O capitalismo não inventou a opressão das mulheres, mas criou a família moderna. A análise desta última é indispensável para compreender a opressão das mulheres na sociedade moderna. Show “Opressão e capitalismo feminino”: muitos acharão este título algo arcaico (ou talvez nostálgico). É um título que soa como algum artigo escrito na década de 1970 ou 1980. Em certa medida, a ressonância é voluntária. Afinal, durante esse período, ligado ao desenvolvimento do movimento feminino, vieram à luz discussões e trabalhos que ainda hoje são relevantes. Um bom exemplo disto é o recente trabalho de Christine Delphy, L’ennemi principal (Syllepse, 1998), que compila textos publicados entre 1970 e 1978. Por outro lado, Masculine Domination, de Pierre Bourdieu (Anagrama, Barcelona, 2006) tem uma particularidade de silenciar que funciona. Esta dissimulação não pode deixar de representar um problema para qualquer autor que pretenda colocar os seus conhecimentos ao serviço das lutas de emancipação, dado que ignora as elaborações teóricas que foram produzidas a partir dessas mesmas lutas. É verdade que este “esquecimento” se refere a certas discordâncias na abordagem geral. Com efeito, para Pierre Bourdieu, “o princípio de perpetuação” da relação de domínio entre os sexos, “não reside realmente nem fundamentalmente, num dos lugares mais visíveis do seu exercício, ou seja, no coração da unidade doméstica, no qual certos discursos feministas concentraram todos os seus olhares” (Ibid., p. 15). Voltaremos à abordagem de Pierre Bourdieu. Digamos simplesmente que - embora a frase possa parecer lapidar - o seu modelo de análise do domínio masculino, elaborado com base na sociedade cabilenha, na qual as relações de parentesco desempenham um papel central na produção e reprodução de todas as relações sociais, não considera as rupturas introduzidas pelo capitalismo em relação às sociedades pré-capitalistas no que diz respeito à situação das mulheres. Em todo o caso, o nosso artigo irá focar esta questão. Não pretendemos dar uma imagem completa do estatuto da mulher e da sua evolução, mas simplesmente apontar certas rupturas decisivas do ponto de vista das lutas de emancipação. Análise de Engels Não será
irrelevante recuperar esta análise em traços largos, citando A Origem da Família O problema colocado por esta citação reside não só na visão idílica das chamadas “sociedades primitivas”, mas também na análise da família. Emergindo com a propriedade privada e as sociedades de classe, Engels define-a
fundamentalmente como uma forma social de origem pré-capitalista mesmo que, através da propriedade privada, a burguesia consiga preservá-la. Em qualquer caso, o desenvolvimento do capitalismo ao longo do século XX mostra não só que a família se tornou uma instituição chave para a classe trabalhadora, mas também que as mulheres são proletarizadas - elas participam na produção social - como mulheres. Ou seja, fazem-no de acordo com o estatuto que lhes foi concedido pela família moderna que, longe
de desaparecer, se tornou o principal enquadramento para a socialização dos indivíduos. Dado que estes autores, justificadamente e seguindo Engels, fazem da família o lugar privilegiado em que se estrutura o domínio masculino, concebem a opressão da mulher no capitalismo como um traço persistente gerado pela manutenção de formas pré-capitalistas, a que se junta a evolução lenta de uma ideologia milenar, o peso das mentalidades, etc. O nosso objectivo não é entrar nos pormenores das análises das várias funções atribuídas à chamada família “patriarcal”, que teria sido
