Proteínas mal formadas com enovelamento incorreto ou destinadas a renovação precisam ser degradadas

As proteínas são sintetizadas constantemente a partir de aminoácidos e degradadas novamente no organismo, numa reciclagem contínua. Os aminoácidos não utilizados imediatamente após a síntese proteica são perdidos, já que não ocorre estocagem de proteínas. Desta forma, o total de proteínas no corpo de um adulto saudável é constante, de forma que a taxa de síntese proteica é sempre igual à de degradação.

Qual a importância das proteínas?

As proteínas degradadas no processo digestivo resultam em aminoácidos, que são absorvidos pelas células epiteliais do intestino delgado, transportados para a corrente sanguínea e distribuídos aos diversos tecidos.

Os aminoácidos são fundamentais na síntese protéica e são precursores de todos os compostos nitrogenados não protéicos, como as bases nitrogenadas dos nucleotídeos, e as aminas e seus derivados, como a histamina e a adrenalina. Estima-se que num ser humano adulto e saudável haja uma renovação de aproximadamente 400g de proteína por dia. Cerca de 300g são passíveis de serem reutilizados, enquanto os demais 100g são eliminados. Os seres vivos não são capazes de armazenar estoques de aminoácidos ou proteínas e, portanto, se faz necessária a ingestão diária de proteínas.

A elevação do nível plasmático de aminoácidos, assim como de glicose, estimula as células β do pâncreas endócrino a secretar insulina. Este hormônio estimula a captação de aminoácidos pelo músculo e pelo fígado, além de ativar o aparato enzimático responsável pela síntese de proteínas.

Ciclo da uréia

O ciclo da ureia é uma sequência de reações bioquímicas com o objetivo de produzir este composto, a partir da amônia.

A amônia é uma substância tóxica, do metabolismo do nitrogênio, que deve ser eliminada rapidamente do organismo. A eliminação pode ser por excreção direta ou por excreção após a conversão em compostos menos tóxicos. A degradação da proteína leva a uma perda diária de nitrogênio protéico pela uréia excretada, em quantidade aproximada de 35 a 55g/dia. Qualquer aminoácido que não seja utilizado pelo organismo é degradado. O processo de remoção do grupo amino libera amônia, substância extremamente tóxica, que então é convertida em um composto não tóxico (uréia) excretado pela urina.

Ou seja, o ciclo da uréia é o principal processo de eliminação de amônia, tendo início na mitocôndria, necessitando de 4 adenosinatrifosfato (ATP) para excretar, pelos rins, duas moléculas de amônia na forma de uréia.

O descarte do nitrogênio é feito de 2 formas:

  • 1ª – remoção do grupo amino dos aminoácidos, que ocorre por 2 vias: a transdeaminação (transaminação ligada à deaminação oxidativa) e a transaminação
  • 2ª – formação de uréia pelo ciclo da ornitina, que consome 1,5 ATP para cada molécula de uréia formada

Este ciclo ocorre nos hepatócitos, na mitocôndria e no citossol.

No fígado, existe uma enzima chamada glutamato desidrogenase, encontrada na mitocôndria. Essa enzima é responsável pela incorporação da amônia como grupo amino no alfa-cetoglutarato, formando o glutamato e o NADPH é usado como coenzima, com consumo de ATP. Esta mesma enzima utiliza o NAD como coenzima para catalisar a reação reversa.

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O nosso corpo é composto por milhares de compostos orgânicos e entre eles estão as proteínas que são muito importantes, pois são elas que desempenham várias funções no organismo, como a síntese de DNA, quebra da glicose, produção de enzimas, hormônios etc. Quando uma delas apresenta algum erro na sua estrutura pode gerar algum problema no organismo, por exemplo uma doença rara como a fibrose cística e o mal de Parkinson. Essas e outras doenças são causadas pelo mau enovelamento das proteínas e para entender melhor como funciona, precisamos primeiro entender a estrutura de uma proteína. 

Como as proteínas são estruturadas?

As proteínas são constituídas por aminoácidos. Existem 20 tipos diferentes de aminoácidos que podem ser classificados entre essenciais e não essenciais. Aminoácidos essenciais são aqueles que o organismo não é capaz de sintetizar, então devem ser obtidos através da ingestão de alimentos. Já aqueles classificados como não essenciais são aqueles que o corpo é capaz de sintetizar sozinho. 

Podem haver inúmeros aminoácidos em uma determinada estrutura de proteínas, ligados pela ligação peptídica como descrito na figura a seguir. Além disso, a sequência dos aminoácidos forma a primeira estrutura de uma proteína que pode chegar a ter até quatro níveis estruturais diferentes. Veremos mais sobre esses níveis a seguir. 

