Como se diferenciam os direitos fundamentais das cinco primeiras gerações?

I. INTRODUÇÃO

A Constituição brasileira de 1988 declara, em cinco capítulos, os direitos e garantias fundamentais assegurados por nosso país. Eles estão dispostos dos artigos 5º ao 17, subdivididos em categorias, as quais são: direitos individuais e coletivos – capítulo I, direitos sociais – capítulo II, direitos da nacionalidade – capítulo III, direitos políticos – capítulo IV e direitos relativos à participação político-partidária, bem como à existência dos partidos e sua organização.

Estes direitos fundamentais ou humanos correspondem a um conjunto de prerrogativas, exigidas pela dignidade, igualdade e fraternidade, para o desenvolvimento do indivíduo, seja em sociedade, na vida política, seja considerado isoladamente.

Entretanto, a previsão de tais direitos, apesar de sua indiscutível imprescindibilidade, não foi constante em todas sociedades politicamente organizadas do mundo, tendo o Brasil,inclusive, recepcionado-os com atraso em sua constituição.

II. PRIMEIRA GERAÇÃO: LIBERDADE.

Segundo o douto constitucionalista J. J. Gomes Canotilho, a positivação destes valores históricos e filosóficos, entendidos como universais, ocorreu, tão somente, no ano de 1789, com Revolução Francesa, por meio da Declaração dos Direitos do Homem.

Diz, ainda, que não se pode olvidar as declarações de direitos realizadas pelos Estados Americanos, intitulada como “Virgínia Bill of Rigths”, no ano de 1776, ocasião em que firmaram-se como independentes, frente ao domínio inglês.

Faz-se mister ressaltar a finalidade buscada com a consagração desses direitos em leis fundamentais, segundo Canotilho:

“(…) A constituição em sentido moderno pretendeu, como vimos, radicar duas ideias básicas: (1) ordenar, fundar e limitar o poder político; (2) reconhecer e garantir os direitos e liberdades do indivíduo. Os temas centrais do constitucionalismo são, pois, a fundação e legitimação do poder político e a constitucionalização das liberdades. (...)”

Portanto, os direitos fundamentais têm sua aurora vinculada à premente necessidade de se impor limites à ingerência estatal na vida privada, com o fito de proteger legalmente as liberdades. Passava-se a exigir, nesse momento histórico, tão somente a abstenção do Estado, elevando o grau de autonomia individual.

Nesse sentido, explica José Afonso da Silva o contexto social em que ocorreu esta mudança:

“(…) As declarações dos séculos XVIII e XIX voltam-se basicamente para a garantia formal das liberdades, como princípio da democracia política ou democracia burguesa. Isso se explica no fato de que a burguesia, que desencadeara a revolução liberal, estava oprimida apenas politicamente, não economicamente. Daí por que as liberdades da burguesia liberal se caracterizam como liberdades-resistência ou como meio de limitar o poder, que, então era absoluto. (...)”

Assim, a burguesia foi determinante para concretizar os primeiros traços de contenção do poder estatal, haja vista a sua emancipação econômica, força motriz para iniciar a revolução que permitiu estabelecer os ditames para a governança monárquica.

Nesse viés, Paulo Bonavides classifica os direitos, advindos desse período revolucionário, como de “primeira geração”, pois ele ensina que os direitos fundamentais: “passaram na ordem institucional a manifestar-se em três gerações sucessivas, que traduzem sem dúvida um processo cumulativo e qualitativo”.

Tal processo, segundo o autor, é resumido através do lema da Revolução Francesa: “liberdade, igualdade e fraternidade”, o qual “(…) exprimiu em três princípios cardeais todo o conteúdo possível dos direitos fundamentais, profetizando até mesmo a sequência histórica de sua gradativa institucionalização (...)”.

Isto posto, Bonavides ensina quais são os direitos surgidos deste episódio histórico, como a seguir se expõe:

“(…) Os direitos da primeira geração são os direitos da liberdade, os primeiros a constarem do instrumento normativo constitucional, a saber, os direitos civis e políticos, que em grande parte correspondem, por um prisma histórico, àquela fase inaugural do constitucionalismo do Ocidente.

