Quais as influências que o processo de leitura pode sofrer do leitor do texto e dos fatores externos a ele?

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A LEITURA DO HIPERTEXTO

Magda Chagas Pereira

Resumo

A participação da leitura na aquisição de conhecimentos pode ser sentida em qualquer nível educacional das sociedades letradas. Com as transformações ocorridas atualmente, não está mais restrita aos documentos tradicionais, ligando-se aos hipertextos que permitem uma maior flexibilidade na busca pelas informações. Considerando a situação de sala de aula, para Rudell, Unrau (1994), a leitura é um processo de construção de significado, englobando uma série de fatores interligados. Neste artigo, serão apresentadas considerações sobre a relação entre pontos presentes na teoria destes autores e sua aplicação na leitura de hipertextos, destacando aspectos relativos ao conhecimento e crenças anteriores do leitor.

Palavras-chave: Leitura - hipertexto: leitura - Conhecimento anterior

1. INTRODUÇÃO

A leitura tem estado presente na vida dos homens desde os tempos mais remotos. Sua utilização como instrumento para a aquisição de conhecimentos pode ser sentida em qualquer nível educacional das sociedades letradas. Este fato pode ser explicado por estar, praticamente, todo o conhecimento histórico, científico e tecnológico da humanidade registrado em diferentes tipos de material gráfico.

O mundo atual tem sido palco de transformações acentuadas na área das ciências e da tecnologia, sendo feitas, a cada dia, novas descobertas e criados novos conceitos em todos os ramos do conhecimento. Esta evolução ocorre de forma tão rápida, que muitas vezes não conseguimos acompanhá-la, adequadamente. A informação não está mais restrita aos livros e material impresso, mas pode ser acessada por intermédio de microcomputadores que trazem até nós os dados contidos em bases nacionais e internacionais, ampliando, de forma ilimitada, o acesso a novos conhecimentos. A leitura, desta forma, passa a não ficar mais restrita ou ao material contido nas bibliotecas escolares e/ou públicas, ligando-se aos hipertextos, produzidos de forma a permitir uma flexibilidade na ampliação pela busca de informações, até então, não encontradas em qualquer documento impresso. É preciso considerar que estas modificações estão sendo introduzidas nas empresas e indústrias de forma geral, fato que conduzirá à necessidade de se formarem indivíduos preparados para atuarem nestas novas condições.

Inicialmente, a leitura foi vista como um simples meio de decodificar uma mensagem. No entanto, este conceito tem sido ampliado, sendo a leitura considerada, nos últimos anos, como um dos elementos fundamentais para a formação dos indivíduos como um todo.

De acordo com Silva (1981, p. 38) "as experiências conseguidas através da leitura, além de facilitarem o posicionamento do homem numa condição especial (o usufruto dos bens culturais escritos, por exemplo), são, ainda, as grandes fontes de energia que impulsionam a descoberta, elaboração e difusão do conhecimento."

Paulo Freire, por diversas vezes, tem afirmado que, para compreender a palavra, é necessário que, primeiro, compreenda-se o mundo. Desta forma, utilizando-se de seus conhecimentos anteriores, o leitor estabelecerá uma relação integrada com o texto que permitirá a atribuição de seu significado.

O processo de leitura envolve aspectos diferenciados, que vão desde as operações intelectuais, em que são feitas comparações, associações, interpretações e julgamentos, até aqueles que envolvem condições emocionais bastante complexas. De acordo com Ruddell, Unrau (1994), a leitura, quando considerada no contexto instrucional de sala de aula, é um processo de construção de significado, e engloba uma série de fatores, totalmente interligados, apoiados, basicamente, em três elementos: o leitor, o texto e o professor. Pode ser, assim, conceitualizada como um modelo interativo sócio-cognitivo, que explica o processo de leitura exercido em uma situação de ensino-aprendizagem.

  O leitor assume papel de grande importância neste modelo, destacando-se a presença de seu conhecimento e crenças anteriores, que envolvem aspectos relativos às condições afetivas e cognitivas. As condições afetivas apresentam-se como elementos significativos para o processo de leitura, uma vez que envolvem motivação, atitudes através da leitura c do conteúdo, postura do leitor e valores e crenças sócio-culturais.

As condições cognitivas, por seu lado, envolvem diferentes fatores tais como: conhecimento da linguagem, análise das palavras, estratégias de processamento de textos, estratégias metacognitivas, conhecimento de mundo e conhecimento pessoal, entre outros.

