É verdade a União aos Estados ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer cultos religiosos ou igrejas?

O DIREITO DE RELIGI�O NO BRASIL

Iso Chaitz Scherkerkewitz(1)

Sum�rio:

I - Da liberdade de religi�o. II - Da religi�o na Constitui��o Federal. III - Da necess�ria separa��o Igreja-Estado. IV - Do ensino religioso na rede p�blica de ensino.

I - DA LIBERDADE DE RELIGI�O

A Constitui��o Federal consagra como direito fundamental a liberdade de religi�o, prescrevendo que o Brasil � um pa�s laico. Com essa afirma��o queremos dizer que, consoante a vigente Constitui��o Federal, o Estado deve se preocupar em proporcionar a seus cidad�os um clima de perfeita compreens�o religiosa, proscrevendo a intoler�ncia e o fanatismo. Deve existir uma divis�o muito acentuada entre o Estado e a Igreja (religi�es em geral), n�o podendo existir nenhuma religi�o oficial, devendo, por�m, o Estado prestar prote��o e garantia ao livre exerc�cio de todas as religi�es.

� oportuno que se esclare�a que a confessionalidade ou a falta de confessionalidade estatal n�o � um �ndice apto a medir o estado de liberdade dos cidad�os de um pa�s. A realidade nos mostra que tanto � poss�vel a exist�ncia de um Estado confessional com liberdade religiosa plena (v.g., os Estados n�rdicos europeus), como um Estado n�o confessional com clara hostilidade aos fatos religiosos, o que conduz a uma extrema precariedade da liberdade religiosa (como foi o caso da Segunda Rep�blica Espanhola).(2)

O fato de ser um pa�s secular, com separa��o quase que total entre Estado e Religi�o, n�o impede que tenhamos em nossa Constitui��o algumas refer�ncias ao modo como deve ser conduzido o Brasil no campo religioso. Tal fato se d� uma vez que o Constituinte reconheceu o car�ter inegavelmente ben�fico da exist�ncia de todas as religi�es para a sociedade, seja em virtude da prega��o para o fortalecimento da fam�lia, estipula��o de princ�pios morais e �ticos que acabam por aperfei�oar os indiv�duos, o est�mulo � caridade, ou simplesmente pelas obras sociais benevolentes praticadas pelas pr�prias institui��es.

Pode-se afirmar que, em face da nossa Constitui��o, � v�lido o ensinamento de Soriano de que o Estado tem o dever de proteger o pluralismo religioso dentro de seu territ�rio, criar as condi��es materiais para um bom exerc�cio sem problemas dos atos religiosos das distintas religi�es, velar pela pureza do princ�pio de igualdade religiosa, mas deve manter-se � margem do fato religioso, sem incorpor�-lo em sua ideologia.(3)

Por outro lado, n�o existe nenhum empecilho constitucional � participa��o de membros religiosos no Governo ou na vida p�blica. O que n�o pode haver � uma rela��o de depend�ncia ou de alian�a com a entidade religiosa � qual a pessoa est� vinculada. Salienta-se que tal fato n�o impede as rela��es diplom�ticas com o Estado do Vaticano, "porque a� ocorre rela��o de direito internacional entre dois Estados soberanos, n�o de depend�ncia ou de alian�a, que n�o pode ser feita."(4)

A liberdade religiosa foi expressamente assegurada uma vez que esta liberdade faz parte do rol dos direitos fundamentais, sendo considerada por alguns juristas como uma liberdade prim�ria.(5)

Consoante Soriano, a liberdade religiosa � o princ�pio jur�dico fundamental que regula as rela��es entre o Estado e a Igreja em conson�ncia com o direito fundamental dos indiv�duos e dos grupos a sustentar, defender e propagar suas cren�as religiosas, sendo o restante dos princ�pios, direitos e liberdades, em mat�ria religiosa, apenas coadjuvantes e solid�rios do princ�pio b�sico da liberdade religiosa.(6)

