Qual é a probabilidade de sair cara ou coroa?

Em uma moeda “honesta”, a probabilidade de sair cara � 50% e a probabilidade de sair coroa tamb�m � igual a este valor. Para moedas “desonestas”, isto n�o ocorre: as probabilidades de sair cara ou coroa n�o s�o iguais.

Considere uma moeda desse tipo, na qual a probabilidade de sair cara � igual a 3 vezes a probabilidade de sair coroa. Lan�ando-a duas vezes, a probabilidade de sair cara em ambos os lan�amentos � igual a:

a)

1/16 

b)

9/16 

c)

1/4

d)

3/4

Lisbeth K. Cordani
IMEUSP

Quando se fala em introduzir probabilidade e estatística na escola básica, paira uma dúvida a respeito do conteúdo que cada área vai abordar: é o mesmo ou são diferentes? Como se aproximam e como se distanciam essas duas áreas? “Hoje tive aula de probabilidade, mas... será que não foi de estatística?” O apoio do professor para dirimir as dúvidas é fundamental para a grande parcela dos alunos, e pretendemos ajudar nessa direção.

A proposta é ajudar o aluno a reconhecer as diferenças através de uma simples aplicação e, neste artigo, ampliamos a discussão entre valores que “podem acontecer” e valores que “aconteceram”.

Para iniciar, recorremos a um exemplo de Noether (ver [3]), que chama a atenção para a “diferença essencial” entre o raciocínio matemático e o raciocínio estatístico; a probabilidade foi incluída na discussão em [1], pois ela é a balizadora de nossas decisões no campo da estatística.
Voltando às diferenças recém-mencionadas, apresentamos o seguinte esquema:

Sentença Matemática (SM): Todos os números primos são ímpares.

Sentença Probabilística (SP): A probabilidade de se obter cara em um lançamento de uma moeda honesta (no sentido de perfeita) é ½.

Hipótese Estatística (HE): Esta moeda que tenho em mãos e que apresentou cinco caras em cinco lançamentos independentes não é honesta.

Para a primeira sentença (SM), basta que apresentemos um contraexemplo (2 é par e é primo) para determinar que SM é falsa. Para a SP, ao falar de moeda “perfeita” fisicamente, estamos dizendo que a chance de cair cara é a mesma de cair coroa (desconsiderado o caso de cair de pé), e, portanto, um caso favorável em dois possíveis daria o valor ½. Portanto, SP é verdadeira nessas condições. Duas tarefas simples e já definidas.

No entanto, dizer que uma moeda que tenho em mãos não é honesta não é uma tarefa simples, e não teremos uma resposta “definitiva”: por um lado, uma moeda honesta pode, sim, apresentar cinco caras em cinco lances, mas, por outro, o “senso comum” nos faz desconfiar dessa moeda. Evidentemente, não vamos dar um aval ao senso comum para a tomada de decisão, mas já vemos que a tarefa não é simples. Ou seja, dizer se uma HE é falsa requer uma tomada de decisão que tem um risco envolvido – posso acertar ou errar. Nessa noção de risco é que temos que lançar mão da probabilidade.

Voltando ao nosso propósito inicial de entender a diferença entre probabilidade e estatística, vamos propor um problema simples que seria o de lançar uma moeda duas vezes e analisar a versão probabilística e a versão estatística da situação.

Abordagem probabilística

Sob o ponto de vista de probabilidade, podemos representar os dois lances por um diagrama de árvore, e a notação que utilizaremos será p = P (cara) e (1 − p) = P (coroa). Vamos definir nosso interesse pelo número de caras e analisaremos como ele se comporta no primeiro lance e nos dois lances juntos.

Qual é a probabilidade de sair cara ou coroa?

Qual é a probabilidade de sair cara ou coroa?

Qual é a probabilidade de sair cara ou coroa?

Qual é a probabilidade de sair cara ou coroa?