preservada pelo capitalismo. É simplesmente para salientar que, neste quadro, torna-se difícil explicar aquilo que é gerado pelo sistema capitalista, de modo sui generis, uma forma específica de opressão das mulheres. A família moderna como invenção do capitalismo Ao mesmo tempo, não vejo porque desenvolver uma análise materialista de uma instituição seria sinónimo de trazer sistematicamente à luz a sua “infra-estrutura económica”. Isto só é válido em referência a uma certa tradição marxista para a qual o único modo de objectividade social existente é a economia. É exactamente isto que Danièle Leger defende: trata-se de “elaborar uma análise da família e da situação das mulheres na família agregada não só nos aspectos ideológicos internos da família, mas também na base real e económica das relações familiares” (Le Féminisme en France, le Sycomore, 1982, p. 95). Em qualquer caso, é evidente que existe uma diferença entre o tipo de análise feita por Claude Meillassoux e o modo como os historiadores lidam com o “nascimento da família moderna”, de acordo com o título do livro de Edward Shorter (Anesa, 1977). Assim, no seu livro The Child and
Family Life in the Ancien Régime (Taurus, 1988), Philippe Ariès não enfatiza a continuidade, mas sim a convulsão dos quadros de socialização que nos permitem explicar como a infância, no sentido que hoje a entendemos, é uma categoria social sem precedentes, produzida pelo aparecimento de novas instituições: a escola moderna e a família moderna. Esta é definida como o lugar onde uma nova categoria social é estruturada: a vida privada. No seu livro Orígenes de la familia moderna
(Crítica, 1979), Jean-Louis Flandrin especifica os dois níveis em torno dos quais a ruptura é produzida. Por um lado, a distinção público/privado é estruturada, ao contrário do que aconteceu nas sociedades monárquicas, em que a instituição familiar tinha as características de uma instituição pública e as relações de parentesco serviam de modelo para as relações sociais e políticas. Por outro lado, a coincidência entre a unidade de produção e a unidade de consumo, que era a regra durante o
Antigo Regime, é questionada. Tratar a família moderna como instituição implica relacionar as suas condições de existência com esse movimento histórico mais amplo que, com o advento do capitalismo, reorganizará o corpo social como um todo e favorecerá o aparecimento de dois níveis historicamente sem precedentes de práticas sociais. Por um lado, sob o efeito da generalização das relações mercantis, a economia deixa de estar “incorporada no social” - para utilizar a fórmula de Karl Polanyi - e a fábrica moderna surge como lugar específico em que a produção social é organizada. Por outro lado, constrói-se o “estado político separado”, para retomar uma fórmula do jovem Marx, como representante do “público” em oposição ao “privado”, uma dissociação que não existia sob o Antigo Regime, ainda marcado pelas formas patrimoniais do poder político. As relações de parentesco que, no passado e como mostra a dupla ruptura assinalada por Jean-Louis Flandrin, estavam também embutidas noutras relações sociais, são separadas da “sociedade civil” para constituir aquela instituição - também historicamente sem precedentes - que é a família moderna, através da qual se estrutura um novo espaço, o do “privado”, que é completamente diferente do espaço económico e do espaço político. A família e a construção da relação salarial Este movimento de “familiarização”, que se cristaliza especialmente em torno da habitação (Rémy Butel e Patrice Noisette, De la cité ouvrière au grand ensemble, Maspero, 1977), refere-se a um conjunto de características que revelam o nascimento da família moderna. Este é o caso da
nova arquitectura da habitação que Philippe Ariès descreve em pormenor e através da qual a intimidade familiar é organizada. Existem numerosas diferenças sociológicas entre as famílias burguesas do século XIX e as famílias de classe trabalhadora que começaram a desenvolver-se durante o período. É possível mencionar, entre outros, a inserção destas últimas em redes de sociabilidade específicas. Mas para além disto, o quadro de socialização dos indivíduos que está em jogo é o mesmo, especialmente
se olharmos para a forma como a instituição define a mulher no espaço doméstico. Nas famílias camponesas do antigo regime, as mulheres não só tinham outras tarefas para além dos cuidados “domésticos” (o nome é anacrónico), mas estas tarefas não eram separadas da produção social, uma vez que a família camponesa era uma unidade de produção. O trabalho das mulheres está presente em todas as actividades da comunidade camponesa, o que estipula uma divisão sexual explícita do trabalho que afecta toda a produção social. O que