O jurista americano Milton Konvitz salienta que "If religion is to be free, politics must also be free: the free conscience needs freedom to think, freedom to teach, freedom to preach — freedom of speech and press. Where freedom of religion is denied or seriously restricted, the denial or restriction can be accomplished — as in the U.S.S.R., Yugoslavia, or Spain — by limits or prohibitions on freedom to teach, freedom to preach-by restrictions on freedom of speech and press. Political and religious

totalitarianism are two sides of the same coin; neither can be

accomplished without the other."(7), ou seja, n�o existe como separar o direito � liberdade de religi�o do direito �s outras liberdades, existindo um inter-relacionamento intenso entre todas as liberdades por ele mencionadas (liberdade de ensinan�a, de consci�ncia, liberdade de pensamento, de imprensa, de prega��o etc.).

Jorge Miranda tamb�m relaciona a liberdade religiosa com a liberdade pol�tica. S�o suas palavras: "Sem plena liberdade religiosa, em todas as suas dimens�es — compat�vel, com diversos tipos jur�dicos de rela��es das confiss�es religiosas com o Estado — n�o h� plena liberdade pol�tica. Assim como, em contrapartida, a�, onde falta a liberdade pol�tica, a normal expans�o da liberdade religiosa fica comprometida ou amea�ada."(8)

� importante que se perceba que a id�ia de liberdade religiosa n�o pode ser entendida de uma maneira est�tica, sem atentar-se para as mudan�as de nossa sociedade. Segundo Soriano: "La libertad religiosa no es lo que fue ni lo que es hoy; la libertad religiosa es un concepto hist�rico, como todas las libertades, que en nuestro tiempo adopta una determinada forma, que no es la �nica ni la definitiva. Tambi�n la libertad religiosa ha passado por varias etapas que han ido poco a poco enriqueci�ndola. Una primera etapa en la que se reduc�a exclusivamente a la tolerancia religiosa ante el predominio de un monopolio religioso confesional: la religi�n dominante toleraba otros credos religiosos distintos y ‘falsos’, debido, primero a los imperativos de orden pol�tico, y, despu�s, al reconocimiento de la libertad de conciencia; una etapa que sustituye a otra del m�s crudo confesionalismo estatal, intransigente y militante, representado en Europa por la diarqu�a del Pontificado y el Imperio, guardiana de la tradici�n cat�lica imperante en el continente hasta las luchas religiosas del Renacimiento. Una segunda etapa de predominio del pluralismo confesional con el reconocimiento de las distintas confesiones religiosas: libertad religiosa para las confesiones dentro de un panorama de relativa desigualdad en el ejerc�cio de las religiones. La libertad religiosa no est� ahora presidida por el signo de la tolerancia en el �mbito de una �nica, verdadera y oficial religi�n del Estado, sino por la aceptaci�n de la pluralidad de credos dentro del territorio del Estado; con ello el fen�meno religioso se engrandece y abarca una diversidade de opciones fide�stas y la libertad religiosa se enriquece con la aportaci�n de nuevos horizontes teol�gico-doctrinales; pero se trata todavia de un pluralismo moderado, el pluralismo de las opciones fide�stas y del colectivo de los creyentes exclusivamente. Hay una tercera etapa en la que a�n no estamos y cuyos primeros brotes doctrinales comienzan a aparecer en los momentos actuales, la etapa del pluralismo religioso �ntegro, como la he llamado en otra ocasi�n, que representa la inserci�n de las opciones religiosas no fide�stas dentro del concepto y de la protecci�n de la libertad religiosa."(9)

Para se falar em liberdade religiosa � importante analisar-se o pr�prio conceito de religi�o, pois conforme ressalta Konvitz, o que para um homem � religi�o, pode ser considerado por outro como uma supersti��o primitiva, imoralidade, ou at� mesmo crime, n�o havendo possibilidade de uma defini��o judicial (ou legal) do que venha a ser uma religi�o.(10)

Se n�o � poss�vel uma conceitua��o legal do que vem a ser religi�o, podemos tentar definir o conceito com apoio na filosofia.