Se estivermos tratando de uma moeda honesta, o valor de p no diagrama de árvore apresentado (e correspondentes tabelas) será ½. Esse é um cenário dos valores que podem acontecer em dois lançamentos de uma moeda, com as correspondentes probabilidades. Sempre considerando o número de caras (X) como a variável de interesse, se p = ½, vemos que, para um lançamento (tanto somente o primeiro quanto somente o segundo), sair uma cara é tão provável quanto não sair nenhuma cara. No entanto, se considerarmos os dois lançamentos juntos, o mais provável é sair uma cara, e é menos provável termos zero cara ou duas caras (e, nesses dois casos, cada uma das probabilidades vale ¼).

A propósito de notação, para o primeiro lançamento podemos associar o valor X1 = 0 (coroa) ou X1= 1 (cara), para o segundo, X2 = 0 (coroa) ou X2= 1 (cara), e assim por diante. Em termos formais, cada Xi tem uma distribuição de Bernoulli, com probabilidade de cara = p. Se continuássemos o diagrama de árvore para n lançamentos independentes, com P(cara) = p, poderíamos construir a distribuição de probabilidade da variável número de caras (binomial), que pode vir a ser útil para o confronto com eventuais resultados a serem obtidos. O leitor interessado encontrará em [2] material mais detalhado.

Até o momento, como já dissemos, não realizamos experimento nenhum e nem estamos diante de nenhuma coleta de dados. O que temos é um modelo probabilístico que reproduz um cenário de possíveis resultados da moeda (cara ou coroa) ou então (1 ou 0), sendo que esta última representação diz respeito a considerar o número de caras, e não o desenho da face superior da moeda, quer para cada lançamento isolado da moeda (Bernoulli), quer para o número total de caras em n lançamentos independentes da moeda (binomial).

Abordagem estatística

Agora vamos realizar um experimento, como pegar uma moeda, jogá-la um certo número de vezes e registrar o resultado: cara ou coroa. Vamos realizar dez lançamentos e colocar os resultados na notação sugerida (essa geração pode ser feita jogando de fato uma moeda e registrando o resultado):

Qual é a probabilidade de sair cara ou coroa?

Temos, então, dez resultados de um lançamento de uma moeda, e o número de caras foi 3.

Podemos especular se a moeda é ou não honesta. Esse é um problema estatístico. A pergunta pode ser: há motivos para duvidar da “honestidade” da moeda? Isso diz respeito à probabilidade de cara dessa moeda. A teoria de probabilidade nos conta como uma moeda honesta se comporta, mas, ao olhar a sequência experimental das caras e coroas geradas acima, não sabemos se foi produzida por uma moeda honesta ou não.

A partir da distribuição binomial, para dez lançamentos independentes, com P(cara) = p, temos que o resultado que obtivemos (três caras e sete coroas) ocorre com probabilidade igual a 120p3(1 − p)7. Se a moeda for honesta (p = ½), essa probabilidade é de 0,117 (11,7%); isso significa que, quando fazemos dez lançamentos independentes de uma moeda honesta, há probabilidade de aproximadamente 12% de dar o resultado três caras (e sete coroas).

É aí que entra o raciocínio estatístico, o qual, respaldado pela probabilidade, toma decisões com certa dose de risco. Ou seja, grosso modo, se optarmos por dizer que a moeda não é honesta devido ao resultado obtido (três caras em dez lançamentos), sabemos (pelos resultados da distribuição binomial – ou mesmo pelo diagrama de árvore em dez lançamentos) que o risco que corremos de errar é de quase 12%! Na HE considerada acima, obtivemos cinco caras em cinco lançamentos independentes da moeda – para n = 5, um resultado de cinco caras e zero coroa ocorre com probabilidade 0,03125 (3,125%). Já se optarmos por dizer que a moeda não é honesta nesse último caso, o risco de errar é de 3,125%, bem menor do que o anterior.

Então, para decidir se rejeitamos ou não a hipótese de que a moeda que temos em mãos é honesta, o que foi colocado na nossa hipótese estatística HE do início, realizamos um experimento de n lançamentos independentes da moeda e registramos o número de caras. Conforme for o valor da probabilidade associada ao número obtido de caras, sob a hipótese de honestidade da moeda, tomamos a decisão de rejeitar (ou não) a honestidade (se grande, não rejeitamos, se pequeno, rejeitamos). Então, para tomar decisões sobre uma HE, lançamos mão da teoria de probabilidades que nos dá uma medida do risco associado. Grande? Pequeno? Essa é uma questão que não será discutida aqui.

correspondência entre as abordagens

O modelo teórico assume um valor de p, que é a probabilidade de cara. A teoria estatística nos oferece algo para estimar p a partir da amostra, e um bom candidato é a frequência relativa de caras, ou seja, o quociente [número observado de caras)/n].