Na escola, a leitura assume um papel importante desde o período de alfabetização, quando a criança é introduzida no mundo das letras e das palavras escritas. No decorrer de sua evolução educacional, a necessidade da leitura vai se acentuando, considerando que os livros e outras formas gráficas são utilizados como instrumento básico para as atividades de ensino-aprendizagem.

Importa conhecer, então, quais são as características presentes nos textos que possibilitam a sua compreensão e a total interação do leitor com aquilo que está escrito. Devem ser considerados aspectos relativos ao uso da linguagem, do léxico, dos conteúdos semânticos, bem como aqueles relativos ao contexto.

Da mesma forma, apresenta-se como uma necessidade, o conhecimento dos hipertextos e hipermídia que estão sendo introduzidos em nossa sociedade, graças ao avanço tecnológico presente, atualmente. O hipertexto assemelha-se ao texto tradicional, podendo ser armazenado, lido, pesquisado e editado, contendo, porém, uma diferença significativa: o hipertexto contém conexões com outros documentos ampliando, significativamente, a recuperação das informações relacionadas ao tema original. A hipermídia apresenta as mesmas características do hipertexto, contendo ligações não só com outros pedaços de texto, mas também, com outras formas de mídia, tais como sons, imagens e movimentos (What is hypertext and hypermedia? informações obtidas através da consulta à Rede Internet).

Considerando essas questões, procuraremos neste trabalho, apresentar alguns pontos cuja verificação julgamos importante para a compreensão do processo de leitura de hipertextos.

Inicialmente, apresentaremos algumas considerações sobre o hipertexto, procurando compreender sua estrutura c funcionamento. Em seguida, apresentaremos os elementos que compõem, de acordo com RudelI, Unrau (1994), o processo de leitura, destacando os aspectos relativos ao conhecimento e crenças anteriores relacionados ao leitor. Finalmente, faremos uma aproximação entre os pontos presentes na teoria de Rudell, Unrau e sua aplicação na leitura de um hipertexto.

2. O HIPERTEXTO

Desde o início deste século, pesquisadores na área de documentação vem buscando soluções para a gerência das informações que crescem a cada dia, tentando encontrar uma forma de organização que possibilitasse o uso mais ágil e racional destas informações. A partir de várias tentativas, foram surgindo sistemas que se assemelhavam aos hipertextos que, no entanto, só puderam ser efetivamente desenvolvidos nos últimos anos, graças ao avanço da tecnologia. Atualmente, os hipertextos estão presentes nas redes nacionais e internacionais ampliando as possibilidades de obtenção de informações, graças a sua estrutura não linear que permite associações entre os mais variados aspectos de determinado assunto.

Hipertexto pode ser definido como: " (...) uma abordagem da gestão da informação na qual os dados são armazenados em uma rede de nós conectados por ligações. Os nós podem conter textos, gráficos, áudio e vídeo, bem como programas de computador ou outras formas de dados." (SMITH, WEISS, apud VILAN FILHO, 1994). Os componentes básicos de um hipertexto são os nós e as ligações. Os nós podem ser descritos como unidades de informação em um hiperdocumento que podem conter um ou mais tipos de dados, tais como: textos, figuras, sons, fotos, entre outros. As ligações são marcas que conectam um nó ao outro, "geralmente representadas por pontos sensíveis na tela que indicam a origem ou o destino das ligações. Podem ser palavras ou frases em destaque (negrito, itálico ou cores), mas também podem ser gráficos ou ícones." (VILAN FILHO, 1994).

Para que se possa entender melhor a sua estrutura, podemos citar como exemplo, a procura de determinado assunto em uma rede de informações. Suponhamos que o assunto procurado seja "Descobrimento do Brasil". Em um sistema de hipertextos, é possível encontrar vários documentos relacionados a este assunto, tais como a biografia de Pedro Álvares Cabral, a descrição de uma caravela, ou mesmo, o mapa das terras conhecidas antes dos grandes descobrimentos. Para acessá-los, bastaria clicar com o mouse sobre as palavras grifadas no texto principal, navegando desta forma, para novos documentos. Os textos selecionados, assim como o original, possuem, também, nós que possibilitam a recuperação de informações, ampliando as possibilidades de acesso a diferentes documentos. Assim, no texto relacionado a Pedro Alvares Cabral, poderíamos encontrar informações geográficas e históricas sobre sua cidade natal.