Em conformidade com as ensinan�as de Carlos Lopes de Mattos, religi�o � a "cren�a na (ou sentimento de) depend�ncia em rela��o a um ser superior que influi no nosso ser — ou ainda — a institui��o social de uma comunidade unida pela cren�a e pelos ritos".(11)

Para o Professor R�gis Jolivet, da Universidade Cat�lica de Lyon, o voc�bulo religi�o pode ser entendido em um sentido subjetivo ou em um sentido objetivo. Subjetivamente, religi�o � "homenagem interior de adora��o, de confian�a e de amor que, com todas as suas faculdades, intelectuais e afetivas, o homem v�-se obrigado a prestar a Deus, seu princ�pio e seu fim". Objetivamente, religi�o seria "o conjunto de atos externos pelos quais se expressa e se manifesta a religi�o subjetiva (= ora��o, sacrif�cios, sacramentos, liturgia, ascise, prescri��es morais)".(12)

Juan Zarag�eta, com mais precis�o esclarece que "I) La ‘religi�n’ consiste essencialmente en el homenaje del hombre a Dios. Pero la precision de esta definici�n tropieza con la doble dificultad: 1) de definir el concepto de Dios, de tan m�ltiple acepci�n (v�ase); 2) de determinar en qu� consiste el homenaje religioso. A) A este prop�sito cabe distinguir: a) la religi�n interessada, que busca a Dios como un Poder superior a los de este mundo, para hacerle propicio (con oraciones y sacrificios) a los hombres, en el doble sentido de liberarlos de los males y procurarles los bienes de esta vida; b) la religi�n desinteressada, que (sin excluir lo anterior) busca sobre todo a Dios para hacerle el homenaje — culto interno o mental y externo o verbal y real, especialmente sacrificial, privado y p�blico (v�ase) — de la adoraci�n y del amor de los hombres. B) La religi�n: a) no moral, que considera a Dios como el legislador y sancionador, en esta vida o en la otra, del orden moral y jur�dico, y al ‘pecado’ o infracci�n de este orden (que incluye tambi�n el religioso) como una ofensa de Dios, que quien cabe recabar su perd�n a base del prop�sito de volver a cometerlo. Las religiones inferiores se caracterizan en ambos conceptos por atenerse al sentido a) y las superiores al sentido b). Hay que advertir, sin embargo, que la religi�n, incluso en el sentido b), se presta a ser utilizada hasta por los que no creen en Dios y para los dem�s en el concepto de A) b), como fuente de consuelo para el alma; y en el concepto B) b) como auxiliar del orden moral y pol�tico (concepto ‘pragm�tico’ de la religi�n). II) Se distinguen tambi�n la religi�n natural y las religiones positivas, o hist�ricamente existentes; de las que varias pretenden ser reveladas por Dios con revelaci�n variamente garantizada, y por ende sobrenaturales, no s�lo por el modo de la revelaci�n, sino tambi�n por la elevaci�n con ella del hombre a una condici�n de intimidad con Dios (la ‘gracia santificante’, conducente tras de la muerte a la ‘gloria’ o visi�n beatifica de Dios) que por su naturaleza no le corresponde; la religi�n cristiana descuella como tal religi�n sobrenatural. Es de advertir que esp�ritus agn�sticos tocante al dogma de la existencia o cuando menos de la esencia de Dios, no renuncian a la religi�n como sentimento o actitud de dependencia respetuosa del hombre del impe-netrable. Absoluto imanente o transcendente al mundo que nos rodea. De esta actitud ha derivado el sentido de ‘lo religioso’ hasta a actos de la vida profana que se entienden ejercidos con una absoluta seriedad o deberes cumplidos con escrupulosa dilig�ncia."(13)

A liberdade de religi�o engloba, na verdade, tr�s tipos distintos, por�m intrinsecamente relacionados de liberdades: a liberdade de cren�a; a liberdade de culto; e a liberdade de organiza��o religiosa.

