentos são produzidos, armazenados, transformados, embalados, transportados, preparados e servidos. Em cada uma destas etapas, são emitidos gases com efeito de estufa para a atmosfera. A agricultura, em especial, liberta quantidades significativas de metano e de óxido nitroso, dois potentes gases com efeito de estufa. O metano é produzido pelo gado durante a digestão, devido à fermentação entérica, e libertado por eructação, também podendo libertar-se do estrume armazenado e dos resíduos orgânicos depositados em aterros. As emissões de óxido nitroso constituem um produto indireto dos adubos azotados orgânicos e minerais.

A agricultura foi responsável por 10 % das emissões totais de gases com efeito de estufa da UE em 2012. A diminuição significativa do número de animais, a aplicação mais eficiente dos adubos e a melhor gestão do estrume reduziram em 24 % as emissões do sector agrícola da UE entre 1990 e 2012.

Contudo, no resto do mundo, a agricultura está a seguir o caminho oposto: entre 2001 e 2011, as emissões globais da produção agrícola e pecuária aumentaram 14 %. Este aumento verificou-se principalmente nos países em desenvolvimento, devido ao crescimento da produção agrícola total, suscitado pela maior procura mundial de alimentos, e à alteração dos padrões de consumo alimentar resultantes do aumento dos rendimentos em alguns desses países. As emissões provenientes da fermentação entérica aumentaram 11 % neste período e foram responsáveis por 39 % da produção total de gases com efeito de estufa do sector, em 2011.

Tendo em conta a importância fulcral da alimentação na nossa vida, continua a ser muito difícil reduzir as emissões de gases com efeito de estufa da agricultura, mas é possível reduzir as emissões ligadas à produção alimentar na União Europeia. Uma melhor integração nos métodos de produção de técnicas inovadoras como a captura de metano do estrume, uma utilização mais eficiente dos adubos e uma maior eficiência na produção de carne e laticínios (ou seja, a redução das emissões por alimento produzido), podem contribuir para a realização deste objetivo.

Além desses ganhos de eficiência, uma alteração dos padrões de consumo poderia ajudar a diminuir as emissões de gases com efeito de estufa relacionadas com a alimentação. De um modo geral, a carne e os lacticínios são os produtos alimentares com maior «pegada» global de carbono, matériasprimas e água por quilograma. No que respeita às emissões de gases com efeito de estufa, as produções pecuária e forrageira geram, cada uma delas, mais de 3 mil milhões de toneladas de equivalente-CO2. O transporte e a transformação dos alimentos, após a sua saída da exploração agrícola, correspondem a uma fração diminuta das emissões com eles relacionadas. Se reduzirmos o desperdício de alimentos e o consumo de produtos que geram mais emissões, contribuiremos para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa no sector da agricultura.

As alterações climáticas afetam a agricultura

Para crescerem, as culturas necessitam de solo, água, luz solar e calor apropriados. As temperaturas do ar mais elevadas já afetaram a duração do período de cultivo em grandes partes da Europa e as datas de floração e colheita dos cereais ocorrem vários dias mais cedo, prevendo-se que estas mudanças continuem em muitas regiões.

Em geral, a produtividade agrícola do norte da Europa poderá aumentar graças ao período de cultivo mais prolongado e à menor ocorrência de geada. Além disso, as temperaturas mais quentes e os períodos de cultivo mais longos permitirão cultivar novas culturas. No sul da Europa, porém, as ondas de calor e a redução da precipitação e da água disponível são suscetíveis de prejudicar a produtividade das culturas sendo igualmente previsível uma maior variação anual do seu rendimento devido a fenómenos meteorológicos extremos e a outros fatores, como as pragas e as doenças.

Em certas zonas da região mediterrânica, algumas culturas estivais poderão passar a ser cultivadas no inverno, devido ao calor extremo e ao stresse hídrico nos meses de verão. Noutras zonas, como o oeste da França e o sudeste da Europa, prevê-se uma redução do rendimento das culturas devido aos verões quentes e secos e à impossibilidade de transferir a produção para o inverno.

A alteração das temperaturas e dos períodos de cultivo também pode influenciar a proliferação e a propagação de algumas espécies, nomeadamente insetos, de ervas daninhas invasivas ou de doenças, que por sua vez poderão afetar o rendimento das culturas. As potenciais perdas poderão ser, em parte, compensadas por práticas agrícolas como a rotação de culturas em função da disponibilidade de água, o ajustamento das datas das sementeiras à temperatura e aos padrões de precipitação e a utilização de variedades mais adequadas às novas condições (por exemplo, culturas resistentes ao calor e à seca).

As fontes terrestres de alimentos não são as únicas afetadas pelas alterações climáticas. A distribuição de algumas populações de peixes já mudou no Atlântico Nordeste, atingindo as comunidades que delas dependem, nos vários segmentos da cadeia alimentar. Além do acréscimo do transporte marítimo, as temperaturas mais elevadas da água podem facilitar a implantação de espécies marinhas invasivas que aniquilam as populações de peixes locais.

Há fundos da UE disponíveis, nomeadamente o Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural, a Política Agrícola Comum (PAC) e os empréstimos do Banco Europeu de Investimento, para ajudar os agricultores e as comunidades piscatórias a adaptarem-se às alterações climáticas. No âmbito da PAC, também existem outros fundos destinados a medidas de redução das emissões de gases com efeito de estufa das atividades agrícolas.

Mercado global, procura global, aquecimento global...

