Quais são os problemas de locomoção para deficientes você encontra na cidade?

Quais são os problemas de locomoção para deficientes você encontra na cidade?
Parque do Ibirapuera, um dos cartões postais da capital paulista, na zona sul (Rodrigo Soldon/CCBY)

A vida em uma grande metrópole pode ser bem difícil para uma pessoa com deficiência visual que precise se locomover entre ruas e praças, se não houver uma sinalização adequada: piso tátil, placas de sinalização em braile, entre outras.

Dados de 2010 do IBGE apontam que aproximadamente 345 mil pessoas na cidade de São Paulo não enxergam ou têm grande dificuldade para enxergar. Calçadas esburacadas e irregulares, inexistências de ligações entre asfalto e guias, rampas inadequadas são alguns dos problemas mais constantes encontrados por esses moradores.

Opções de lazer e contato com a natureza, como a visitação de parques públicos, por exemplo, também são um problema. Principalmente para quem mora na periferia da cidade. É o caso da assessora de imprensa Maria Lúcia Nascimento, 51, que reside na região do M’Boi Mirim, na zona sul.

Para ela, ainda falta muito preparo nos parques para receber quem não enxerga. “Pisos táteis, guias para nos orientar e uma áudio descrição desses locais facilitaria a nossa presença. Alguns lugares, acredito que até já tenham projetos de acessibilidade. Mas falta muito preparo nos parques para nos receber”, afirma.

A assessora, apesar de ser bem caseira, sempre que decide ir a algum parque acompanhada, prefere o Ibirapuera, na Vila Mariana, zona sul de São Paulo.

Próximo à sua casa está o Parque Municipal M’boi Mirim, localizado no Jardim Ângela. Ele, que ocupa uma área de 190.000 m², é um dos locais tidos como “ponto de acessibilidade universal”, mas oferece estrutura apenas para cadeirantes.

Não há piso tátil no interior do parque, nem sinalização em frente aos bebedouros e banheiros. Também não existe nenhum tipo de programa que ofereça auxílio a deficientes visuais que queiram percorrer o caminho das trilhas.

Em visita ao local, o 32xSP encontrou algumas áreas interditadas por tempo indeterminado, limitando o acesso também de deficientes físicos. Os motivos seriam estragos causados pelas fortes chuvas do mês de janeiro.

A maior parte de sinalização para quem precisa fazer o uso da bengala longa (um dos símbolos de independência para os deficientes visuais) se encontra, principalmente, em locais como a região das avenidas Paulista e Faria Lima.

Entretanto, os parques localizados nessas vias, como o Parque Tenente Siqueira Campos, mais conhecido como Parque Trianon, e o Parque Prefeito Mário Covas, também deixam a desejar no quesito acessibilidade.

No Mário Covas há apenas uma curta faixa entre o fim da rampa de acesso até a porta do centro de informações ao turista, localizado ali. Já no Trianon, não existe nenhum tipo de sinalização em qualquer área do parque.

De acordo com a Pesquisa Irbem (Índice de Indicadores de Referência de Bem-estar no Município), lançada no dia 24 de janeiro, a nota atribuída à acessibilidade para pessoas com deficiência nos espaços de uso público foi de 3,4 – avaliação considerada abaixo da média.

Segundo a Prefeitura de São Paulo, existe uma portaria intersecretarial (Secretaria do Verde e do Meio Ambiente, Secretaria de Cultura e Secretaria da Pessoa com Deficiência) para analisar as condições de acessibilidade nos parques e propor alterações. Essa portaria, que ainda retomará os seus trabalhos, irá verificar o que não estava sendo cumprido.

Desde os quatro anos de idade, o cientista da computação aposentado Rubio Machado Bernardes, 46, usa cadeira de rodas para se locomover por causa de uma artrite reumatoide – doença que afeta as articulações do corpo.

Morador de São Miguel Paulista, na zona leste de São Paulo, o único jeito de fazer os trajetos é ir pela rua, se arriscando próximo a veículos que transitam pelo bairro. “Muitos cadeirantes andam com a cadeira de rodas diretamente na rua porque as calçadas não oferecem a menor condição de se trafegar sobre elas”, comenta.

