O que se entende por reformatio in pejus quando ela não poderá ocorrer quando ela é denominada indireta?

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Por Alexandre Betini

Postado em 06/07/2022

A denominada reformatio in pejus decorre da redação do artigo 617 do Código de Processo Penal, segundo o qual não pode ser agravada a pena do réu quando somente ele tenha interposto o recurso de apelação. É a denominada reformatio in pejus direta.

Suponhamos que um acusado tenha sido condenado em primeiro grau de jurisdição a uma pena de dez anos de reclusão em regime inicial fechado pela prática de crime de extorsão mediante sequestro (Código Penal, artigo 159, caput do Código Penal). Se houver interposição do recurso de apelação somente pela defesa, ou seja, se o Ministério Público não recorreu, ao analisar o recurso interposto exclusivamente pela defesa o tribunal não poderá aumentar essa pena de dez anos de reclusão fixada em primeiro grau, sob pena de ferir o disposto no artigo 617 do Código de Processo Penal. Nesse caso, destarte, é vedada a reformatio in pejus direta. Essa vedação é mantida ainda que haja erro claro na sentença, como ocorre no caso de pena fixada abaixo do mínimo legal sem se tratar de caso de aplicação de causa de diminuição de pena que permite a redução aquém do mínimo.

Ao lado dessa primeira hipótese, doutrina e jurisprudência criaram, a nosso ver adequadamente, a figura da reformatio in pejus indireta. É o caso de uma sentença ser anulada pelo tribunal ad quem após somente a defesa interpor recurso. Nessa situação, uma vez anulada a sentença em razão de recurso exclusivo da defesa, não pode o julgador de primeiro grau agravar a situação do réu sob o pretexto de a decisão ter sido anulada. Caso contrário, isso acarretaria situação mais gravosa ao acusado em decorrência de recurso somente por ele interposto. Esse entendimento visa evitar que o imputado seja prejudicado quando o recurso por ele interposto procura atenuar aquilo que foi definido na sentença recorrida apenas porque utilizou sua prerrogativa de recorrer. Ao nosso ver, entendimento contrário fere os princípios do devido processo legal e da ampla defesa (Constituição Federal, artigo 5º, LIV e LV).

Assim, se no primeiro julgamento o acusado foi condenado a uma pena de cinco anos de reclusão em regime inicialmente semiaberto, uma vez anulada a sentença em razão de recurso exclusivo do réu, não pode o imputado, na nova sentença, ser condenado a uma pena superior a cinco anos ou mesmo ter que iniciar o cumprimento da pena em regime fechado.

E no caso do júri? Há quem entenda que o princípio constitucional da soberania dos veredictos (Constituição Federal, artigo 5º, XXXVIII, c), permite que os jurados, no novo julgamento após o primeiro ser anulado em razão de recurso exclusivo da defesa, possam agravar a situação do réu. É o caso de réu pronunciado e julgado em plenário pela prática de homicídio qualificado (Código Penal, artigo 121, § 2º), mas que ao final é condenado por cometer homicídio simples (Código Penal, artigo 121, caput) em razão de desclassificação pelo afastamento das qualificadoras constantes da decisão de pronúncia. Segundo esse entendimento, se o tribunal anular o primeiro julgamento depois de somente a defesa ter recorrido, poderão os jurados condenar o réu pela prática do crime de homicídio qualificado no segundo julgamento.

Esse entendimento, evidentemente, prejudica o acusado e de certa forma o reprime de exercer seu direito de recorrer, uma absoluta inversão do sistema. No exemplo acima, o réu poderia ser condenado a uma pena de seis a vinte anos de reclusão no primeiro julgamento, ao passo que poderia ser condenado a uma pena de doze a trinta anos de reclusão no segundo julgamento quando somente ele recorreu.

Interessante que quando se fala em soberania dos veredictos no tribunal do júri a interpretação geralmente é nociva aos imputados, nunca lhe é favorável, quando os dispositivos constitucionais e legais sempre deveriam ser interpretados em favor dos jurisdicionados contra o poder punitivo estatal. As regras constitucionais e legais são instrumentos para a defesa do cidadão, não um passe livre para o Estado punir a todo e qualquer custo como se o processo fosse mero instrumento de arbítrio e não meio para legitimar a atuação estatal no que diz respeito ao direito de punir.

O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça possuem julgados que caracterizam a segunda corrente sobre a questão. Segundo essas Cortes, ainda que no segundo julgamento possa ser discutida a causa e tenham os jurados ampla liberdade de decidir, ao Juiz-Presidente não resta outra alternativa senão aplicar pena igual ou inferior àquela fixada no primeiro julgamento quando somente o réu recorreu, sob pena de se conferir natureza acusatória ao seu recurso, em evidente contraposição ao princípio constitucional da ampla defesa, hipótese que caracterizaria a reformatio in pejus indireta.