Engels chama “o funcionamento do lar” - as tarefas atribuídas às mulheres pela divisão sexual do trabalho e não confinadas a actividades dentro do lar - não é um serviço privado que se oponha ao trabalho realizado no quadro da produção social. “A mulher habita um outro mundo” Esta ruptura manifesta-se nas profundas transformações no estatuto concedido às mulheres e na forma como as relações entre os sexos são pensadas. Para resumir numa fórmula, podemos dizer que foi posto em marcha um processo contraditório. Por um lado, no quadro mais geral do movimento de individualização que começa a desenvolver-se, a mulher é especificada, nas suas relações com o homem, enquanto indivíduo. Deste ponto de vista, ela é reconhecida como indivíduo igual ao homem. Mas, por outro lado, este reconhecimento ocorre através de uma naturalização da nova distribuição do espaço social e do lugar que a mulher ocupa nele: por natureza, o domínio da mulher é o privado, o “interior” da nova habitação criada pela família moderna. A mulher é reconhecida como indivíduo, mas no quadro desta diferença natural através da qual a feminilidade é construída de acordo com as formas definidas pela cultura moderna, que se cristalizam especialmente na categoria social da mãe, simétrica à da infância, que é então construída (Knibieheler e Fouquet, Histoire des mères, Montalba, 1980). O discurso de Rousseau é explícito neste sentido e, se um pouco exagerado, a essência do seu tema está presente na maioria dos representantes político-ideológicos da Revolução Francesa. Este ponto já foi suficientemente demonstrado e não é necessário voltar aqui a ele. Mas é importante salientar que a naturalização acima referida deve ser entendida no forte sentido do termo. Deriva de um movimento mais amplo no âmbito do qual foi estabelecida a diferenciação entre as ordens da natureza e da sociedade, que anteriormente estavam embutidas umas nas outras. A oposição natureza/cultura, tematizada no campo das ciências sociais (e introduzida por Lévi-Strauss), ainda ostenta a marca deste movimento. Nas sociedades pré-capitalistas, a legitimação da ordem social era ainda conseguida (embora de formas diferentes) pela sua inscrição numa ordem sobrenatural, um cosmos. A forma como a sociedade estava organizada era um dado da natureza, na medida em que era apenas um aspecto dessa ordem cósmica maior. Assim, de acordo com Aristóteles, a organização familiar e a cidade remetem para a mesma “lei natural”. A cidade-Estado é um agregado de famílias (mais precisamente, de famílias) e o destino do homem, que deve ser um “animal político”, só pode ser cumprido através do oikia (Sissa, La familia en la ciudad griega, in Historia de la familia. Volume 1, Alianza Editorial, Madrid, 1988)1. Pelo contrário, após a Revolução Francesa e, em termos mais gerais, no quadro da política moderna, assistimos - como explica Pierre Rosanvallon - a uma “auto-instituição do social”. A ordem política da sociedade não reflecte a natureza das coisas, no sentido aludido acima, mas refere-se a um contrato entre homens, ou seja, torna-se convencional: “A relação entre os sexos é profundamente afectada por isto, pois a sua antiga divisão funcional é redobrada com uma nova separação: a identificação do masculino com a ordem da sociedade civil e do feminino com a ordem natural. A partir de agora, as mulheres deixarão de ser compreendidas apenas nas suas diferenças físicas ou funcionais em relação aos homens; a partir do seu próprio papel social, passarão a habitar um mundo fora do seu.” (La consagración del ciudadano. Historia del sufragio universal, Instituto Mora, México, 1999, p. 129). O tema que se desenvolve no seio do movimento operário a partir do final do século XIX está inscrito nesta mesma problemática. É muito significativo que os trabalhadores que aderem a esta perspectiva sejam apoiantes da emancipação da raça humana. Afirmam, como a burguesia iluminada do século anterior, respeitar a individualidade das mulheres. Mas, como Jacques Rancière e Patrice Vauday explicam (Les Révoltes logiques, Winter 1975, pp. 17-18), a libertação da mulher