“Tem placas e postes bem no meio delas. Você encontra também raízes de árvores ressaltadas. Realmente se torna impossível andar de cadeira de rodas, seja ela motorizada ou não, principalmente nas periferias”, diz.

Esses são apenas alguns dos obstáculos enfrentados por pessoas com deficiência nas periferias de São Paulo e que, por vezes, passam despercebidos por pedestres que já se acostumaram com este cenário.

Segundo o último Censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) ao menos 7% dos paulistanos têm algum tipo de deficiência, dos quais 42% é visual e 26% motora.

Na sexta reportagem da série sobre mobilidade nas periferias, a Agência Mural aborda os desafios no deslocamento de pessoas com deficiência pelas ruas da cidade e o cumprimento de leis que garantam o direito de ir e vir desses moradores e moradoras.

Quais são os problemas de locomoção para deficientes você encontra na cidade?

Dificuldades de acesso vão da situação das calçadas ao acesso ao transporte @Ira Romão/Agência Mural

No ônibus

Por não ter carro, Bernardes sempre utiliza os ônibus e o Metrô para percorrer distâncias maiores, e diz que a principal dificuldade no trajeto é a falta de preparo técnico de motoristas e cobradores.

A opinião é compartilhada pela conselheira municipal Glauce Teixeira, 42, moradora do Jaraguá, na zona noroeste da capital.

“Muitas vezes, pedimos para os motoristas dos ônibus pararem em determinado ponto ou nos avisar aonde descer. Porém, eles não avisam. E quando estamos desembarcando ou embarcando, alguns já estão saindo com o ônibus, querendo fechar a porta”, relata.

Atualmente, uma lei permite que pessoas com deficiência desçam fora do ponto de ônibus.

Glauce vive no Jaraguá e tem síndrome de Usher, uma patologia caracterizada pela perda parcial ou total da audição e diminuição progressiva da visão @Ira Romão/Agência Mural

Moradora do Jaraguá, na região noroeste de São Paulo, ela enfrenta alguns obstáculos para andar pela cidade @Ira Romão/Agência Mural

Nas calçadas, costuma encontrar irregularidades no piso @Ira Romão/Agência Mural

Também tem de lidar com árvores e outros obstáculos como hidrantes, sem sinalização para quem tem baixa visão @Ira Romão/Agência Mural

Em faixas de pedestres sem semáforo, depende do apoio de outros pedestres para atravessar a rua @Ira Romão/Agência Mural

Por vezes há outros obstáculos, como neste caso, onde um caminhão está estacionado sobre a faixa de pedestres @Ira Romão/Agência Mural

Os buracos no chão também são um empecilho @Ira Romão/Agência Mural

No ônibus, nem sempre a deficiência dela é levada a sério e já ouvi que "qualquer um pode andar com uma bengala" @Ira Romão/Agência Mural

A conselheira tem síndrome de Usher, uma patologia hereditária caracterizada pela perda parcial ou total da audição e diminuição progressiva da visão.

Atualmente, ela tem baixa visão, campo visual reduzido e perda auditiva de 30 decibéis, o que significa surdez leve para moderada. Essa condição, contudo, nem sempre é levada em conta. “Como meu diagnóstico é de retinose pigmentar, que é uma patologia de degeneração da retina, não é visto a olho nu.”

“Muitos cobradores já pediram meu RG para comprovar se eu era a pessoa do bilhete especial, questionando como que eu poderia ter baixa visão e alegando que qualquer um poderia andar com bengala”, lembra.

A autônoma Valquiria Marques Lobato, 31, vive situação semelhante. Ela é mãe de Henrique, 10, que tem TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade) e TOD (Transtorno Opositivo Desafiador), o que lhe dá direitos no transporte público, como assento preferencial e a possibilidade de descer do ônibus fora dos pontos regulares.

Mas, como Valquiria conta, por não ter uma deficiência visível, ela e o filho passam por situações desagradáveis. “É horrível ter que explicar para todo mundo que ele não tem problema físico e sim mental. Hoje esses transtornos são bem poucos reconhecidos”, diz.