Qual é a probabilidade de sair cara ou coroa?

figura 1

Chamamos de estimador (pontual)

Qual é a probabilidade de sair cara ou coroa?
a esse quociente, e de estimativa seu valor numérico. Assim, no caso da HE mencionada,
Qual é a probabilidade de sair cara ou coroa?
= 1 , e, no caso do exemplo dos dez lançamentos,
Qual é a probabilidade de sair cara ou coroa?
= 0,3. Por que
Qual é a probabilidade de sair cara ou coroa?
é um bom candidato, nesse caso? Porque há a chamada Lei dos Grandes Números, cujo enunciado diz que, se jogarmos uma moeda um número (n) muito grande de vezes e observarmos a frequência relativa de caras, o comportamento do quociente
Qual é a probabilidade de sair cara ou coroa?
[número observado de caras)/n], essa frequência se aproxima do valor real de p (Probabilidade de CARA) para n grande (noção de limite) (ver [2]).

No exemplo de dez lançamentos descrito acima, como já visto, a estimativa obtida para p foi

Qual é a probabilidade de sair cara ou coroa?
= (3/10) = 0,3. A figura 1 mostra o comportamento de em uma sequência de n = 100 lançamentos de uma moeda honesta. Vemos que a frequência relativa tende para ½ (= P( cara)). Os alunos devem ser estimulados a construírem seus próprios gráficos, análogos ao da figura 1.

Voltando à moeda propriamente dita, desconhecendo sua estrutura (p = ?), vamos usar sequências de n lançamentos para obter informações, ou seja, vamos usar a estatística. Por um lado, a Lei dos Grandes Números nos habilita a usar o valor de

Qual é a probabilidade de sair cara ou coroa?
como uma “ideia” do valor de p (para uma sequência grande de lançamentos). Por outro, calcular quão provável é o resultado obtido supondo p = ½ é uma estratégia interessante para tomar a decisão de rejeitar ou não a honestidade de uma moeda. O experimento retratado na figura 1, realizado com uma moeda honesta, apresentou 49 caras em cem lançamentos, o que fornece a estimativa
Qual é a probabilidade de sair cara ou coroa?
=(49/100)=0,49 para o valor de p (probabilidade de cara). Calcular o risco associado a rejeitar que essa moeda seja honesta é deixado ao leitor. Sugerimos replicar esses lançamentos em sala de aula, usando fisicamente a moeda, para que os alunos tomem contato com a incerteza e a variabilidade dos resultados.

Observações finais

Não é raro nos depararmos com frases do tipo “a probabilidade de que chova amanhã é 70%”, “levantamentos estatísticos indicam que os moradores de uma cidade rejeitam a nova proposta da prefeitura para ordenamento urbano” e outras semelhantes, o que dá ensejo, por parte dos alunos, a perguntas que remetem ao título do artigo. Procurou-se então dar uma ideia bem geral do que trata a probabilidade e do que trata a estatística num contexto simples para sala de aula.

Grosso modo, podemos pensar na probabilidade como algo relativo à prospecção e na estatística como algo relativo a dados históricos. Nessa mesma abordagem incluímos exemplos sobre geração aleatória de resultados de lançamentos de uma moeda, tanto com uma moeda propriamente dita como com sequências de números aleatórios. Esse último caso se refere aos passos iniciais de simulação. A autora agradece a Simone Harnik pela leitura e sugestões de forma.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

[1] CORDANI, L. Estatística para todos: atividades para sala de aula. CAEM/IMEUSP, 2012.

[2] MORETTIN, P. A. ; BUSSAB W. O. Estatística básica. 7a ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

[3] NOETHER, G. Introdução à estatística: uma abordagem não paramétrica. 2a ed. Guanabara Dois, 1983.