A partir dessa descrição simplificada de um hipertexto, é possível pensar as possibilidades de uso desta nova ferramenta de informação. Vários são os exemplos de utilização de hipertextos, nos mais diferentes tipos de atividades. Entre eles podemos citar a sua aplicação em catálogos de produtos que podem ser organizados por função, por código, por tamanho, por preço, etc. O uso do hipertexto permite facilidades tanto na sua organização, como na atualização de preços, ou mesmo na demonstração dos produtos que pode ser feita com animação. Da mesma forma, os dicionários, enciclopédias e demais fontes de informação geral, podem ser organizados sob a forma de hipertextos, possibilitando uma maior agilidade na recuperação das referências cruzadas, normalmente presentes neste tipo de material. Existem, ainda, outras possibilidades, tais como a exibição de obras de arte presentes em diferentes museus e galerias, a demonstração de estruturas urbanas, descobertas arqueológicas, técnicas cirúrgicas e muitas outras. (VILAN FILHO, 1994).

Parece-nos, no entanto, que é na atividade educacional que o hipertexto tem uma participação essencial. São inúmeras as possibilidades de sua aplicação na área do ensino/aprendizagem que, certamente, quando bem utilizadas, proporcionarão aos usuários desta nova tecnologia um avanço ilimitado na aquisição de conhecimentos. Os recursos advindos do uso de sons, imagens e animação associados aos textos ampliam e facilitam a obtenção de informações de uma forma completamente nova. Pode-se imaginar as facilidades no estudo de línguas estrangeiras, no conhecimento da fauna e flora terrestres, no funcionamento do corpo humano, no estudo dos fenômenos físicos e químicos presentes na natureza, entre tantos outros.

No entanto, parece-nos claro que a introdução dessa nova forma de obter informações exigirá de seus usuários habilidades diferenciadas daquelas até então utilizadas para a leitura de um texto linear. Dessa forma passaremos a verificar quais são algumas das habilidades necessárias para a leitura de um texto convencional para, posteriormente, tentarmos compreender como se dará a transferência dessas habilidades para a leitura de um hipertexto.

3. O CONHECIMENTO ANTERIOR E O PROCESSO DE LEITURA

A leitura é um tema que vem sendo discutido ao longo dos anos, sendo clara a sua importância para a aquisição de conhecimentos e valores, uma vez que grande parte deste conhecimento encontra-se registrado em diferentes tipos de material gráfico. Conscientes desta importância, os pesquisadores vêm desenvolvendo uma série de trabalhos procurando compreender, de forma efetiva, como se dá o processo de leitura, e quais são os fatores que auxiliam na formação de bons leitores.

Em nosso trabalho, deter-nos-emos na teoria de Rudell, Unrau (1994), a partir do que a leitura na escola, é vista como um processo de construção de significado, incluindo três elementos principais, a saber: o leitor, o texto e o professor. O trabalho desses autores situa a leitura no contexto educacional da sala de aula e, desta forma, é considerado um modelo interativo sócio-cognitivo. O leitor, o texto e o contexto de sala de aula, bem como o professor atuam de forma dinâmica e integrada, propiciando, assim, a construção do significado.

Devido à complexidade do modelo, estaremos verificando, somente, os aspectos relativos ao conhecimento e crenças anteriores relacionados ao leitor, tanto com relação às condições afetivas, como cognitivas, sem, no entanto, aprofundarmo-nos na discussão de cada um dos pontos apresentados.

O conhecimento anterior diz respeito a todas as informações que o leitor traz de sua experiência vivida, até então. Essas experiências baseiam-se em condições afetivas e condições cognitivas. As condições afetivas referem-se a vários fatores responsáveis pela motivação para a leitura, incluindo valores e crenças sócio-culturais dos leitores, com relação à escola e ao processo de aprendizagem. Já as condições cognitivas dizem respeito ao conhecimento da linguagem, das palavras, da estrutura de textos, bem como a compreensão da interação social da sala de aula. Apesar de apresentadas separadamente no modelo, os autores destacam a total interdependência dessas condições, que influenciam, de forma decisiva, na iniciativa do leitor em principiar e continuar a leitura de determinado texto.

As condições afetivas provêm da experiência anterior do aluno na família, na comunidade e em alguns períodos da escola. Ela inclui a motivação para a leitura, atitudes através da leitura e do conteúdo, postura do leitor e valores sócio-culturais.