Consoante o magist�rio de Jos� Afonso da Silva, entra na liberdade de cren�a "a liberdade de escolha da religi�o, a liberdade de aderir a qualquer seita religiosa, a liberdade (ou o direito) de mudar de religi�o, mas tamb�m compreende a liberdade de n�o aderir a religi�o alguma, assim como a liberdade de descren�a, a liberdade de ser ateu e de exprimir o agnosticismo. Mas n�o compreende a liberdade de embara�ar o livre exerc�cio de qualquer religi�o, de qualquer cren�a..."(14)

A liberdade de culto consiste na liberdade de orar e de praticar os atos pr�prios das manifesta��es exteriores em casa ou em p�blico, bem como a de recebimento de contribui��es para tanto.(15)

A liberdade de organiza��o religiosa "diz respeito � possibilidade de estabelecimento e organiza��o de igrejas e suas rela��es com o Estado."(16)

A liberdade de religi�o n�o est� restrita � prote��o aos cultos e tradi��es e cren�as das religi�es tradicionais (Cat�lica, Judaica e Mu�ulmana), n�o havendo sequer diferen�a ontol�gica (para efeitos constitucionais) entre religi�es e seitas religiosas. Creio que o crit�rio a ser utilizado para se saber se o Estado deve dar prote��o aos ritos, costumes e tradi��es de determinada organiza��o religiosa n�o pode estar vinculado ao nome da religi�o, mas sim aos seus objetivos. Se a organiza��o tiver por objetivo o engrandecimento do indiv�duo, a busca de seu aperfei�oamento em prol de toda a sociedade e a pr�tica da filantropia, deve gozar da prote��o do Estado.

Por outro lado, existem organiza��es que possuem os objetivos mencionados e mesmo assim n�o podem ser enquadradas no conceito de organiza��o religiosa (a ma�onaria � um exemplo desse tipo de sociedade). Penso que em tais casos o Estado � obrigado a prestar o mesmo tipo de prote��o dispensada �s organiza��es religiosas, uma que vez existe uma coincid�ncia de valores a serem protegidos, ou seja, as religi�es s�o protegidas pelo Estado simplesmente porque as suas exist�ncias acabam por beneficiar toda a sociedade (esse benef�cio deve ser verificado objetivamente, n�o bastante para tanto o simples beneficiamento para a alma dos indiv�duos em um Mundo Superior — os atos, ou melhor, a conseq��ncia dos atos, deve ser sentida nesse nosso mundo). Existindo uma coincid�ncia de valores protegidos, deve existir uma coincid�ncia de prote��o.

Devemos ampliar ainda mais o conceito de liberdade de religi�o para abranger tamb�m o direito de prote��o aos n�o-crentes, ou seja, �s pessoas que possuem uma posi��o �tica, n�o propriamente religiosa (j� que n�o d� lugar � ado��o de um determinado credo religioso), saindo, em certa medida do �mbito da f�(17), uma vez que a liberdade preconizada tamb�m � uma liberdade de f� e de cren�a, devendo ser enquadrada na liberdade religiosa e n�o simplesmente na liberdade de pensamento.

Pontes de Miranda refor�a esses argumentos ao afirmar que tem se perguntado se na liberdade de pensamento caberia a liberdade de pensar contra certa religi�o ou contra as religi�es. Salienta que nas origens, o princ�pio n�o abrangia essa emiss�o de pensamento, tendo posteriormente sido inclu�do nele alterando-se-lhe o nome para ‘liberdade de cren�a’, para que se prestasse a ser invocado por te�stas e ateus. Afirma, por fim, que "liberdade de religi�o � liberdade de se ter a religi�o que se entende, em qualidade, ou em quantidade, inclusive de n�o se ter."(18)

II - DA RELIGI�O NA CONSTITUI��O FEDERAL

Para a an�lise do tema � conveniente que se traga � cola��o os dispositivos constitucionais a ele relativo. Vejamos:

A Constitui��o Federal, no artigo 5�, VI, estipula ser inviol�vel a liberdade de consci�ncia e de cren�a, assegurando o livre exerc�cio dos cultos religiosos e garantindo, na forma da lei, a prote��o aos locais de culto e as suas liturgias.

O inciso VII afirma ser assegurado, nos termos da lei, a presta��o de assist�ncia religiosa nas entidades civis e militares de interna��o coletiva.