Se hoje esses direitos parecem já pacíficos na condição política, em verdade se moveram em cada país constitucional num processo dinâmico e ascendente, entrecortado não raro de eventuais recuos, conforme a natureza do respectivo modelo de sociedade, mas permitindo visualizar a cada passo uma trajetória que parte com frequência do mero reconhecimento formal para concretizações parciais e progressivas, até ganhar a máxima amplitude nos quadros consensuais de efetivação democrática do poder. (...)”

III. SEGUNDA GERAÇÃO: IGUALDADE.

Empós a gloriosa vitória sobre o absolutismo monárquico, a sociedade se encaminhou para um novo modelo econômico, marcadamente comercial, no formato industrial, demandando volumosa mão de obra, a custos baixíssimos e de acordo com os ditames do proprietário do negócio.

Diante desse quadro, Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino afirmam que alguns movimentos sociais do século XIX propiciaram a transição do Estado liberal para o Estado social, o qual buscava assegurar proteção aos hipossuficientes, além da igualdade material, ou seja, diversa da meramente formal até então estabelecida.

Para ilustrar, José Afonso explicita como o desenvolvimento econômico trouxe novas características ao tecido social, a saber:

“(…) No entanto, o desenvolvimento industrial e a consequente formação de uma classe operária logo demonstraram insuficiência daquelas garantias formais, caracterizadoras das chamadas liberdades formais, de sentido negativo, como resistência e limitação ao poder. Pois a opressão não era, em relação a ela, apenas de caráter político formal, mas basicamente econômico. Não vinha apenas do poder político do Estado, mas do poder econômico capitalista. De nada adiantava as constituições e leis reconhecerem liberdades a todos, se a maioria não dispunha, e ainda não dispõe, de condições materiais para exercê-las. (…)

Desse modo, as liberdades formalmente garantidas à classe burguesa não se mostraram suficientes para os operários, os quais não contavam com qualquer poderio, subjugados às ordens dos industriais. Se desenhava, então, outra forma de opressão: o capitalismo incontido, oposto ao Estado, mas igualmente cerceador do direito à liberdade.

A miséria do proletariado, decorrente da concentração da riqueza nas mãos de poucos, levou a Constituição mexicana de 1917 e a Constituição alemã de 1919 a abordarem os direitos sociais, como continua demonstrando o renomado autor:

“(…) a Constituição mexicana de 1917 que, por primeiro, sistematizara o conjunto dos direitos sociais do homem, restrita, no entanto, ao critério de participação estatal na ordem econômica e social, sem romper, assim, em definitivo, com o regime capitalista. A Declaração dos Direitos Sociais (trabalho e previdência social) consta do extenso art. 123 daquele documento constitucional, ainda em vigor. No mesmo sentido, seguiu-se a Constituição alemã de Weimar, de 1919, abrindo seu Livro II com a rubrica dos Direitos e Deveres Fundamentais dos Alemães, sob a qual inclui os direitos da pessoa individual (cap. I), os direitos da vida social (cap. II) os da vida religiosa (cap. III), os da educação e escola (cap. IV) e os da vida econômica (cap. V). Os direitos sociais e econômicos, dentro do regime capitalista, estão reconhecidos e garantidos ao lado dos direitos individuais, como na Constituição mexicana, que é mais avançada do que aquela. Mas foi a de Weimar que exercera maior influência no constitucionalismo de pós-Primeira Guerra Mundial, até na brasileira de 1934. (...)”

À vista disso, apenas no século XX se reconheceu os direitos fundamentais sociais, tendo o Estado abandonado a postura abstencionista que outrora fora bastante requisitada, para então intervir à favor dos trabalhadores.