Acredita-se que a leitura lúdica, aquela que é feita com prazer, pode oferecer ao leitor melhores condições de assimilar aquilo que está sendo lido. Provavelmente, o leitor que lê por obrigação, sem que haja engajamento entre ele e o texto, dificilmente aproveitará dessa leitura tudo o que poderia se estivesse motivado. Da mesma forma, a decisão do leitor em continuar ou não a leitura prende-se a sua atitude frente ao texto e seu conteúdo. Esta atitude está ligada a fatores emocionais internos e externos, ao incentivo recebido para a leitura, as normas estabelecidas, bem como as instruções oferecidas pelo professor.

O interesse do leitor pelo texto sofre a influência de vários fatores. Entre eles podemos citar: o tema abordado pelo autor, bem como suas posições e valores que podem ou não agradar ao leitor; a presença de ilustrações que auxiliem na compreensão do que está sendo exposto; o estilo do autor, que muitas vezes torna a leitura árdua e cansativa e por outras, auxilia na compreensão e no prazer da leitura, entre outros. Todos estes fatores conduzem à postura do leitor frente ao texto que é, também, considerada por Rudell, Unrau (1994) como elemento importante para a decisão de continuar ou não a leitura. Servem para direcionar o foco de atenção e o propósito do leitor. Aquele que começa a leitura com um objetivo claro e definido terá mais chances de terminar a leitura, aproveitando o máximo dela. Essa postura é influenciada pela natureza do texto e pela conseqüente interação do leitor com o mesmo. A postura do leitor, no que diz respeito à atenção para a leitura, varia em níveis diferentes e não depende da vontade do leitor, podendo ser influenciada pelo professor quando no contexto de sala de aula.

Rudell, Unrau (1994) citam, ainda, os valores e crenças sócio-culturais como elementos importantes para o sucesso estudantil em geral e desenvolvimento da leitura em particular. Apresentam trabalhos de vários autores que afirmam ser as diferenças e expectativas sócio-culturais entre professores e alunos de extrema importância no processo de aprendizagem na escola. Podemos citar como exemplo o trabalho de Phillips, 1970 apud Rudell, Unrau (1994) que demonstra que crianças índias americanas tinham grande dificuldade em falar na sala de aula, uma vez que a linguagem utilizada por elas em casa apresentava diferenças bastante acentuadas com relação àquela esperada no contexto escolar. Conclui-se, assim, que os valores e crenças sócio-culturais exercem uma influência muito grande no processo de aprendizagem e, conseqüentemente no processo de leitura, devendo ser um fator de bastante cuidado entre os professores na realização de seu trabalho em sala de aula.

Da mesma forma, as condições cognitivas são consideradas como de importância vital para o processo de leitura. Segundo os autores, apesar de toda a sua importância, elas não podem ser consideradas de forma desvinculada das condições afetivas, uma vez que existe uma interação bastante acentuada entre elas. De acordo com Paris, Lipson, Wixson, 1983 apud Rudell, Unrau (1994), as condições cognitivas estão ligadas ao papel declarativo, procedimental e condicional do conhecimento que auxiliam no processo de construção do significado. Esses papéis referem-se àquilo que o leitor conhece sobre fatos, objetos, eventos, linguagem, conceitos e teorias sobre o mundo, a como ele organiza este conhecimento, bem como ao entendimento do porquê e quando os fatos acontecem, dando ao leitor uma visão do contexto social no qual a leitura ocorre. Essas formas de conhecimento estão armazenadas na memória e são compostas de uma variedade de fatores essenciais para a construção do significado.

Rudell, Unrau (1994) acreditam que o conhecimento declarativo, procedimental e condicional estão armazenados na memória em estruturas conhecidas como esquemas. Estas estruturas são compostas de espaços preenchidos com informações específicas que são usadas em diferentes situações, como quando um problema precisa ser resolvido ou mesmo, um texto precisa ser lido e compreendido. Quando não existem os esquemas necessários para determinado assunto ou fato, a dificuldade na compreensão ou mesmo na solução do problema torna-se maior.

Podemos citar como exemplo, para melhor compreensão do funcionamento dos esquemas, a leitura de um texto relativo a uma ida ao teatro, feita por jovens em cuja cidade não existe teatro. Todo o conhecimento anterior necessário para a compreensão do texto não estará armazenado na memória dos leitores que terão grandes dificuldades na compreensão do texto. Seria necessário que, antes da sua leitura, houvesse uma apresentação das características de um teatro, sendo introduzido o vocabulário apropriado, bem como elementos relativos à organização do mesmo. Assim, seriam formados os esquemas necessários que seriam processados na leitura do texto, levando os leitores a uma maior interação e compreensão daquilo que estão lendo. Quando durante a leitura de determinado texto são ativados, por diferentes motivos, esquemas inadequados, ocorre uma distorção na sua interpretação que pode causar sérios problemas na compreensão e assimilação do conteúdo.