No Supremo Tribunal Federal cito o Habeas Corpus n. 115428, do Rio de Janeiro, nos seguintes termos:

[...] 1. Anulados o julgamento pelo tribunal do júri e a correspondente sentença condenatória, transitada em julgado para a acusação, não pode o acusado, na renovação do julgamento, vir a ser condenado a pena maior do que a imposta na sentença anulada, ainda que com base em circunstância não considerada no julgamento anterior (HC nº 89.544/RN, Segunda Turma, Relator o Ministro Cezar Peluso, DJe de 15/5/09). 2. O paciente foi condenado pela prática de crime de homicídio qualificado, por motivo que dificultou a defesa do ofendido (CP, art. 121, § 2º, inciso IV), na modalidade tentada (CP, art. 14, inciso II), tendo-se afastado a qualificadora do motivo fútil (CP, art. 121, § 2º, inciso II). 3. Portanto, em caso de nova condenação do paciente pelo Júri popular, ainda que reconhecida a presença de ambas as qualificadoras, a pena aplicada não pode superar a pena anteriormente cominada de 8 (oito) anos reclusão, sob pena de se configurar a reformatio in pejus indireta, a qual não é admitida pela Corte [...].

No Superior Tribunal de Justiça indico o Agravo Regimental do Recurso Especial n. 1804486, de Goiás, nos seguintes termos:

[...] 1. No presente caso, a denúncia imputou três crimes ao acusado, tendo este sido condenado no primeiro julgamento pela prática de homicídio qualificado e corrupção de menor e absolvido pelo crime de roubo qualificado. Na segunda condenação, o Tribunal do Júri condenou-o pelos delitos de homicídio qualificado e de roubo qualificado, absolvendo-o do crime de corrupção de menor.
2. Em obediência ao art. 617 do CPP, que veda a reformatio in pejus, não se admite que, anulada a sentença no julgamento de recurso exclusivo da defesa, a nova decisão da mesma causa ou questão possa agravar-lhe a situação.
3. Tendo em vista que o primeiro Júri foi anulado em sede de Embargos Infringentes, em razão de nulidade de quesitação alegada em recurso exclusivo da defesa, a condenação do envolvido pelo delito de roubo, crime pelo qual foi absolvido no primeiro Júri, salienta-se, sem qualquer impugnação do Ministério Público, viola o princípio da reformatio in pejus indireta. Ademais, inexistindo recurso interposto pelo Parquet contra a absolvição pelo crime de roubo, tal questão encontra-se coberta pelo manto da coisa julgada.
A conexão, aventada inicialmente, findou.
4. Acrescenta-se, ainda, que a jurisprudência desta Corte Superior de Justiça é no sentido de que, em se tratando de crimes conexos, o tribunal pode, em grau recursal, anular o julgamento com relação a um, mantendo a decisão dos jurados no tocante aos demais. Assim, conferir ao Tribunal do Júri a possibilidade de, após chamado a novo julgamento da causa, em razão do provimento de recurso exclusivo do réu, poder jurídico de lhe agravar a situação anterior, significaria transformar o recurso da defesa em potencial instrumento de acusação, ou seja, sob pretexto e no âmbito de julgamento de recurso da defesa, operar-se-ia, em dano do acusado, autêntica revisão da sentença em favor da acusação, que não recorreu, no momento oportuno, contra a absolvição em relação ao crime de roubo [...].

Entendemos que esse segundo entendimento apresentado nos julgados acima citados corresponde à melhor doutrina e jurisprudência sobre a questão, haja vista que o artigo 617 do Código de Processo Penal alcança a impossibilidade da reformatio in pejus indireta.

Referências

BRASIL Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bisteream/handle/id/518231/CF88_Livro_EC91_2016.pdf.  Acesso em: 4.7.2022.

______. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em: 4.7.2022.

______. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/569703/codigo_de_processo_penal_3ed.pdf. Acesso em: 4.7.2022.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Primeira Turma, Relator Ministro Dias Toffoli. Habeas Corpus n. 115428/RJ, decisão proferida em 11.6.2013, publicado no DJE de 23.8.2013. Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur239535/false. Acesso em: 4.7.2022.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Quinta Turma, Relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca. Agravo Regimental no Recurso Especial n. 1804466/GO, decisão proferida em 12.5.2020, publicado no DJE de 19.5.2020. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp. Acesso em: 4.7.2022.

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O que é non reformatio in pejus indireta?

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Em que consiste o princípio da proibição da reformatio in pejus indireta admite exceção?

Trata-se do princípio da proibição da reformatio in pejus, o qual significa que não pode haver reforma da decisão para pior. Em outras palavras, havendo apenas recurso da defesa, o juízo ad quem não poderá agravar a situação do réu.

O que é o princípio da non reformatio in pejus?

O princípio (ou regra) da non reformatio in pejus, previsto no art. 617, do CPP, veda o agravamento de pena quando somente o réu houver recorrido da sentença. Assim, em se tratando de apelação exclusiva da defesa, a lei garante ao acusado que sua condenação não seja piorada pelo Tribunal.