implica que ela recupere a sua vocação natural, que está ligada à existência de um domínio reservado. Deste modo, as mulheres contribuem para a manutenção de um espaço fechado à intrusão dos empregadores e do Estado: a ordem natural da família. Este discurso é reproduzido por muitas feministas. Embora se afaste - por exemplo, ao aceitar a união livre - de certos valores da família burguesa, a sua estrutura é a mesma do discurso sobre a feminilidade do século XVIII: a mulher é reconhecida como um indivíduo igual ao homem, mas na sua diferença, ou seja, no que diz respeito a esta vocação “natural”. A conclusão é ainda mais surpreendente se tivermos em conta que, ao mesmo tempo, a historicidade da família tornou-se um problema para as ciências sociais incipientes. É difícil evitar a tentação de fazer de tal discurso o mero efeito de certos “preconceitos” decorrentes da velha família patriarcal no processo de desaparecimento e alimentado pela competição do trabalho feminino. Pelo contrário, está especificamente ligada à construção da nova família moderna.Um processo
contraditório Produção capitalista e divisão sexuada do trabalho Esta conclusão pode parecer surpreendente de alguém que se refere ao trabalho do período 1970-1980, durante o qual a
investigação visava precisamente mostrar que, na produção social capitalista, a divisão do trabalho é consideravelmente sexuada (Kergoat, Critiques de l’économie politiques, Out-Dez 1978). De facto, isto é assim. Mas uma coisa é salientar a dimensão sexual da divisão do trabalho, e outra é afirmar que a divisão do trabalho entre os sexos é um dos princípios organizadores da produção, tal como o era nas formas pré-capitalistas. Ou seja, que a produção é organizada de acordo com a diferença entre
os sexos e que, portanto, esta divisão é explícita. Nas sociedades “primitivas”, nas quais as relações de parentesco funcionam como relações de produção, a produção social é estruturada pelas relações sexuais. Maurice Godelier (The Production of Great Men, Akal, 1986) mostra como entre os Baruya, a legitimação da ordem social - ou seja, a sua inscrição na ordem sobrenatural - é completamente construída em torno das relações de dominação dos homens sobre as mulheres. Nas sociedades de “classe”
pré-capitalistas, outras divisões sociais tornam-se dominantes, mas a organização da produção de acordo com as relações de género mantém toda a sua relevância, como é o caso, por exemplo, nas várias comunidades camponesas exploradas pelas “classes” dominantes. A relação salarial não especifica os indivíduos de acordo com os estatutos É verdade que com o desenvolvimento do direito social, toda uma esfera do direito moderno toma forma que trata os indivíduos como pertencendo a um grupo social particular. De facto, podemos ver neste quadro o estatuto que a família moderna atribui
às mulheres, por exemplo, na construção do Estado Providência. Embora muitos países se tenham afastado desde então desta norma, “a maioria dos Estados estabeleceu um modelo de acesso aos direitos sociais com base no género, que define e trata as mulheres como mães e/ou esposas” (Lewis, La place des femmes, La Découverte, 1997, p. 406). No entanto, no seu núcleo duro, através do qual o assunto jurídico-político é especificado, o direito moderno ainda é definido pela abstracção. É precisamente
isto que permite compreender o lugar que ocupava (e ainda ocupa) nas lutas pela emancipação que se desenvolvem em nome de uma procura infinitamente repetida de “egaliberté”, uma vez que existe “uma tensão permanente entre as condições que historicamente determinam a construção de instituições em conformidade com a proposta de egaliberté e a universalidade hiperbólica da afirmação” (Balibar, Les frotières de la démocratie, La Découverte, 1992, p. 138). Desta forma, nada é dito sobre a diferença
