O que é a Comissão e Corte Interamericana de Direitos Humanos?

Desde 2006, 11 casos contra o Estado brasileiro chegaram ao tribunal regional. Em apenas um o país não foi condenado. Conheça as sentenças

O fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) é reconhecido como um marco importante na história dos direitos humanos, com o surgimento da ONU (Organização das Nações Unidas) e de tribunais internacionais criados para lidar com as denúncias de crimes e graves violações perpetradas durante a guerra.

Na América Latina, em abril de 1948, foi aprovada a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem Universal — um documento que reconhece e elenca direitos essenciais de toda a pessoa humana — e foi fundada a OEA (Organização dos Estados Americanos), um organismo internacional composto atualmente por 35 Estados americanos e que busca promover a paz, a segurança, a democracia, os direitos humanos e o desenvolvimento do continente. No mesmo sentido, em 1969 foi aprovada a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, também chamada de Pacto de São José da Costa Rica, que instituiu o Sistema Interamericano de Direitos Humanos.

O sistema busca a promoção e a proteção dos direitos humanos a nível regional e é composto por dois órgãos principais: a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Com a criação desses organismos, qualquer pessoa pode apresentar uma denúncia em forma de petição contra os Estados membros da OEA e dizer quais direitos previstos na declaração americana de 1948 ou na convenção de 1969 foram violados em um sistema chamado de sistema individual de petições.

As petições são enviadas à Comissão Interamericana de Direitos Humanos,que analisa critérios jurídicos de admissibilidade (processuais) e de mérito (conteúdo). Em seguida, o órgão busca encontrar uma solução de conciliação entre a vítima e o Estado. Se isso não for possível e o Estado não adotar as medidas recomendadas, o caso é submetido à corte.

O Brasil ratificou a Convenção Americana sobre Direitos Humanos em 1992 e reconheceu a jurisdição contenciosa da Corte Interamericana de Direitos Humanos em 1998 — ou seja, desde esse ano o Brasil pode ser processado e julgado pelo tribunal. Até hoje existem 11 casos na corte contra o país, 10 deles já sentenciados. Veja a seguir um resumo dessas sentenças.

2006

Caso Ximenes Lopes vs. Brasil

Damião Ximenes Lopes foi vítima de torturas e maus tratos enquanto passava por tratamento psiquiátrico na Casa de Repouso Guararapes (Sobral-CE), equipamento de atendimento ligado ao Sistema Único de Saúde. Três dias após a internação, em 4 de outubro de 1999, ele morreu em decorrência dos tratamentos cruéis.

O Estado brasileiro foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por violação ao direito à vida e à integridade pessoal de Lopes. O tribunal também decidiu que o Brasil não cumpriu os direitos à garantia de proteção judicial com relação à família da vítima, por não realizar a obrigação de investigar e sancionar os responsáveis pelas graves violações de direitos humanos perpetradas. A corte estabeleceu medidas de reparação, como a retomada das investigações pelos maus tratos, a indenização dos familiares de Lopes e a criação de um programa de formação e capacitação para os profissionais de saúde mental no país.

Caso Nogueira de Carvalho e outros vs. Brasil

O advogado e defensor de direitos humanos Gilson Nogueira de Carvalho, responsável por denunciar crimes cometidos por um grupo de extermínio do qual participavam agentes de segurança do Estado, foi assassinado em 20 de outubro de 1996 em Macaíba, no Rio Grande do Norte.

Como o Brasil apenas reconheceu a jurisdição contenciosa da Corte Interamericana de Direitos Humanosem 1998, o pedido da Comissão Interamericana de Direitos Humanose das vítimas se restringiu à condenação do Estado brasileiro por não investigar e sancionar os responsáveis pelo assassinato. No entanto, apesar das graves violações apresentadas no caso, a corte considerou que os fatos e provas apresentados foram insuficientes para demonstrar que o Estado violou as garantias e a proteção judiciais. Este é o único caso em que o Brasil não foi condenado.

2009

Caso Escher e outros vs. Brasil

Em 1999, 34 pessoas ligadas ao MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) foram vítimas de interceptações e gravações telefônicas secretas, que foram gravadas e ouvidas pela Polícia Militar do Estado do Paraná. As conversas foram divulgadas em veículos de mídia e o Poder Judiciário se negou a destruir o material interceptado.

A Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Brasil por violar os direitos à privacidade, à honra e à liberdade de associação. O tribunal determinou medidas de reparação, como o pagamento de indenização às vítimas, o dever de investigar e de sancionar os responsáveis pelas interceptações e a realização de formações para funcionários do Poder Judiciário e da Polícia Militar sobre os limites das investigações e o direito à privacidade.

Caso Garibaldi vs. Brasil

O integrante do MST Sétimo Garibaldi foi assassinato em 27 de novembro de 1998 na cidade de Querência do Norte, no Paraná, durante uma operação de despejo das famílias de trabalhadores sem terra. Ele foi morto por homens encapuzados que atacaram a ocupação.

A Corte Interamericana de Direitos Humanos considerou que o Estado violou os direitos às garantias judiciais e à proteção judicial em relação aos familiares de Garibaldi por não investigar e sancionar o crime. Foram impostas ao Brasil as seguintes obrigações: dever de publicar a sentença, investigar, julgar e sancionar os responsáveis pelo homicídio e indenizar os familiares da vítima.

2010

Caso Gomes Lund e outros (“Guerrilha do Araguaia”) vs. Brasil

O caso trata sobre a detenção arbitrária, a prática de tortura e o desaparecimento forçado de 70 pessoas em operação empreendida pelo Exército brasileiro entre 1972 e 1975 que visava à eliminação da Guerrilha do Araguaia. O Estado também foi processado por não investigar, julgar e sancionar esses fatos em razão da Lei da Anistia (lei n. 6.683/79).

A Corte Interamericana de Direitos Humanos reconheceu que a Lei da Anistia brasileira impede a investigação e a responsabilização de graves violações de direitos humanos e, por isso, é incompatível com o previsto na Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A decisão do tribunal também reconheceu que o desaparecimento forçado é uma violação que perdura no tempo e afeta negativamente a integridade pessoal dos familiares das pessoas desaparecidas. Considerou-se que o Brasil violou os direitos à vida, à integridade pessoal, à liberdade pessoal, às garantias e proteções judiciais e à liberdade de pensamento e de expressão, em relação ao direito de buscar informação e ao direito à verdade.

Entre as medidas de reparação e não repetição, foram estabelecidas a obrigação do Estado de realizar todos os esforços para determinar o paradeiro dos desaparecidos, oferecer tratamento médico e psicológico às vítimas, realizar a sistematização e a publicação de todas as informações sobre as violações de direitos ocorridas durante a ditadura militar (1964-1985) e criar uma Comissão da Verdade independente.

2016

Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde vs. Brasil

O caso analisa a responsabilidade do Estado pela prática de trabalho forçado e de servidão por dívidas na Fazenda Brasil Verde, no Pará. Os trabalhadores que conseguiram escapar da fazenda alegaram também que, além de serem impedidos de sair do lugar, não recebiam salário, alimentação ou condições dignas de moradia e estavam submetidos a ameaças de morte.

O Estado teve conhecimento da existência da Fazenda Brasil Verde e suas práticas em 1989, mas não tomou providências de punição e prevenção.

A decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos considerou que o Brasil violou as garantias e proteções judiciais em prejuízo dos trabalhadores da Fazenda Brasil Verde. E determinou que o Estado deveria iniciar as investigações sobre os fatos em um prazo razoável, processando e punindo os responsáveis, além de indenizar os trabalhadores encontrados durante as fiscalizações.

2017

Caso Cosme Rosa Genoveva, Evando de Oliveira e outros (“Favela Nova Brasília”) vs. Brasil

O caso refere-se à ausência e às falhas de investigações sobre execuções sumárias, tortura e atos de violência sexual perpetrados pela Polícia Civil do Rio de Janeiro contra a comunidade Favela Nova Brasília em operações nos anos de 1994 e 1995.

A Corte Interamericana de Direitos Humanos considerou que os chamados “autos de resistência” — uma das formas como a polícia costuma registrar as mortes de pessoas que perderam a vida pela ação policial — impactaram negativamente o curso das investigações, contribuindo para a demora e a falta de diligência. Também entendeu que o Estado deve tomar medidas preventivas em contextos em que sejam evidentes os riscos de violência contra mulheres e meninas. Ao final, considerou violados os direitos à integridade pessoal, à circulação e à residência, bem como as garantias e proteções judiciais.

