Se a classe operária tudo produz a ela tudo pertence quem disse

Então, eu achei essa foto justamente na busca pela fonte dessa frase. Acho que o trecho que o Marx critica do programa de Gotha é consideravelmente diferente dela:

"O trabalho é a fonte de toda a riqueza e de toda a cultura e, uma vez que todo o trabalho que traz proveito [nutzbringend] só é possível na sociedade e pela sociedade, o provento do trabalho pertence não reduzidamente [unverkürzt], por igual direito, a todos os membros da sociedade."

Inclusive, toda a crítica se dá a aspectos bem diferentes do conteúdo da frase no mural.

Pelo que encontrei, essa é uma frase dum mural do MRPP no contexto da Revolução dos Cravos em Portugal. Não encontrei referencia a mesma frase em inglês, nem em espanhol, nem em francês, nem nos trabalhos do Lassalle, parece mesmo ter sido uma criação do MRPP. Fontes: aqui e aqui.

Claro, se fôssemos citar Marx usaríamos a seguinte frase:

"De cada qual, segundo sua capacidade; a cada qual, segundo suas necessidades."

Mas ainda assim não vejo nada de anti marxista na frase do mural em Lisboa. Muito pelo contrario, ela existe e se expressa num contexto bem real de luta da classe trabalhadora contra o fascismo em Portugal.

Há um argumento absurdo sendo repassado por aí, concernente à frase “se a classe trabalhadora tudo produz, a ela tudo pertence”. A “ideia” por trás deste argumento é de que, por exemplo, se um pedreiro constrói uma casa, ou se um pipoqueiro faz, ahn… a pipoca, estes produtos são e serão eterna e necessariamente deles, por terem sido produzidos pelos mesmos.

Este argumento não tem nem uma razão de ser. Ele não tem o fundamento! Ele surge de uma interpretação semântica básica; isto é, se eu tenho um termo ou uma frase isolada do seu contexto original – do corpo filosófico que ela compõe –, eu estou “apto” a lê-la ou sob a luz do meu pensar ideológico, ou no sentido mais fundamental de cada palavra, sem lhes dar nenhum tipo de conotação maior.

Ora, se eu construo uma casa através do meu esforço físico e mental, a casa é com certeza minha: ela é o reflexo e a extensão do meu espírito aplicado sobre a matéria, transformando-a pelo exercício do trabalho. A casa é minha e ponto. Isto, é importante salientar, diz respeito a uma parte de todo processo produtivo: a produção em si de um ou mais objetos.

A pergunta que devemos fazer, então, não diz respeito a quem é o proprietário deste objeto, a casa, mas, sim, se eu, o proprietário, quererei preservá-la como minha ou se desejarei dá-la ou trocá-la por algo. Isto diz respeito a um outro momento do processo produtivo: um momento que não nega o anterior, mas o leva adiante.

Mais especificamente, se a sua mãe lhe faz um bolo de aniversário, isto não significa que deixe de ser dela simplesmente porque ela lho deu; o gênio dela permanecerá impregnado no bolo, mesmo que este esteja agora no seu prato, no seu garfo e na sua boca. Você vem a ser como que contemplado pelo trabalho dela, mas não se torna a raiz do produto em si; você torna-se meramente o dono. A propriedade enquanto criação será sempre dela. Isto significa que a minha casa, por exemplo, é realmente dos pedreiros que a construíram: é deles na criação e minha no usufruir.

O erro deste argumento está em pensar todo o processo produtivo como um único momento fixo e completamente desvinculado de relações sociais. Se o pedreiro constrói uma casa, ele está completamente apto a aliená-la¹ de si em favor de outra coisa. Isto não elemina a presença do espírito dele do produto, mas sim o interesse sobre o último.

Agora, levando-se em conta que desconheçam algo tão simples e ainda assim essencial, é fácil imaginar o quanto saberão das coisas complexas.

Não é à toa o apego à tautologia.


1 – Alienação não é por si só algo ruim: o que permite a troca de produtos é o desejo mútuo dos proprietários de aliená-los de si.

"A questão é o uso que se faz do produto. Isto é, tudo que a burguesia criou pode ser usado contra ela. Não é a toa que Marx afirmou que 'a burguesia será o seu próprio coveiro'. O problema não é o produto, mas a alienação do trabalho".

Escrito en COLUNISTAS el 27/7/2018 · 18:22 hs

O produto remete às mais pervertidas extravagâncias do vizinho, exerce o papel de alcoviteiro entre ele e as suas necessidades, desperta nele apetites patológicos, fiscaliza todas as fraquezas, para depois exigir o pagamento por este serviço amoroso.