“Pegamos ônibus frequentemente. Bancos preferenciais não existem para ele porque as pessoas fingem dormir ou não cedem o lugar”, complementa.

Em nota, a SPTransinforma que a frota municipal de ônibus conta com 100% dos veículos em operação acessíveis a pessoas com mobilidade reduzida, sendo que os coletivos com piso baixo representam 47%.

“Além dos ônibus do sistema, a SPTrans oferece uma modalidade de transporte porta a porta, gratuito aos usuários. O serviçoAtende+é destinado às pessoas com autismo, surdocegueira e deficiência física com alto grau de severidade e dependência, impossibilitadas de utilizar o transporte coletivo por ônibus”, detalha.

Em relação às plataformas elevatórias para cadeiras de rodas, a empresa explica que a inspeção de funcionamento é realizada a cada 5 mil km trafegados e as manutenções preventivas ocorrem a cada 10 mil km ou 15 mil km, a depender das recomendações do fabricante. Se constatados defeitos no equipamento, os veículos são lacrados e impedidos de operar até que o problema seja solucionado.

Em casos de mau atendimento ou atitude desrespeitosa por parte de motoristas e cobradores, o passageiro pode abrir uma denúncia ou reclamação por meio da central 156 e dosite.

De acordo com a SPTrans, os operadores passam por treinamentos focados em prevenção de acidentes, atendimento aos passageiros e acessibilidade de pessoas idosas, com deficiência ou mobilidade reduzida. Em 2019, foram treinados 33.371 profissionais. Neste ano, em virtude da pandemia, 4.440 colaboradores participaram do treinamento até o mês de setembro.

Carros por aplicativo

A opção de pagar pelo transporte por aplicativo também encontra barreiras, segundo moradores das periferias. “A maioria dos motoristas utiliza carros pequenos. Então não cabe uma cadeira de rodas”, afirma Rubio.

“E ainda que caiba, muitos motoristas ao notarem que é um cadeirante que vai fazer uso do transporte, já recusam a corrida ou simplesmente dizem que não levam cadeira de rodas no porta-malas”, conta Bernardes.

No caso de Glauce, ela também lida com algumas barreiras. “Quando escrevo no chat de mensagem do aplicativo que sou uma mulher com baixa visão, muitos cancelam”, afirma.

Por não conseguir identificar a cor e o modelo do carro, menos ainda ver o número da placa, Glauce costuma pedir que o motorista a avise por mensagem ou a aborde, tocando no ombro, se for o caso, quando chegar ao local onde ela aguarda. “Muitas vezes, eles não abordam, cancelam e vão embora. É um desrespeito”, desabafa.

À reportagem, a 99 afirma que os motoristas são instruídos a estarem disponíveis para ajudar um passageiro ou uma passageira com deficiência sempre que necessário.

Diz, ainda, que os usuários podem informar que necessitam de alguma característica especial no veículo para realizar a viagem, como um porta-malas maior para guardar uma cadeira de rodas e que é liberada a entrada de cão-guia registrado.

“A 99 faz recomendações para que não seja motivo de cancelamentos de viagens se uma pessoa tiver deficiência. Caso seja presenciado alguma conduta não condizente com as orientações [da empresa], é possível fazer reclamações pelo aplicativo da 99 ou pela Central de Segurança (0800-888-8999)”, detalha, citando disponibilizar um material informativo sobre o tema.

Já a Uber diz que não tolera discriminação em viagens pelo aplicativo e que tem, como política, que os motoristas parceiros cumpram a legislação que rege o transporte de pessoas com deficiência, incluindo a acomodação de cães-guia, por exemplo.

“Além disso, os motoristas parceiros devem acomodar passageiros usando andadores, bengalas, cadeiras de rodas dobráveis e outros dispositivos de assistência, tanto quanto seja possível”, afirma.