entre os sexos. Posta nestes termos, a questão da igualdade e da diferença - recorrente, sabemos, no feminismo - é uma questão específica da modernidade. Observações sobre o livro de Pierre Bourdieu A ordem social funciona como uma imensa máquina simbólica que tende a ratificar o domínio masculino sobre o qual repousa: é a divisão sexual do trabalho, distribuição muito rigorosa das actividades atribuídas a cada um dos dois sexos, do seu espaço, do seu tempo, dos seus instrumentos; é a estrutura do espaço, com a oposição entre o local de encontro ou o mercado, reservado aos homens, e a casa, reservada às mulheres, ou, dentro desta última, entre a parte masculina, como o lar, e a parte feminina, como o estábulo, a água e os vegetais; é a estrutura do tempo, do dia, do ano agrário, ou do ciclo de vida, com os momentos de ruptura, masculino, e os longos períodos de gestação, feminino (ibidem). , p. 22). Pierre Bourdieu descreve com precisão uma sociedade pré-capitalista na qual, evidentemente, as relações de parentesco funcionam como um quadro importante para a reprodução das relações sociais como um todo. De facto, embora as condições “ideais” que a sociedade cabileña oferecia aos impulsos do inconsciente androcêntrico tenham sido largamente abolidas e o domínio masculino tenha perdido algumas das suas provas imediatas, alguns dos mecanismos que sustentam este domínio continuam a funcionar, tais como a relação causal circular que se estabelece entre as estruturas objectivas do espaço social e as tendências que elas geram, tanto no caso dos homens como das mulheres. As mudanças visíveis que afectaram a condição familiar escondem a permanência das estruturas invisíveis (ibid., pp. 75, 131). Se na sociedade Cabilia o domínio masculino é apresentado como “prova imediata”, é porque as relações de parentesco não são “dissociadas” de outras relações sociais. Já assinalei que esta
“dissociação”, característica do capitalismo, faz parte de um movimento mais amplo de reorganização do social (das “estruturas objectivas do espaço social”) que estabelece novas condições gerais para a socialização das mulheres e dos indivíduos como um todo. Obviamente, para Pierre Bourdieu, à excepção desta perda de visibilidade, a estrutura objectiva do “mundo sexualmente hierárquico” permanece e produz as mesmas disposições entre homens e mulheres. Quanto ao resto, embora o seu livro apresente um quadro coerente das formas de dominação masculina na sociedade cabileña, ao lidar com a situação das mulheres na sociedade moderna ele
contenta-se em apontar uma perspectiva geral e algumas observações de método, sem se preocupar em elaborar um quadro detalhado, ou pelo menos um que nos permita observar elementos de continuidade e diferença. Seria interessante retomar mais detalhadamente as análises da dominação masculina a fim de trazer à tona todas as diferenças que não são tematizadas; em particular, as que dizem respeito à produção social e ao espaço social que, na sociedade cabileña, têm uma estrutura característica das
formas pré-capitalistas: são completamente estruturadas de acordo com os princípios da divisão sexual (com a sua dimensão cósmica). A organização interna da habitação Caibile descrita por Pierre Bourdieu reproduz esta divisão sexual do espaço, mas de uma forma invertida. Pelo contrário, a habitação moderna de que fala Philippe Ariès é parte integrante da estruturação do espaço social (público/privado) que descrevemos acima. A sua distribuição interna (tipologia dos quartos, etc.) não é a mesma
que a da habitação Caibile. Neste caso, a organização do espaço doméstico visa o desenvolvimento da “intimidade conjugal”, que por sua vez visa “reforçar o casal e não a distinção homem/mulher” (Lefaucher, Segalen, La Place des femmes, La Découverte, 1995). Imaginário social e “economia de bens simbólicos” Da mesma forma que, nas sociedades menos diferenciadas, eram tratados como meios de troca que permitiam aos homens acumular capital social e capital simbólico através de casamentos, investimentos autênticos que permitiam estabelecer alianças mais ou menos amplas e de prestígio, hoje também contribuem decisivamente para a produção e reprodução do capital simbólico da família, e em primeiro lugar manifestando, através de tudo o que contribui para o seu aparecimento - cosméticos, vestuário, manutenção, etc. - o capital simbólico do grupo doméstico. Portanto, colocam-se do lado de aparecer, de gostar (Ibid., p. 106)2. Tudo