Quais as principais características da teoria das representações sociais?

Teoria das Representações Sociais

A teoria das Representações Sociais (RS) foi criada pelo psicólogo romeno Serge Moscovici (1925-2014) e apresentada por ele em 1961 no livro A psicanálise, sua imagem e seu público[1].

Ela está inserida na Psicologia Social, difundida a partir de 1930, quando psicólogos começaram a investigar as interações dentro de grupos sociais e da sociedade como um todo – até então o foco da disciplina eram os comportamentos individuais.

Moscovici não criou um conceito para as RS, pois considerava que elas ocupavam uma posição “mista” no “cruzamento de uma série de conceitos sociológicos e psicológicos” (MOSCOVICI, [1961] 2012, p. 39).

Entretanto, no conjunto da obra, costumava classificá-las como teorias leigas (feitas por cidadãos comuns); como uma forma particular de conhecimento do senso comum (extraída dos grupos sociais); e como uma espécie de ciência coletiva específica dos não-especialistas (feita pelo povo).

Naquilo que mais se aproximou de um conceito fechado, o autor afirmou:

As representações sociais são entidades quase tangíveis; circulam, se cruzam e se cristalizam continuamente através da fala, do gesto, do encontro no universo cotidiano. A maioria das relações sociais efetuadas, objetos produzidos e consumidos, comunicações trocadas estão impregnadas delas. Como sabemos, correspondem, por um lado, à substância simbólica que entra na elaboração, e, por outro lado, à prática que produz tal substância, como a ciência ou os mitos correspondem a uma prática científica ou mítica (MOSCOVICI, 2012, p. 39).

O autor acrescenta que as RS são “um conjunto de conceitos, preposições e explicações criado na vida cotidiana no decurso da comunicação interindividual”. Elas “são o equivalente, na nossa sociedade, aos mitos e sistemas de crenças das sociedades tradicionais, podem ainda ser vistas como a versão contemporânea do senso comum (MOSCOVICI, 1981, p, 181).

Para criar a teoria, o romeno inspirou-se na sociologia de Durkheim (1858-1917), que afirmava que o coletivo age sobre os indivíduos, e na antropologia de Lévy-Bruhl (1857-1939), que teorizava sobre crenças, mitos e pensamento coletivo[2].

Moscovici diz que as RS têm três dimensões: (1) informação, (2) campo de representação ou imagem e (3) atitude.

A informação “tem relação com a organização dos acontecimentos que o grupo possui com respeito ao objeto social” (p. 62). Ela condiciona o tipo de representação que o grupo terá do objeto.

O campo de representação ou imagem “nos remete à ideia de imagem, de modelo social, ao conteúdo concreto e limitado das proposições que expressam um aspecto determinado do objeto da representa” (p. 64).

A atitude “termina de explicitar a orientação global em relação ao objeto da representação social” (p. 65).

O romeno afirma que o processo da RS é tornar o estranho, normal; ou tornar familiar o não-familiar. Isso se dá por dois processos: (1) objetivação e (2) ancoragem.

A objetivação faz um conceito se tornar realidade, dando materialidade a ele, por meio de uma imagem. Ela tenta tecer as palavras que circulam em nosso cotidiano, com algo que até então se desconhece; liga a palavra à coisa.

O processo de objetivação ocorre em três etapas distintas: (a) redução, (b) esquematização estruturante e (c) naturalização.

A redução consiste em uma diminuição mais precisa da comunicação. Reduz-se um fenômeno em partes para poder explicá-lo melhor, mas acentua-se outro ponto, mais central ao grupo, para dar mais sentido, e o grupo poder entendê-lo melhor.

A esquematização estruturante são noções que constituirão relações padronizadas e estruturadas de conhecimento que irão formar a representação social.

A explicação sobre um determinado fenômeno vai se estruturando e se tornando socializada para determinado grupo. Na naturalização, percepção do grupo é encarada como realidade e materialidade. Os grupos vão explicar os fenômenos que acontecem no mundo, a partir das imagens e metáforas que este mesmo grupo tem sobre a realidade (VALA, 1993).

A ancoragem liga o objeto “estranho” a algo familiar. Ela pode ocorrer antes ou depois da objetivação. Antes: exerce um poder de nomeação (ou categorização) dos fenômenos para os grupos sociais; depois: refere-se a uma função social de classificação.

A  nomeação é entendida por Moscovici (1981) como um processo fundamental para a ancoragem. Dar nome a um determinado objeto, ou a algo, significa inserir este objeto dentro de uma “matriz de identidade”, conferindo-lhe determinado status e determinadas características. Necessitamos dar nome aos objetos, pois, do contrário, não conseguimos comunicá-los como imagens passíveis de compreensão para o grupo.