Outro ponto destacado por Rudell, Unrau (1994) diz respeito ao conhecimento da linguagem. De acordo com estes autores, a leitura é um processo lingüístico, necessitando, assim, da presença de esquemas que representem o conhecimento fonológico, sintático e léxico do leitor. Este conhecimento é adquirido pelas crianças durante o seu desenvolvimento, aumentando em complexidade no decorrer do período escolar. O conhecimento sintático é desenvolvido pela criança antes de aprender a ler, através do convívio social. O conhecimento léxico, por sua vez, refere-se ao conhecimento do leitor sobre as palavras e seus significados e está diretarnente ligado à sua experiência pessoal e conhecimento de mundo. Através da análise das palavras, as crianças aprendem que os símbolos impressos representam a linguagem e, conseqüentemente, possuem significado, além de compreenderem todo o processo de representação da escrita.

As estratégias de processamento de texto dizem respeito à forma como os leitores interpretam as narrativas ou textos expositivos. Estão organizadas em formas de esquemas mentais e auxiliam na compreensão dos padrões de organização textual. As crianças iniciam seu processo de leitura com textos repletos de gravuras, evoluindo para textos com padrões convencionais tanto gráficos como organizacionais.

Outro ponto, destacado no modelo estudado, refere-se às estratégias metacognitivas que servem como auto-monitoramento, estabelecendo rotinas próprias do leitor para a construção do significado. Estas estratégias começam a ser estabelecidas durante a pré-escola e vão se desenvolvendo conforme avançam os progressos escolares.

Destaca-se, ainda, para a construção do significado, a presença do conhecimento da sala de aula e a interação social dela resultante. Estes pontos estão, diretamente, ligados aos valores e crenças sócio-culturais. Todos os fatores ligados à vida social do indivíduo terão influência marcante na sua atuação e integração com a sala de aula. Ressalta-se, aqui, a participação do professor, cuja responsabilidade torna-se bastante grande com relação à adaptação do aluno aos novos padrões.

E, finalmente, como último aspecto apontado no modelo, relativo às condições cognitivas do leitor, apresenta-se o conhecimento pessoal e de mundo. Este conhecimento encontra-se, também, armazenado em forma de esquemas mentais e influenciam, diretamente, na interpretação de um texto.

Veremos, a seguir, como cada um destes pontos poderão atuar quando da leitura de um hipertexto.

4. O CONHECIMENTO ANTERIOR E A LEITURA DO HIPERTEXTO

Nesta parte do trabalho, procuraremos verificar como podem ser apl içados cada um dos pontos apresentados por Rudell, Unrau (1994) com relação ao conhecimento anterior necessário para a leitura de um texto linear, na leitura de um hipertexto. Gostaríamos de deixar claro que todas as afirmativas aqui apresentadas não foram testadas empiricamente.

Inicialmente, podemos considerar aspectos relativos às condições afetivas apresentadas no modelo de Rudell, Unrau (1994), que tratam da experiência adquirida pelo leitor antes do contato com o texto.

Em nosso país, as diferenças sócio-culturais são bastante acentuadas, refletindo-se, de forma marcante, nas atividades educacionais. São grandes as diferenças apresentadas entre as crianças matriculadas em escolas particulares e aquelas estudantes de escolas públicas. Mesmo entre aquelas que fazem parte das escolas públicas as diferenças são bastante acentuadas, se considerarmos as escolas de bairros centrais e as de periferia.

A presença do hipertexto entre nós é, ainda, muito recente, tendo sido introduzida a partir da chegada dos equipamentos de multimídia e da possibilidade de acesso às Redes Nacionais e Internacionais de Informações, sendo a INTERNET a mais conhecida dentre elas. Esses fatos fazem com que sejam, ainda, muito poucas as crianças que têm, atualmente, contato com este tipo de material. Dessa forma, em nosso trabalho, estaremos nos referindo a crianças com perfis semelhantes aos de alunos de escolas particulares, cujas famílias, normalmente, possuem um poder aquisitivo capaz de proporcionar-lhes recursos mais avançados na área educacional.