O inciso VII do artigo 5�, estipula que ningu�m ser� privado de direitos por motivo de cren�a religiosa ou de convic��o filos�fica ou pol�tica, salvo se as invocar para eximir-se de obriga��o legal a todos imposta e recusar-se a cumprir presta��o alternativa, fixada em lei.

O artigo 19, I, veda aos Estados, Munic�pios, � Uni�o e ao Distrito Federal o estabelecimento de cultos religiosos ou igrejas, embara�ar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes rela��es de depend�ncia ou alian�a, ressalvada, na forma da lei, a colabora��o de interesse p�blico.

O artigo 150, VI, "b", veda � Uni�o, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Munic�pios a institui��o de impostos sobre templos de qualquer culto, salientando no par�grafo 4� do mesmo artigo que as veda��es expressas no inciso VI, al�neas b e c, compreendem somente o patrim�nio, a renda e os servi�os, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas.

O artigo 120 assevera que ser�o fixados conte�dos m�nimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar a forma��o b�sica comum e respeito aos valores culturais e art�sticos, nacionais e regionais, salientando no par�grafo 1� que o ensino religioso, de mat�ria facultativa, constituir� disciplina dos hor�rios normais das escolas p�blicas de ensino fundamental.

O artigo 213 disp�e que os recursos p�blicos ser�o destinados �s escolas p�blicas, podendo ser dirigidos a escolas comunit�rias, confessionais ou filantr�picas, definidas em lei, que comprovem finalidade n�o-lucrativa e apliquem seus excedentes financeiros em educa��o e assegurem a destina��o de seu patrim�nio a outra escola comunit�ria, filantr�pica ou confessional, ou ao Poder P�blico, no caso de encerramento de suas atividades. Salientando ainda no par�grafo 1� que os recursos de que trata este artigo poder�o ser destinados a bolsas de estudo para o ensino fundamental e m�dio, na forma da lei, para os que demonstrarem insufici�ncia de recursos, quando houver falta de vagas e cursos regulares da rede p�blica na localidade da resid�ncia do educando, ficando o Poder P�blico obrigado a investir prioritariamente na expans�o de sua rede na localidade.

O artigo 226, par�grafo 3�, assevera que o casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.

Cada um desses dispositivos constitucionais poderia dar origem a uma monografia, por�m, por uma op��o meramente did�tica, optamos, como j� se deve ter percebido, por n�o trat�-los por t�picos isolados, tecendo coment�rios sobre eles no bojo do texto.

III - DA NECESS�RIA SEPARA��O IGREJA-ESTADO

De in�cio podemos notar uma falta de sintonia entre a nossa fala inicial, embasada no texto constitucional, e o que ocorre cotidianamente no Brasil.

Como � poss�vel se falar que n�o existe uma religi�o oficial quando ao abrir-se qualquer folhinha nota-se a exist�ncia de feriados oficiais de car�ter religioso. E mais, de car�ter santo para apenas uma religi�o (v.g. dia da padroeira do Brasil e finados).

Se existe uma separa��o entre o Estado e a Religi�o, ser� que seria constitucionalmente poss�vel a exist�ncia desses feriados? E como ficam as datas santificadas das outras religi�es: o ano novo judaico, o ano novo chin�s, o per�odo de jejum dos mu�ulmanos etc.?

Tal questionamento est� sendo feito atualmente pela Igreja Universal do Reino de Deus. � uma pena que as atitudes da mencionada Igreja estejam tamb�m envoltas em um manto de intoler�ncia religiosa, sendo a discuss�o sobre a exist�ncia dos dias santificados encarada como uma "vingan�a" contra a imagem da padroeira do Brasil. Tal questionamento deveria ser feito no �mbito frio e racional da Constitui��o, sem o apelo a lutas religiosas, persegui��es etc.