A nomeação pode produzir três efeitos: a) o nome permite que uma pessoa ou objeto seja descrito com certa atribuição de qualidades e intenções sobre ele; b) o nome dá a possibilidade de distinção de objetos ou pessoas pelas suas características distintas; c) o nome torna algo ignorado, até então, em algo reconhecido.

A classificação é uma das principais características da ancoragem, de acordo com Moscovici (1981), pois precisamos atribuir uma característica ou rótulo a algo que não nos é completamente conhecido. A classificação realizada pelo processo de ancoragem é uma forma de “dar um lugar” a determinado objeto, dentro de um conjunto de conhecimentos já representados por determinado grupo.

A classificação se dá em dois processos: a generalização e a individualização.

A generalização é quando quem está ancorando consegue aproximar a imagem de um objeto não-familiar, que se encontra a sua frente, com um que seja familiar.

A individualização ocorre quando o novo objeto que está sendo ancorado é visto com uma grande distância dos objetos já reconhecidos por este que o está ancorando, criando uma imagem de objeto desviante de um modelo preestabelecido.

Para Moscovici, as RS têm por função “uma produção de comportamentos e de relações com o meio ambiente, de uma ação que modifica aqueles e estas, e não de uma reprodução desses comportamentos ou dessas relações” (1981, p.50).

Jodelet (1984) entende que devemos compreender que uma RS sempre está simbolizando algo, seja uma pessoa, um objeto ou um acontecimento. Ela não é uma simples tradução da realidade, mas uma nova leitura.

Segundo a autora, a RS pode ser compreendida a partir da relação que os grupos estabelecem com o mundo e as coisas, por um olhar objetivado deste grupo, a partir do lugar social, cultural e econômico que ocupam os integrantes deste. Significa que há uma construção simbólica, que faz com que os grupos e indivíduos deem novos sentidos aos fatos que circundam suas vidas e não apenas a reprodução da realidade.

Para Jodelet, as RS apresentam-se como formas de conhecimento, interpretação e pensamento sobre a realidade cotidiana. Esses pensamentos compartilhados fazem com que os grupos se apropriem do mundo de uma determinada forma, dando entendimento prático às questões para as quais, até então, não havia explicação.

Jodelet (1993) diz que as RS são a forma pela qual “o senso comum expressa seu pensamento”.

Na perspectiva da autora, as RS formam um saber geral e funcional, e servem para que a atividade mental de grupos e indivíduos se relacione com situações, acontecimentos, objetos e comunicações que lhes dizem respeito.

De acordo com a autora, as RS são constituídas a partir de uma forma de construção e reconstrução de sentidos dos objetos socialmente representados pelos grupos. Estas não devem ser compreendidas como uma cópia, interiorizada, de uma imagem vinda do exterior. Devem ser pensadas como um processo de construção simbólica, a partir da realidade de determinados grupos.

Ex-aluno de Moscovici, o psicólogo brasileiro Brigido Camargo afirma que as RS são um fenômeno típico do século 20, que ganhou espaço por causa dos meios de comunicação. “A mídia leva a informação à população. O conteúdo é trocado nas relações interpessoais. O tema é debatido e se cristaliza no grupo.”[3]

Vala (1993) observa que há três fatores sociais que constituem as RS: (1) dispersão da informação; (2) focalização; e (3) pressão à inferência.

A dispersão da informação ocorre quando a informação vai se disseminando de várias formas, conforme as características dos grupos por onde ela passa.

A focalização é um fenômeno marcado por questões como moralidade, interesses profissionais e posicionamento ideológico. Estes fatores fazem com que o conhecimento do indivíduo seja “filtrado” por um conhecimento que seu grupo tenha como parâmetro.

A pressão à inferência acontece quando um indivíduo ou grupo toma uma determinada posição frente a um objeto, a partir de seu posicionamento social, que faz com que ele possa produzir uma opinião rápida, de acordo com suas estratégias de reconhecimento da realidade.

Em linhas gerais, há três tipos de representações sociais: hegemônicas (compartilhadas por todos os membros de um grupo altamente estruturado, como um partido ou uma nação); emancipadas (compartilhadas por diferentes grupos que estão em contado, como médicos que tratam de loucura); e controversa (geradas a partir do conflito entre os grupos).