Considerando o crescimento demográfico previsto e a alteração dos hábitos alimentares no sentido de um maior consumo de carne, a procura mundial de alimentos poderá aumentar 70 % nas próximas décadas. A agricultura já é um dos sectores da economia com maior impacto ambiental e, por isso, não surpreende que este aumento substancial da procura gere pressões adicionais. Como poderemos satisfazer a maior procura mundial e, ao mesmo tempo, reduzir os impactes ambientais da produção e do consumo de alimentos na Europa?

Reduzir a quantidade de alimentos produzidos não é uma solução viável. A União Europeia é um dos maiores produtores mundiais de alimentos, produzindo cerca de um oitavo dos cereais, dois terços do vinho, metade da beterraba sacarina e três quartos do azeite produzidos no mundo. Qualquer redução dos produtos de base poria em risco a segurança alimentar da União e do mundo, além de aumentar os preços dos alimentos à escala global, dificultando o acesso de muitas populações a alimentos nutritivos e a preços razoáveis.

Para produzir mais alimentos com as terras já utilizadas na agricultura é muitas vezes necessário intensificar o uso de adubos azotados, que libertam emissões de óxido nitroso e contribuem para as alterações climáticas. A agricultura intensiva e a utilização de adubos também libertam nitratos para o solo e as massas de água.

Apesar de não estarem diretamente ligadas às alterações climáticas, as elevadas concentrações de nutrientes nas massas de água (sobretudo fosfatos e nitratos) causam eutrofização e esta promove a proliferação de algas e esgota o oxigénio da água, com graves consequências para a vida aquática e para a qualidade da água.

Tanto na Europa como no resto do mundo, a afetação de mais terras à agricultura, para responder à procura crescente de alimentos, prejudicaria muito o ambiente e o clima. Na Europa, as zonas mais adequadas à agricultura já estão em grande medida cultivadas e a terra, principalmente as terras agrícolas férteis, é um recurso limitado tanto na Europa como no resto do mundo.

A conversão das zonas florestais em terras agrícolas também não é solução, porque se trata de um processo que gera emissões de gases com efeito de estufa. À semelhança de muitas outras alterações do uso do solo, a desflorestação (que está sobretudo em curso fora da União Europeia) também põe a biodiversidade em risco, comprometendo ainda mais a capacidade da natureza para resistir aos efeitos das alterações climáticas (por exemplo, a absorção das chuvas torrenciais).

Competição na procura

É evidente que o mundo necessitará de produzir mais alimentos e que os principais recursos são limitados. A agricultura produz fortes impactes no ambiente e no clima, e as alterações climáticas afetam — e continuarão a afetar — a quantidade de alimentos produzida e as zonas onde essa produção é possível.

Quem pode produzir, o que pode produzir e onde pode, é uma questão sociopolítica que se tornará mais controversa no futuro. A competição global pelos recursos essenciais, em especial com os impactes iminentes das alterações climáticas, está a levar os países desenvolvidos a comprarem grandes extensões de terras agrícolas nos países menos desenvolvidos. Essa prática e os efeitos das alterações climáticas suscitam questões a respeito da segurança alimentar, principalmente nos países em desenvolvimento. A segurança alimentar não depende apenas da produção de alimentos em quantidade suficiente, mas também do acesso a alimentos com valor nutricional adequado.

Este problema complexo exige uma abordagem política coerente e integrada em matéria de alterações climáticas, energia e segurança alimentar. Face às alterações climáticas e à competição por recursos escassos, o sistema alimentar necessitará de se transformar totalmente e utilizar os recursos de forma muito mais eficiente, continuando simultaneamente a reduzir os seus impactes ambientais, incluindo as emissões de gases com efeito de estufa. Temos de aumentar a produtividade, reduzindo simultaneamente a nossa dependência dos produtos agroquímicos, e diminuir o desperdício alimentar e o consumo de alimentos que exigem muitos recursos e produzem muitos gases com efeito de estufa, como é o caso da carne.

Para isso, há que recordar também o papel fundamental que os agricultores podem desempenhar na manutenção e na gestão da biodiversidade da Europa, além de serem um elemento indispensável da economia rural. Por conseguinte, as medidas políticas para resolver o complexo problema da alimentação e do ambiente devem ter em consideração o impacte ambiental da agricultura e a sua importância socioeconómica para muitas comunidades.

Como a produção e o consumo de carne se relacionam com o aquecimento global e as mudanças no clima?

Como o elevado consumo de carne pode contribuir com o efeito estufa e o aquecimento global?

Além de afetar o meio ambiente de diversas formas, a pecuária está diretamente relacionada com as emissões de gases. Esses animais liberam grandes quantidades de gás metano na atmosfera, que pode poluir até 21 vezes mais do que o gás carbônico.

Por que o consumo de carne está relacionado com o aumento do efeito estufa?

Quando a área devastada é ocupada por gado, a sequência nociva ao meio ambiente se completa. O processo digestivo dos ruminantes, como bovinos, búfalos, cabras e ovelhas, e o manejo de seus dejetos produzem metano, outro gás causador do efeito estufa. Uma tonelada de metano equivale a 21 toneladas de CO2.

Qual é a relação entre a produção pecuária no planeta e o aquecimento global?

Estudos mostram que a pecuária bovina é responsável pela emissão de pelo menos 50% dos gases-estufa, principalmente do gás carbônico (CO2) e do metano (CH4).

Qual é a relação entre o aquecimento global e a agricultura?

As atividades agrícolas que mais liberam gases de efeito estufa para a atmosfera são o desmatamento, a queima de biomassa, a degradação e a superexploração de pastagens, a mecanização do solo (como gradagem e aração) e a emissão de dejetos orgânicos.