isto acontece como se o advento do capital simbólico do grupo doméstico fosse o resultado do capital simbólico do grupo doméstico.Tudo acontece como se o advento do capitalismo se traduzisse num simples processo de diferenciação “da economia de bens simbólicos” - em que o casamento é uma peça central - que só se tornaria autónomo se conservasse a mesma estrutura. Mas não é assim que as coisas acontecem. E se quisermos questionar uma abordagem “economicista” da família, é melhor referir, por exemplo, Maurice Godelier: “as relações de parentesco constituem os suportes do processo de apropriação e utilização de terras ou títulos, de estatuto, em suma, de realidades tangíveis e intangíveis, que são apresentadas aos actores sociais como essenciais para a reprodução de si próprios e da sua sociedade” (“O Ocidente, espelho partido” em Taller. Journal of Society, Culture and Politics, vol. 2, No. 5, p. 59). Na sociedade do Antigo Regime, onde as “classes” dominantes são “propriedades”, a questão da “aparência” é decisiva porque é o sinal de uma hierarquia. Isto permite compreender por que razão, ao contrário do que é considerado racional do ponto de vista económico das nossas sociedades, os grandes senhores gastaram fortunas para construir mansões: eram sinais de uma certa hierarquia (Elias, La société de cour, Flammarion, 1985). Permite-nos também compreender as estratégias matrimoniais da burguesia da época, que visavam a nobreza e que, sempre de um ponto de vista “económico”, não eram particularmente rentáveis. Neste contexto, a acumulação de “capital simbólico” através do casamento de mulheres foi um elemento importante, se não mesmo decisivo. As obras simbólicas a partir da dimensão imaginária de uma
relação social. E se este imaginário é constitutivo da objectividade do social, então é difícil referi-lo sem o articular com uma análise mais ampla das relações sociais que regem as condições específicas de reprodução do conjunto de uma dada sociedade. Assumindo que a categoria de “capital simbólico” é pertinente (penso que não é, mas este é outro problema), não pode ser feita como se as condições de produção e reprodução do capital simbólico da família permanecessem as mesmas após o advento da
família moderna. A menos que a sua novidade seja ignorada, como faz Pierre Bourdieu quando, mais uma vez, sublinha a continuidade: “As mulheres permaneceram durante muito tempo fechadas no universo doméstico e nas actividades associadas à reprodução biológica e social da linhagem” (La domination masculine, ob. cit., p. 104). Artigo publicado originalmente por Jacobin América Latina a 15.03.2021 Translation: Alícia Gaspar por Antoine
Artous Por que Karl Marx e contra a propriedade privada dos meios de produção?Em Marx, ao contrário, a propriedade privada capitalista se desvela não como a realização da liberdade, mas apenas uma determinada forma histórica da produção, ela mesma, dotada de limites e contradições que se instauram na posição/deposição simultânea do agente que opera a produção, dos homens em sua atividade ...
Como fica a relação da propriedade privada no capitalismo?Para o funcionamento do capitalismo, é necessário que o Estado garanta a propriedade privada. Com a propriedade privada garantida, os capitalistas – detentores de terras, maquinários ou qualquer outro meio de produção – são livres para utilizá-la da forma como desejam, afinal, são os donos desses recursos.
O que é propriedade privada e capital?A propriedade privada capitalista é a sustentação do modo de produção capitalista. Antes a propriedade era do trabalhador, com a transformação em propriedade privada capitalista, o proprietário não trabalha, mas explora o trabalho do trabalhador.
O que Marx quis dizer com o conceito de propriedade privada dos meios?A propriedade privada é, pois, fundamentalmente, produto e conseqüência do trabalho alienado, ou, nas palavras de Marx: “A propriedade privada deriva-se assim da análise do conceito de trabalho alienado, ou seja, do homem alienado, do trabalho alienado, da vida alienada do homem estranho a si próprio” (Idem: 168).
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