Proteínas mal formadas com enovelamento incorreto ou destinadas a renovação precisam ser degradadas
A imagem mostra uma ligação peptídica por condensação. O grupo a-amino de um aminoácido (com grupo R2 ) atua como nucleófilo para deslocar o grupo hidroxila de outro aminoácido (com grupo R1 ), formando uma ligação peptídica (em vermelho). Fonte: Autoria própria.

Estrutura Primária

A estrutura primária de uma proteína é formada apenas pelos aminoácidos ligados por ligação peptídica, de forma linear, é a forma mais simples de uma estrutura de aminoácidos e recebe esse nome por ser a primeira estrutura a ser formada.  A estrutura primária é demonstrada na imagem a seguir. 

Estrutura Secundária 

A estrutura secundária é um dobramento da estrutura primária que começa a adquirir padrões na sua conformação. Esses padrões são mantidos por ligações de hidrogênio entre os grupos carboxila (que contém carbono e oxigênio), e os grupos amina (que contém o nitrogênio e hidrogênio) da cadeia principal da proteína. Os padrões formados são  conhecidos como alfa-hélices e folhas beta pregueadas, estas últimas podem ser paralelas, isto é, aquelas que estão na mesma orientação, ou antiparalelas que estão no sentido oposto a outra. A imagem a seguir demonstra os tipos de padrões que a estrutura secundária pode obter. 

Estrutura Terciária 

As estruturas terciárias são conhecidas como estruturas tridimensionais, elas ocorrem quando as estruturas secundárias começam a dobrar-se sobre si mesmas. São estabilizadas por ligações de dissulfeto, ligações iônicas, ligações de hidrogênio e interações de Van der Waals. Essas ligações são estabelecidas pelas cadeias laterais dos aminoácidos que estão distantes na cadeia primária, mas que podem interagir por conta do dobramento da proteína.
A seguir trazemos como exemplo a representação em cartoon da estrutura terciária da mioglobina, que é uma proteína presente no músculo responsável pelo transporte de oxigênio.

Proteínas mal formadas com enovelamento incorreto ou destinadas a renovação precisam ser degradadas
Representação em cartoon de estrutura cristalográfica tridimensional de uma mioglobina (PDB ID 1MCY), proteína encontrada no músculo esquelético e cardíaco, responsável pelo transporte de oxigênio. Fonte: Protein Data Bank. 

É importante salientar que é a estrutura terciária que dá  função a proteína, então caso ocorra alguma alteração nessa estrutura, a proteína perde toda ou parte de sua função. 

Estrutura Quaternária 

Algumas proteínas possuem as chamadas estruturas quaternárias, que  são formadas quando várias subunidades de uma mesma proteína ou de proteínas diferentes se conectam e formam uma proteína ativa. 

Um exemplo de proteína quaternária é a hemoglobina, uma proteína responsável pelo transporte de oxigênio no sangue, formada por 4 subunidades peptídicas idênticas. Cada subunidade possui um grupo heme com um átomo de ferro, o que permite a ligação de oxigênio para que ele seja transportado para dentro dos tecidos. A forma tridimensional de uma hemoglobina pode ser vista na imagem seguinte. 

Proteínas mal formadas com enovelamento incorreto ou destinadas a renovação precisam ser degradadas
Representação em cartoon de estrutura cristalográfica de uma hemoglobina (PDB 3WTG), em sua estrutura quaternária. Cada cor representa uma das quatro subunidades. fonte: Protein Data Bank.

Doenças relacionadas ao mau enovelamento de proteínas

Agora que já apresentamos as estruturas de uma proteína, podemos entender como determinadas doenças ocorrem. Como citado no início do texto, a fibrose cística é uma das doenças relacionadas ao mau enovelamento de proteínas. No caso, a fibrose cística pode ocorrer devido  a deleção ou a inserção de um aminoácido na sequência da proteína CFTR (‘Regulador da Condutância Transmembrana da Fibrose Cística’).  

 Essa proteína CFTR é um canal que regula o movimento de íons de cloreto de sódio no epitélio dos pulmões. Quando ocorre uma deleção no aminoácido Phe na posição 508 da CFTR, ocorre um mau enovelamento dela, sinalizando para  degradação da proteína.   