Para a análise do processo de leitura do hipertexto, precisamos nos deter em um aspecto bastante importante que é o da apresentação do texto. Ela não se dá mais de forma tradicional, através do livro impresso, mas sim, ocorre por intermédio de equipamentos eletrônicos sofisticados.

  O processo de acesso ao texto, apesar de manter em suas bases o mesmo esquema de busca, diferencia-se pela utilização de elementos, anteriormente, desconhecidos. O leitor deverá, agora, ter conhecimento das técnicas de acesso aos equipamentos de multimídia ou mesmo de acesso on Une às informações. Para que isto ocorra faz-se necessária a introdução de treinamento apropriado, que capacite o aluno a utilizar os novos tipos de materiais.

A grande maioria das crianças alvo de nosso trabalho iniciaram seus contatos com equipamentos eletrônicos através dos jogos e brinquedos eletrônicos tão difundidos, atualmente. Da mesma forma, em seus lares encontra-se a presença de eletro-domésticos que exigem habilidades semelhantes àquelas necessárias ao uso de micro-computadores, tais como videocassetes, aparelhos de som, fornos de micro-ondas, ou mesmo, equipamentos de segurança. Sendo assim, não consideramos que a introdução dos equipamentos como micro-computadores e terminais de computador seja um problema para estas crianças, tendo em vista a facilidade com que se adaptam aos equipamentos já mencionados, presentes em seus lares.

A possibilidade de utilizar os computadores tanto para jogos como para atividades de leitura e estudo acreditamos seja, também, um fator importante na aceitação por parte das crianças deste novo tipo de leitura. De acordo com Rudell, Unrau (1994), as experiências anteriores dos alunos influenciam de forma direta no seu interesse pela leitura e, sendo estas positivas, maiores são as chances de compreensão e assimilação daquilo que foi lido. Tendo usado os computadores como instrumentos de diversão, será mais fácil para o aluno aceitá-lo como instrumento de aprendizagem.

Outro ponto que consideramos positivo, com relação ao uso do hipertexto para as atividades de ensino/aprendizagem, é o interesse que a sua estrutura flexível pode despertar. Como ele permite a navegação para diferentes textos, torna-se interessante a sua leitura, uma vez que esta navegação pode servir ao leitor como elemento de esclarecimento de aspectos que não estejam muito claros no texto principal, ou mesmo a eliminação da leitura de detalhes que não sejam relevantes ao seu objetivo quando da decisão pela leitura daquele texto. Todos estes pontos aproximam-se da teoria de Rudell, Unrau (1994) que afirmam serem vários os aspectos relativos ao texto que propiciam ao leitor o desejo de continuar ou não a leitura. Entre esses aspectos destaca-se a posição do autor frente a determinados temas, a presença de ilustrações que auxiliam na compreensão do conteúdo apresentado, bem como o estilo do autor.

Por outro lado, essa mesma estrutura flexível que pode contribuir para uma melhor compreensão do texto, pode servir como elemento de dispersão do leitor, fazendo com que este perca o seu objetivo principal de vista e acabe por não conseguir tornar a leitura produtiva ou mesmo agradável. De acordo com Rudell, Unrau (1994) é necessário que o leitor inicie a leitura do texto tendo um objetivo claro e definido, para que possa tirar dele aquilo que for realmente relevante. Acreditamos que na leitura do hipertexto este ponto deve ser observado com bastante atenção, sob pena do leitor se perder em um emaranhado de textos, não conseguindo mais encontrar um caminho a ser seguido, tornando sua leitura improdutiva.

Ainda de acordo com esses autores, os valores e as crenças sócío-culturais são extremamente importantes para a construção do significado através da leitura. Desta forma, é necessário estar atento quando da utilização das inovações tecnológicas no processo de ensino/aprendizagem, procurando verificar se não existem dificuldades relacionadas à herança cultural dos alunos. Como já afirmamos, anteriormente, não acreditamos que as crianças tenham problemas em aceitar os novos equipamentos oferecidos, mas nos preocupamos com a postura dos professores que serão os intermediários entre os leitores e os hipertextos apresentados nas atividades de ensino/aprendizagem. A introdução da informática nem sempre é aceita com a naturalidade necessária, sendo vista por muitos educadores como um entrave ao processo de desenvolvimento cognitivo das crianças. Desta forma, importa estar atento às modificações introduzidas a partir das inovações tecnológicas, a fim de evitar problemas advindos da sua não aceitação e conseqüente má utilização.