Brigido acrescenta que as RS têm quatro funções: cognitiva (conhecer o mundo); atuação de conduta (uma espécie de óculos para a gente se conduzir); identitária (fortalece o grupo); e ideológica (explica procedimentos tomados pelo grupo).

Jodelet (2008, p. 413) diz que “os ecos do trabalho de Moscovici podem ser analisados em termos de períodos que refletem as relações dentro de vários domínios do conhecimento, em especial a psicologia social, psicologia cognitiva, a filosofia e as ciências sociais. Essas relações têm envolvido vários posicionamentos que vão desde a aceitação e reconhecimento a ignorar e criticando a empréstimos parciais, reinterpretações e adições”.

Brigido (2015, p. 24) afirma que “Moscovici insistiu na importância do conhecimento leigo para as sociedades contemporâneas, nos anos 50, época em que os intelectuais consideravam este tipo de pensamento como inferior ao pensamento científico e tecnológico”.

Doise (2001) acrescenta que “as RS são sempre tomadas de posição simbólicas, organizadas de maneiras diferentes”. De modo geral, pode-se dizer que, em cada conjunto de relações sociais, princípios ou esquemas organizam as tomadas de posição simbólicas entre atores sociais. “E as RS são os princípios organizadores dessas relações simbólicas entre atores sociais. Trata-se de princípios relacionais que estruturam as relações simbólicas entre indivíduos ou grupos, constituindo ao mesmo tempo um campo de troca simbólica e uma representação desse campo (DOISE, 2001, p. 193).

Referências

CARMARGO, Brigido. Serge Moscovici: um precursor inovador na psicologia social. Memorandum, 28, 2015

DOISE, Weise. Atitudes e representações sociais. In: JODELET, Denise (org). As representações sociais. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2001

MOSCOVICI, Serge. A psicanálise, sua imagem e seu público. Petrópolis: Vozes [1961], 2012

______. A representação social da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1981

______. On social representation. In: FORGAS, J.P. (org). Social cognition. London: Academic Press, 1981

JODELET, Denise.  Social representations: the beautiful invention. Journal for de theory of social behavior, 2008

______. (org), Pensamiento y vida social. Barcelona/Buenos Aires/México: Paidós, Psicologia Social, 1984

______. La representación social: fenómenos, concepto y teoria. In: Representações do contágio e a AIDS. In: MADEIRA, M.; JODELET, D. (orgs). AIDS e Representações sociais: à busca de sentidos. Natal: EDUFRN, 1998

[1] Moscovici estudou a representação social da psicanálise. Ouviu diversos grupos, de diferentes classes sociais, para saber como a psicanálise era percebida pela sociedade parisiense. No plano geral, seu objetivo era saber como o homem constrói a realidade; no plano específico, queria descobrir como o conhecimento científico é consumido e utilizado pelo homem comum. A obra foi reapresentada em 1976.

[2] Durkheim (1912, p. 626, apud MOSCOVICI, 2012, p. 40) dizia que “um homem que não pensaria por conceitos não seria um homem; pois não seria um ser social, reduzido que estaria somente ao aspecto perceptivo individual, ele seria indiferenciado do animal”. Vala (1993, p. 368) acrescenta que, para Durkheim, as representações coletivas são produções sociais que se impõem aos indivíduos como forças exteriores, servem à coesão social e constituem fenômenos tão diversos como a religião, a ciência, os mitos e o senso comum.

[3] Dito em sala de aula, em 12 de agosto de 2015, na disciplina de Representação Social e Cognição Social, do programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Quais as principais características da teoria das representações sociais?

Quais são as características das representações sociais?

As representações sociais são modalidades de pensamento prático orientadas para a compreensão e o domínio do ambiente social, material e ideal. Enquanto tal, elas apresentam características específicas no plano da organização dos conteúdos, das operações mentais e da lógica.

São características da teoria das representações sociais proposta por Moscovici?

Moscovici (1978) defende que a representação social deve ser encarada “tanto na medida em que ela possui uma contextura psicológica autônoma, como na medida em que é própria de nossa sociedade e de nossa cultura”. São características da Teoria das Representações Sociais, proposta por Moscovici: I.

Quais são os princípios da representação social?

Representação social designa ao mesmo tempo um produto e um processo (Valsiner, 2003). Enquanto processo, "é uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, com um objetivo prático, e que contribui para a construção de uma realidade comum a um conjunto social" (Jodelet, 2001, p. 22).

Quais são as funções das representações sociais?

Além da função cognitiva de compreender e explicar, as Representações Sociais também possuem a função de situar os indivíduos e grupos dentro do campo social.