Nos casos em que usuários sentirem que o tratamento dado pelo parceiro desrespeitou os termos da lei, a Uber afirma que o ocorrido deve ser reportado para que a empresa possa tomar as medidas necessárias e citou um material disponível sobre o tema.

Quais as soluções para melhorar o acesso? Para a diarista Dalva Brito da Mota, 53, a acessibilidade melhoraria ainda mais se os profissionais do transporte público soubessem se comunicar por Libras (Língua Brasileira de Sinais).

Moradora de Pirituba, na zona noroeste de São Paulo, Dalva é uma mulher com deficiência auditiva desde os cinco anos de idade, após ter contraído meningite. A doença pode ser causada por vírus ou bactéria e, quando agravada, pode ocasionar surdez.

Além de usar Libraspara se comunicar, Dalva faz leitura labial. Contudo, durante a pandemia de Covid-19, o uso de máscaras – importantes para reduzir a transmissão do vírus – a impediu de fazer a leitura e se comunicar adequadamente com as pessoas.

Como solução para esse período, Dalva adotou o hábito de andar com caneta e caderno para facilitar a comunicação. “Para trabalhar, uso transporte público. Levo meu caderninho com uma caneta e escrevo o que quero, inclusive no ônibus”, diz.

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Degrau em ônibus. Plataforma que desça até o nível da calçada ajudaria no acesso @Ira Romão/Agência Mural

Atuando no Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência de São Paulo, Glauce aponta que uma das demandas da cidade para melhorar a mobilidade é a necessidade de implementar piso baixo nos coletivos.

A conselheira reforça que isso traria benefício não apenas para as pessoas com deficiência, mas para idosos, mães com carrinhos de bebês e uma pessoa com dificuldade temporária para se locomover.

Ela acrescenta que as pessoas com deficiência visual lidam com barreiras arquitetônica, urbanística e atitudinal, o que consta na Lei Brasileira de Inclusão (lei nº 13.146/2015).

“Precisamos muito trabalhar a acessibilidade atitudinal, que nada mais é do que a atitude de todas as pessoas. Não é um ou outro, é toda a população. É a única forma de dialogar e trocar informações e experiências para conseguirmos esse caminho”.

A Lei Brasileira de Inclusão aponta, entre outros pontos, que o direito ao transporte e à mobilidade da pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida deve ser assegurado em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, por meio de identificação e de eliminação de todos os obstáculos e barreiras ao seu acesso.

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Eduardo Silva

Editor-assistente da Agência Mural, pós-graduado em jornalismo cultural, gosta de cultura pop, gatos, filmes de comédia e boas playlists. Correspondente de São Miguel Paulista desde 2017.

Quais são os problemas de locomoção para deficientes você encontra na cidade?

Ira Romão

Jornalista, fotojornalista e apresentadora de podcast. Atuou em comunicação corporativa. Já participou de diferentes projetos como repórter, fotógrafa, verificadora de notícias falsas e enganosas. Foi uma das apresentadoras do ‘Em Quarentena” e da série sobre mobilidade nas periferias. Ama ouvir histórias, dançar, karaokê e poledance. Correspondente de Perus desde 2018.

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Buracos, degraus, subidas e descidas fazem parte do cotidiano de quem vive na cidade. Estamos tão habituados a conviver com obstáculos e dificuldades que encaramos estes problemas como normais e parte do nosso dia a dia. Ruas esburacadas, rampas destruídas, calçadas minúsculas em avenidas de grande movimento.

Quais os problemas de acessibilidade no meio urbano para os deficientes visuais?

Calçadas desniveladas e sem rebaixamentos, mobiliário urbano inadequado, inexistência de sinalização sonora para deficientes auditivos, inexistência de piso tátil para deficientes visuais, ausência de rampas e falta de vagas de estacionamento são alguns dos problemas enfrentados pela população com deficiência nas ...

Quais os problemas presentes encontrados nas cidades em relação à acessibilidade?

Para uma pessoa com mobilidade reduzida, são inúmeras as barreiras encontradas nos espaços urbanos. Existe uma grande carência de rampas de acesso, de elevadores nos edifícios, banheiros adaptados e de calçadas em boas condições.