O tribunal também impôs medidas de reparação e não repetição, como a obrigação de investigar e punir os responsáveis pelas violações, a disponibilização de tratamento médico e psicológico às vítimas, a criação de políticas públicas específicas — como a instalação de um sistema numérico de acompanhamento das ações policiais — e a extinção dos autos de resistência.

2018

Caso do Povo Indígena Xucuru e seus membros vs. Brasil

A sentença analisa a violação ao direito à propriedade coletiva e à integridade pessoal do povo indígena Xucuru, situado na Serra do Ororubá (PE).

A corte condenou o Estado brasileiro pela demora em reconhecer, via processo administrativo, a demarcação de terras e territórios indígenas ancestrais. A decisão também condenou a demora em realizar processos de desintrusão de ocupantes não indígenas.

Foram considerados violados os direitos a garantias judiciais, a proteções judiciais e à propriedade coletiva. Entre as medidas de satisfação, foi determinado que o Estado adotasse providências legislativas e administrativas para efetivar a retirada de intrusões indevidas, garantindo que a comunidade Xucuru pudesse viver de acordo com seu modo de vida tradicional.

Caso Herzog e outros vs. Brasil

O caso refere-se à responsabilização do Estado brasileiro pela não investigação dos fatos ocorridos em 25 de outubro de 1975, quando o jornalista Vladimir Herzog foi detido arbitrariamente, torturado e morto na sede do DOI-Codi, órgão de repressão da ditadura militar, em São Paulo.

Novamente, a Lei da Anistia foi apontada como um dos mecanismos que impediram a investigação, o julgamento e a punição sobre os responsáveis pelas violações.

A Corte Interamericana de Direitos Humanos considerou que as violações perpetradas contra Herzog têm caráter de crime contra a humanidade e são imprescritíveis — ou seja, o direito de requerer judicialmente a punição e reparação pelos crimes não se perde com o passar do tempo.

A decisão do tribunal considerou violados os direitos às garantias judiciais, às proteções judiciais e à integridade psíquica e moral dos familiares de Herzog. Entre as medidas de reparação, foi fixada a obrigação do Estado de realizar investigações sobre o caso e identificar os autores da morte, não sendo aplicável a Lei da Anistia. A corte também determinou que o Estado pagasse indenizações a Clarice Herzog, Ivo Herzog, André Herzog e Zora Herzog.

2020

Caso Empregados da Fábrica de Fogos de Santo Antônio de Jesus e seus familiares vs. Brasil

O caso se refere à responsabilização do Estado pela explosão de uma fábrica de fogos de artifício na cidade de Santo Antônio de Jesus (BA) em 1998, quando 64 pessoas morreram, 22 delas crianças.

A corte considerou que o Brasil violou os direitos à vida e da criança em prejuízo das 64 pessoas falecidas na explosão. Violou também o direito à integridade dos seis sobreviventes. O tribunal entendeu ainda que o Brasil não cumpriu suas obrigações de fiscalização da fábrica, pois sabia da existência de irregularidades no ambiente, como o armazenamento de materiais perigosos e explosivos. A decisão também considerou violados os princípios de igual proteção da lei, a proibição de discriminação e o direito ao trabalho — uma vez que a única opção de ocupação econômica dos habitantes do município, devido à sua situação pobreza, era aceitar as condições de alto risco impostas pela fábrica.

Qual a função da Comissão Interamericana e da Corte de Direitos Humanos?

A CIDH tem como função principal promover a observância e a defesa dos direitos humanos nas Américas.

O que é a Comissão Interamericana de Direitos Humanos?

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos é um órgão autônomo da Organização dos Estados Americanos que tem como função principal promover a observância e a defesa dos direitos humanos e servir como órgão consultivo da Organização em tal matéria.

Qual a diferença entre a Comissão e a Corte Interamericana?

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) é uma das entidades do sistema interamericano de proteção e promoção dos direitos humanos nas Américas. Tem sua sede em Washington, D.C. O outro órgão é a Corte Interamericana de Direitos Humanos, com sede em São José, Costa Rica.

Qual a competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos?

A Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) é competente para conhecer casos contenciosos quando o Estado demandado tenha formulado declaração unilateral de reconhecimento de sua jurisdição, que, então, não é condição obrigatória para que um Estado ratifique a CADH.