Karl Marx

 

A frase que dá título a esse artigo é utilizada por algumas pessoas, que se intitulam de esquerda, como argumento para justificar o uso de iPhone, a compra de carros etc.. Mas ela (seja lá a quem ela pertença) não leva em conta a crítica de Karl Marx à economia política, principalmente no que condiz à teoria do trabalho alienado. O trabalhador se aliena pelo objeto no qual o seu trabalho se transforma. “A realização do trabalho constitui simultaneamente a sua objetivação”.1 Isso ocorre porque “o trabalhador se relaciona com o produto do seu trabalho como a um objeto estranho”. Ele se esgota, empenha toda a sua força para produzir o mais belo e perfeito dos produtos e, no fim, torna-se menos humano por ter deixado de exercer outras atividades. O tempo gasto na produção da mercadoria poderia ter sido usado para refletir, atividade chave pela qual se eleva o indivíduo ao status de ser humano. Portanto, sua vida passa a estar no objeto que produziu. O produto torna-se externo a ele e “o que se incorporou no objeto do seu trabalho já não é seu”. Aquele objeto pertence agora ao mercado (antes de sua compra), assim como a sua vida. “O trabalho não produz apenas mercadoria; produz-se também a si mesmo e ao trabalhador como uma mercadoria, e justamente na mesma proporção com que produz bens”, destaca Karl Marx.2 Sendo assim, a ideia de que tudo aquilo que a classe operária produz pertence a ela é falsa, pelo menos na sociedade capitalista. Isso também ocorre por uma perspectiva filosófica na qual o trabalhador quando está no processo de compra não é mais trabalhador e sim consumidor. O produto não pertence a aquele que o produz, mas a aquele que o compra. Assim, o indivíduo da classe operária se aliena duas vezes: no processo de produção e no processo de consumo. Os meios de existência fornecidos pela natureza, isto é, pela realidade sensível, são transformados em trabalho. A partir do momento em que o trabalhador não usa a natureza para produzir para si, mas para o mercado, ele se torna escravo do objeto que produziu, de modo que serve duas vezes aos capitalistas: trabalhando e gastando o seu salário para comprar os produtos que saem das fábricas. O fruto do seu trabalho não serve para enriquecê-lo, mas para torná-lo cada vez mais pobre. Isso porque descarrega todo o seu esforço na produção (suprimindo o tempo para exercer atividades reflexivas) para no fim consumir os produtos que o mercado determinou como consumíveis. Neste último caso, o trabalhador, por não ser capaz de uma reflexão autônoma, porque sua capacidade de pensar criticamente foi danificada pelo trabalho físico exaustivo, consome o que o mercado lhe oferece sem questionar. Essas mercadorias acabam por se tornarem, portanto, fruto de uma produção acrítica, possuidoras de uma natureza acrítica para, enfim, um consumo acrítico delas. Se o burguês for acrítico tanto faz, já que a sociedade do jeito que é o favorece. Neste círculo vicioso perfeito para o capitalismo, “a vida que [o operário] deu ao objeto se torna uma força hostil e antagônica”3 a ele. Daí o filósofo alemão complementa: “É evidente, o trabalho produz coisas boas para os ricos, mas produz a escassez para o trabalhador. Produz palácios, mas choupanas para o trabalhador. Produz beleza, mas deformidade para o trabalhador. Substitui o trabalho por máquinas, mas encaminha uma parte dos trabalhadores para um trabalho cruel e transforma os outros em máquinas. Produz inteligência, mas também produz estupidez e a cretinice para os trabalhadores”.4 Outro aspecto do trabalho alienado é a transformação do trabalho em trabalho forçado. Porque o trabalhador não trabalha para se realizar, mas para consumir. Trabalha-se com um objetivo externo ao trabalho, não pelo trabalho em si. Desta forma, ele “nega a si mesmo, não se sente bem, mas, infeliz, não desenvolve livremente as energias físicas e mentais, mas esgota-se fisicamente e arruína o espírito”.5 As pessoas trabalham para comprar um carro, sustentar a família, beber, etc., mas nunca trabalham, exclusivamente, para realizar na prática laboriosa o que desejam. As mutações tecnológicas do trabalho não mudaram essa situação do trabalhador, podem ter até piorado. “A revolução informacional pode ser uma fonte de novos perigos se, em vez de colocar os computadores a serviço dos homens, tentar organizar o trabalho dos homens segundo o modelo do trabalho dos computadores”6, diz o professor do Collège de France, Alain Supoit. Se o ser humano não faz algo de maneira lúcida, ele se reduz a um simples animal, já que estes também trabalham. “A atividade vital lúcida diferencia o homem da atividade vital dos