Nesse viés, Bonavides tece considerações importantes sobre essa nova geração de direitos, a saber:

“(…) Os direitos da segunda geração merecem um exame mais amplo. Dominam o século XX do mesmo modo como os direitos da primeira geração dominaram o século passado, São os direitos sociais, culturais e econômicos, bem como os direitos coletivos ou de coletividades, introduzidos no constitucionalismo das distintas formas de Estado social, depois que germinaram por obra da ideologia e da reflexão antiliberal do século XX. Nasceram abraçados ao princípio da igualdade, do qual não se podem separar, pois fazê-lo equivaleria a desmembrá-los da razão de ser que os amparar e estimula. (...)”

Ato contínuo, o professor afirma que, nessa geração, germinou-se a consciência de que salvaguardar o indivíduo tem a mesma importância que proteger a instituição, entendida esta como: “uma realidade social muito mais rica e aberta à participação criativa e à valoração da personalidade que o quadro tradicional da solidão individualista”. Então, surgiram as garantias institucionais, como um novo conteúdo dos direitos fundamentais.

Ainda, Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino dispõem que os direitos de segunda geração são implementados por políticas e serviços públicos, sendo estes chamados de direitos positivos, por imporem ao Estado a obrigação de adimpli-los. Porém, não se diferenciam dos de primeira geração apenas pela a atuação comissiva governamental, mas por possuírem objeto absolutamente distinto, qual seja: “intervencionismo estatal em defesa do mais fraco”.

IV. TERCEIRA GERAÇÃO: FRATERNIDADE.

Superada essa fase, Bonavides apresenta um novo panorama: “a consciência de um mundo partido entre nações desenvolvidas e subdesenvolvidas ou em fase de precário desenvolvimento deu lugar em seguida a que se buscasse uma outra dimensão dos direitos fundamentais, até então desconhecida”, a qual não se limita a compreender tão somente os direitos individuais ou coletivos.

Esta, denominada de terceira geração, não trata também de interesses de um grupo, mas do “gênero humano”, identificados pelo autor como o direito ao “desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade” à paz, ao desenvolvimento, ao meio ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade.” Aqui a titularidade é difusa, revelando uma fraternidade entre os diferentes Estados.

V. CONCLUSÃO

Assim, resta demonstrado através da análise histórica feita, que o ser humano, seja considerado individualmente ou inserido em grupos, possui necessidades para atingir o seu desenvolvimento em plenitude, partindo da premissa que o mínimo oferecido deve ser a dignidade, balizadas tais demandas pela não interferência negativa no seio social.

Por fim, repise-se que cada nova geração de direitos não substitui a anterior, mas se mantém produzindo todos os seus efeitos, apenas alcançando novos conteúdos, dialogando sem excluírem-se mutuamente.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BONAVIDES, Paulo, Curso de direito constitucional, 17. ed, São Paulo, Malheiros, 2005.

CANOTILHO, J. J. Gomes, Direito constitucional e teoria da constituição, 7. ed., 11. reimpr., Coimbra, Almedina, 2012.

PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo, Direito constitucional descomplicado, 14. ed., São Paulo, Método, 2015.

SILVA, José Afonso, Curso de Direito Constitucional Positivo, 25 ed., São Paulo, Malheiros, 2005.

Como se diferencia os direitos fundamentais das cinco primeiras gerações?

“Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas – ...

Quais são as 5 gerações da teoria das gerações dos direitos fundamentais?

Através da teoria geracional de Vasak é possível, portanto, distribuir os direitos humanos em: primeira geração (liberdade), segunda geração (igualdade) e terceira geração (fraternidade).

Quais são as 5 dimensões dos direitos fundamentais?

As Cinco Dimensões dos Direitos Fundamentais: 5.1 Primeira Dimensão e o Estado Liberal; 5.2 Segunda Dimensão e o Estado-Providência; 5.3 Terceira Dimensão, o Valor Solidariedade e as Quarta e Quintas Dimensões dos Direitos Fundamentais – 6.

Quais são os direitos de 5 geração?

Destaca a paz como um direito fundamental de quinta geração que legitima o estabelecimento da ordem, da liberdade e do bem comum na convivência dos povos. Assim, a nova dimensão de direitos fundamentais reserva ao direito à paz o papel central de supremo direito da humanidade.