Porém essa deleção não é a única alteração que ocorre no gene CFTR, existem cerca de 1500 mutações que podem ser classificadas em mutações de classe I, classe II e classe III. As mutações de classe I são aquelas que inibem a produção da proteína CFTR, as mutações de classe II ocorrem promovendo a deleção do aminoácido Phe 508, como citado acima; e as mutações de classe III são aquelas que provocam mudanças nos canais de cloro da proteína CFTR. 

O mecanismo de ação da fibrose cística  ocorre da seguinte maneira: quando a proteína CFTR é mal enovelada ela não realiza sua tarefa de transporte de íons direito, causando um desequilíbrio iônico e alterando as propriedades físico-químicas do muco, tornando-o mais viscoso e espesso, e isso acaba gerando o acúmulo desse fluido em vários órgãos, como os pulmões. 

Mas não é só a fibrose cística que é causada por problemas de mau enovelamento de proteínas e perda de função, um outro exemplo é a famosa doença de Creutzfeldt-Jakob (popularmente conhecida como doença da vaca louca).  Essa rara doença neurodegenerativa é causada por príons, que são pequenas proteínas mal enoveladas que provocam o mau enovelamento e agregação de outras proteínas do cérebro, desencadeando morte celular e lesões no cérebro. Os sintomas neurológicos podem iniciar com perda de memória, alterações de equilíbrio, podendo chegar em demência, movimentos involuntários, coma,  até que a doença seja fatal. 

Ainda dentro de doenças neurodegenerativas oriundas do mau enovelamento de proteínas, podemos destacar o Alzheimer que acredita-se ser causado pelo acúmulo do peptídeo beta amilóide no cérebro junto de outras formas clivadas da proteína tau aos microtúbulos. O peptídeo beta amilóide é composto por dois segmentos alfa-helicoidais que atravessam a membrana. Quando esse peptídeo perde sua estrutura e adquire a forma de folhas beta paralelas estendidas, ele se acumula na parede dos neurônios, essa pode ser uma das causas da doença de Alzheimer, gerando sintomas como perda de memória, dificuldade de planejar ou resolver problemas, executar tarefas do dia a dia, desorientação, problemas de linguagem e outras.  

Como apresentado neste texto, as proteínas possuem diferentes níveis de estruturação para atingirem sua forma e consequentemente sua função fisiológica correta no organismo. Esse correto enovelamento é regulado por inúmeros mecanismos a nível molecular e celular, mas raramente quando algo escapa deste controle, doenças relacionadas ao mau enovelamento de proteínas podem surgir. Estudos na área de biotecnologia já trouxeram algumas respostas,  mas novas pesquisas buscam trazer avanços no diagnóstico e tratamento dessas doenças.

Proteínas mal formadas com enovelamento incorreto ou destinadas a renovação precisam ser degradadas
Texto revisado por Jennifer Medrades, Ísis Biembengut e Natália Videira

Cite este artigo:
GUIDOTTI, I. L. Estrutura de Proteínas e doenças causadas pelo seu mau enovelamento. Blog do Profissão Biotec, v.8, 2021. DIsponível em: < Estrutura de Proteínas e doenças causadas pelo seu mau enovelamento – Profissão Biotec (profissaobiotec.com.br)>. Acesso em: dd/mm/aaaa

Referências:
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O que acontece com uma proteína que não foi enovelada corretamente?

Caso a proteína não seja produzida, a célula ou organismo não irá desempenhar a função correta, surgindo doenças como a fibrose cística, hemofilias ou talassemias. Se a proteína apresentar uma conformação incorreta, poderá ser tóxica, resultando em doenças neurodegenerativas, como o Alzheimer e mal de Parkinson.

Qual a importância do dobramento enovelamento das proteínas?

Ao dobrar e enrolar-se para tomar uma forma tridimensional específica, as proteínas são capazes de realizar a sua função biológica. O processo contrário chama-se desnaturação, em que uma proteína original é forçada a perder a sua configuração funcional, tornando-se uma cadeia amorfa e não funcional de aminoácidos.

Por que as proteínas precisam passar pelo processo de enovelamento?

No enovelamento das proteínas globulares, os resíduos de aminoácidos com cadeia lateral hidrofóbica tendem a ficar no interior da mesma, enquanto que os resíduos de aminoácidos com cadeia lateral hidrofílica tendem a ficar na superfície das proteínas, permitindo, assim, que a proteína seja solúvel.

São proteínas importantes para auxiliar no enovelamento?

A função das chaperonas é justamente auxiliar as proteínas no processo de enovelamento, garantindo que elas alcancem a estrutura espacial correta. Por consequência, essas guardiãs das proteínas, como também são conhecidas, cumprem um papel fundamental contra o surgimento de doenças.