animais. Só por este motivo é que ele é um ser genérico. Ou então, só é um ser lúcido, ou melhor, a sua vida é para ele objeto, porque é um ser genérico. Exclusivamente por este motivo é que sua atividade surge como atividade livre. O trabalho alienado inverte a relação, uma vez que o homem, enquanto ser lúcido, transforma a sua atividade vital, o seu ser, em simples meio da sua existência”.7 Para Karl Marx, nem o aumento de salários mudaria esse cenário, pois “não passaria de uma melhor remuneração dos escravos e não restituiria o significado e o valor humanos nem ao trabalhador, nem ao trabalho”.8 Portanto, se ser socialista é querer o fim dessa lógica baseada na alienação do trabalho, o que impediria, por exemplo, um desembargador, um piloto de avião, ou um trabalhador de outras profissões com altos salários de ser socialista? Consumidor e comunista Os instrumentos usados para satisfazer as primeiras necessidades (“comer, beber, ter moradia, vestir-se e algumas coisas mais”) conduzem a novas necessidades. Necessidades que surgem depois de se encher a barriga... Se as primeiras necessidades são satisfeitas mediante exploração, as classes que exploram, e que detém os instrumentos para exercer a exploração sobre o outro, irão conduzir as novas necessidades. Isso é interessante se olharmos o mundo de hoje, onde o consumo exagerado seria a nova necessidade que após enchermos a pança. Por e para ele ganhamos a vida. Mas, curiosamente, só é possível ser comunista ao se tornar consumidor. Porque a maneira pela qual, no modo de produção capitalista, as primeiras necessidades são satisfeitas, condição primeira para ser comunista (porque primeiro é preciso estar vivo, comer, beber, ter moradia etc..), são as que conduzem ao consumismo. Daí, a questão é o que se faz com o que se consome. Como o vinho que pode servir tanto para aquecer e estimular uma conversa, quanto para servir de convite para o alcoolismo. Portanto, não há problema algum um comunista usufruir dos aparelhos produzidos pelo mercado. Primeiro que ser comunista não é um estilo de vida. Abster-se da realidade é muito mais a cara de um hippie que de um marxista. Segundo porque se um socialista fosse obrigado a não usar celular, computador, carros, etc., ele deveria deixar de ser também trabalhador, pois o operário é, também, um produto da sociedade burguesa e do próprio mercado. A questão é o uso que se faz do produto. Isto é, tudo que a burguesia criou pode ser usado contra ela. Não é a toa que Marx afirmou que “a burguesia será o seu próprio coveiro”. O problema não é o produto, mas a alienação do trabalho. Ao nos libertarmos da alienação, possível apenas com a derrubada do modo de produção capitalista, isto é, na transformação da maneira pela qual se ganha a vida, o mercado não nos forçará mais a consumir, sem um reflexão prévia, o que ele nos oferece, comprar-se-á a partir do modo de cada um enxergar a vida. Aí sim, tudo que a classe operária produzir a ela pertencerá. 1 MARX, Karl. Manuscritos econômicos-filosóficos. São Paulo: Martin Claret, 2005. p. 112. 2 Id. 111 3 Id. p. 112. 4 Id. p. 113. 5 Id. p. 114. 6 SUPOIT, Alain. E se refundarmos a legislação trabalhista. Le monde diplomatique. Ano 10, n. 123, pp. 7-9, out, 2017, p. 8. 7 MARX, Karl. op. cit., p. 116. 8 Id. p. 121.

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Mas Noticias

O que o proletariado faz a ele pertence?

Proletariado (do latim proles, “filho, descendência, progênie”) é um conceito usado para definir a classe oposta à classe capitalista. O proletário consiste daquele que não tem nenhum meio de vida exceto sua força de trabalho (suas aptidões), que ele vende para sobreviver.

Qual o significado de classe operária?

A classe operária hoje é mais ampla. Marx qualificava a classe operária no século 19 como aquele trabalhador que vende a sua força de trabalho para sobreviver. Na época do Marx, a classe operária tinha majoritariamente a presença no mundo industrial.

O que significa fazer parte da classe trabalhadora?

Classe trabalhadora é um conceito mais amplo da categoria clássica de proletariado, definida por Marx e Engels no Manifesto do Partido Comunista de 1848. O conceito de classe trabalhadora abrange não só o proletariado, mas todas as camadas sociais que vivem da venda da sua força de trabalho.

O que o operário produz?

Produz inteligência, mas também produz estupidez e a cretinice para os trabalhadores”. 4 Outro aspecto do trabalho alienado é a transformação do trabalho em trabalho forçado. Porque o trabalhador não trabalha para se realizar, mas para consumir. Trabalha-se com um objetivo externo ao trabalho, não pelo trabalho em si.