O modelo estudado neste trabalho apresenta a teoria dos esquemas como um elemento importante no processo de construção de significado através da leitura. Acreditamos que a ativação de esquemas é um dos elementos primordiais no processo de leitura dos hipertextos, devido à grande flexibilidade oferecida por este tipo de material. Quando é iniciada a leitura de determinado texto, vão sendo ativados esquemas armazenados na memória que vão permitindo a associação de idéias, presentes ou não no texto, que levam à compreensão do que está escrito. A ativação de esquemas é, assim, uma atividade complexa realizada pela nossa mente, tornando-se mais e mais complexa à medida em que novas informações vão sendo oferecidas para serem processadas. A grande flexibilidade de navegação permitida pelo hipertexto exige do leitor uma atenção maior aos esquemas, a fim de mantê-lo ligado ao seu objetivo principal, estabelecido quando do início da leitura.

Por outro lado, com relação ao conhecimento da linguagem, tanto no sentido fonológico, sintático como léxico, a intertextualidade característica dos hipertextos pode contribuir para suprir a ausência da ativação de esquemas referentes a ela. A utilização de definições de termos desconhecidos, bem como a apresentação de imagens e sons, contribuem para solucionar dúvidas e problemas advindos da não compreensão do que está escrito, oferecendo ao leitor oportunidades de ampliar seus conhecimentos.

Com relação às estratégias de processamento de texto, sabemos que as crianças, quando da leitura de textos lineares, utilizam-se das ilustrações para entenderem situações, por vezes, não muito claras. Os hipertextos apresentam, normalmente, não só os textos escritos, mas também, imagens, sons e mesmo animação de determinadas ilustrações. Esses elementos auxiliam, não somente na compreensão dos textos, mas também, contribuem para tornar a leitura mais agradável e dinâmica. Podemos citar como exemplo a representação utilizada por algumas enciclopédias infantis em multimídia que apresentam o funcionamento dos sistemas do corpo humano com animação. Dessa forma, é possível às crianças observarem como se processa a respiração, o processo digestivo, ou mesmo, o desenvolvimento do feto em gestação.

Ainda com relação às ilustrações, é importante destacar que na apresentação de hipertextos e hipermídia, é freqüente a utilização de ícones, cuja função é a de facilitar a movimentação e a realização de tarefas junto aos processadores de texto. Esses símbolos exigirão dos usuários deste material uma adaptação no seu processamento de leitura, a fim de que se tornem aptos a interagirem com o equipamento de uma forma mais rápida e ágil. Será necessária a presença de esquemas mentais, anteriormente estabelecidos, que orientem na sua compreensão e conseqüente utilização. O leitor terá de ser capaz, agora, de compreender símbolos como, por exemplo, uma tesoura que simboliza o ato de recortar, ou uma impressora que aciona o ato de imprimir determinado documento.

Consideramos que as estratégias metacognitivas terão um papel bastante importante na orientação da leitura de um hipertexto. A complexidade, já destacada, deste tipo de material exigirá do leitor o estabelecimento de rotinas que orientem sua navegação entre os diversos textos, de forma a que não seja perdido o objetivo principal estabelecido quando da decisão do início da leitura. O conhecimento lógico será de vital importância, uma vez que auxiliará o leitor na manutenção da coerência em sua leitura, sem perder de vista o texto principal.

Destaca-se, ainda, como muito importante para a efetiva utilização das inovações tecnológicas no processo de ensino/aprendizagem o conhecimento da sala de aula, a interação social dela resultante e o conhecimento pessoal e de mundo do leitor. A criança já iniciada na utilização de equipamentos eletrônicos terá, sem sombra de dúvidas, maior interesse e motivação para o seu uso em sala de aula. No entanto, devemos estar atentos às diferenças individuais de cada um, que podem trazer dificuldades de compreensão para aqueles cuja utilização dos equipamentos não seja tão óbvia e tranqüila. Nesse ponto, torna-se primordial a atitude do professor na introdução dessas novidades, buscando a adaptação dos alunos tornando-os aptos a interagirem com os novos textos de uma forma adequada às suas necessidades.

5. CONCLUSÕES

A leitura é um dos elementos mais importantes a serem considerados no processo de ensino/aprendizagem. Aqueles que são capazes de ler, construindo significados, terão mais facilidades na aquisição de novos conhecimentos e informações.

As inovações tecnológicas presentes nos dias atuais vêm se desenvolvendo de uma forma bastante rápida, exigindo dos educadores modificações em suas posturas e na apresentação dos conteúdos a seus alunos. O hipertexto apresenta-se como uma ferramenta importante que, se bem utilizada, contribuirá de forma efetiva = ara o avanço das atividades de ensino/aprendizagem. Faz-se necessário, no entanto, um conhecimento maior por parte daqueles envolvidos no processo educacional, da estrutura desse instrumento. E preciso que se conheçam suas particularidades, a fim de que sua utilização possa se dar de forma efetiva e adequada às necessidades de seus usuários, de forma geral.

De acordo com a teoria de Rudell, Unrau (1994) a leitura é um processo de construção de significados, envolvendo o leitor, o texto e o professor. O modelo apresentado por esses autores, por considerar o processo de leitura no contexto instrucional de sala de aula, pode ser conceitualizado como interativo sócio-cognitivo. Neste trabalho foram discutidos os aspectos relativos ao conhecimento anterior necessário para a leitura de textos lineares apresentado por esses autores, procurando verificar como se apresentariam frente à leitura de um hipertexto.

Devido às diferenças econômicas e sociais presentes em nossa sociedade, consideramos, para efeitos deste trabalho, crianças provenientes de classe média e classe média alta, normalmente, matriculadas em escolas particulares. Acreditamos que, considerando as condições afetivas apresentadas no modelo de Rudell, Unrau (1994), essas crianças não apresentarão problemas significativos na leitura de hipertextos. A familiaridade com equipamentos eletrônicos presentes em seus lares, bem como a utilização de brinquedos eletrônicos, tornarão a aceitação deste tipo de material bastante fácil e rápida. Destaca-se, no entanto, como fator importante, a atuação dos professores na introdução desses novos instrumentos no processo de ensino/aprendizagem. Pertencendo a gerações anteriores, muitas vezes não familiarizadas com equipamentos eletrônicos, as dificuldades de aceitação da sua utilização, por parte dos professores, podem apresentar-se como dificultadores da sua utilização adequada e efetiva.

No que diz respeito às condições cognitivas, a utilização de esquemas mentais, anteriormente construídos pelo leitor, é fator primordial para que se efetue uma leitura adequada dos hipertextos. Devido à grande flexibilidade deste tipo de material permitindo a navegação por diferentes textos, bem como a utilização de elementos como sons, imagens e animação, o leitor deverá manter claro seu objetivo e postura com relação à leitura. Se isto não for possível, corre-se o risco de torná-la leitura totalmente improdutiva, devido à falta de coerência e estruturação da mesma.

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Magda Chagas Pereira

Professora do Departamento de Biblioteconomia e Documentação Universidade Federal de Santa Catarina Doutoranda em Lingüística  [UFSC]

Rev. ACB: Biblioteconomia em Santa Catarina, Florianópolis, v. 3, n.3, p. 31-46, 1998.

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Revista ACB: Biblioteconomia em Santa Catarina, Florianópolis (Brasil) - ISSN 1414-0594

Quais as influências que o processo de leitura pode sofrer do leitor do texto e dos fatores externos a ele?

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Quais as influências que o processo de leitura pode sofrer de fatores externos?

Estes fatores podem ser divididos em emocionais, físicos e intelectuais. No entanto, muitas vezes, o último fator tende a ser considerado como fundamental, porém é certo que os de ordem psicológica e ambiental também podem ser as causas do sucesso ou fracasso do leitor.

Quais os fatores que influenciam na compreensão da leitura?

Os fatores relativos ao leitor tem sido os mais estuda- dos. Dentre esses fatores destacam-se: o levantamento e uso de estratégias adequadas, fatores psicológicos como a inte-ligência, o interesse e a atitude em relação à leitura.

Quais fatores podem influenciar na escrita de uma palavra e porquê?

Dentre esses fatores, podemos destacar as influências regionais, culturais e sociais. Essa influencia, ocasionam diferenças e semelhanças lingüísticas pautadas na fala e na escrita. Sabemos que muitas pessoas não escrevem do mesmo modo com que falam.

Qual o papel do leitor na compreensão do texto?

O leitor possibilita ao romance nova vida, nova interpretação. Ele ressalta um novo valor que pode ser agregado à obra. O sujeito que lê questiona a narrativa para que possam emergir novos significados. É cumprindo estas funções que o leitor assumirá também seu papel de realizador da obra literária.