Por�m � bom que se ressalte que Konvitz, citando o Justice Douglas, afirma que a separa��o entre o Estado e a Igreja n�o � absoluta. Ela � limitada pelo exerc�cio do poder de pol�cia do Estado(19) (e por outros poderes constitucionalmente atribu�dos a este) e pelas pr�ticas amplamente aceitas como s�mbolos ou tradi��es nacionais e que n�o seriam abolidas pela popula��o mesmo que n�o gozassem de apoio estatal.(20)

Portanto, se a exist�ncia desses feriados � de constitucionalidade duvidosa, tal realidade � plenamente defens�vel face ao apego que a maioria da popula��o tem a essas tradi��es, sendo que, provavelmente, grande parte da popula��o n�o iria trabalhar mesmo que n�o fosse determinado o feriado.

Creio n�o ser inconstitucional a exist�ncia dos feriados religiosos em si. O que reputo ser inconstitucional � a proibi��o de se trabalhar nesse dia, por outras palavras, n�o reputo ser leg�tima a proibi��o de abertura de estabelecimentos nos feriados religiosos. Cada indiv�duo, por sua pr�pria vontade, deveria possuir a faculdade de ir ou n�o trabalhar. Se n�o desejasse trabalhar, a postura legal lhe seria favor�vel (abono do dia por expressa determina��o legal), se resolvesse ir trabalhar n�o estaria obrigado a obedecer uma postura v�lida para uma religi�o que n�o segue. Pode-se ir mais al�m nesse racioc�nio. Qual � a l�gica da proibi��o de abertura de estabelecimento aos domingos? Com certeza existe uma determina��o religiosa por tr�s da lei que proibiu a abertura de estabelecimentos nos domingos (dia de descanso obrigat�rio para algumas religi�es). Como ficam os adeptos de outras religi�es que possuem o s�bado como dia de descanso obrigat�rio (v.g., os judeus e os adventistas)? Dever-se-ia facultar aos estabelecimentos a abertura aos s�bados ou aos domingos, sendo que a ratio legis estaria assim atendida, ou seja, possibilitar o descanso semanal remunerado.

Portanto, creio que alargando o calend�rio de feriados e dias santificados para incluir as datas das maiores religi�es existentes no nosso pa�s e tornando estes feriados e dias santificados facultativos (no sentido de ser feita a op��o entre ir trabalhar ou n�o), qualquer resqu�cio de inconstitucionalidade estaria sanado.

Um problema muito mais grave est� na descoberta de qual deve ser a exata postura do Estado frente �s religi�es (minorit�rias e majorit�rias).

Em que consiste a j� mencionada separa��o de Estado e Igreja? J� vimos que o Estado brasileiro est� terminantemente proibido de subvencionar qualquer religi�o. Vimos tamb�m que o Estado n�o pode obstar uma pr�tica religiosa. N�o pode adotar uma religi�o oficial. N�o pode discriminar por crit�rios religiosos. N�o pode fomentar disputas religiosas. Resta-nos ver o que pode o Estado fazer.

O Estado pode cooperar com as institui��es religiosas na busca do interesse p�blico (art. 19, I, da C.F.), ou seja, ele n�o pode manter rela��es de depend�ncia ou alian�a, por�m pode firmar conv�nios com as entidades religiosas quando tais conv�nios atendam ao interesse p�blico (e n�o ao interesse dos governantes). Ali�s, pode e deve ter tal postura.

A experi�ncia judicial americana nos mostra como � dif�cil delimitar at� onde � constitucionalmente poss�vel e permitido a coopera��o entre Estado e religi�es. V�rios casos foram levados �s Cortes americanas com rela��o � leitura da B�blia (Velho Testamento-sem coment�rios) em sala de aula(21), com rela��o ao pagamento pelo Estado do �nibus escolar em Escolas Cat�licas(22), com rela��o ao planejamento das aulas na Escola P�blica para que se abra um espa�o para o ensino religioso(23), com rela��o � distribui��o de B�blias com o Novo e o Velho Testamento nas escolas(24), com rela��o ao descanso semanal(25). Todas as decis�es foram tomadas por uma estreita margem de votos, o que demonstra a enorme pol�mica que envolve o assunto.

Nossa jurisprud�ncia sobre o tema ainda est� engatinhando, podendo ser citados os seguintes precedentes:

Em 1949, foi impetrado no Pret�rio Excelso o Mandado de Seguran�a que recebeu o n. 1.114. Nesse Mandado um bispo dissidente da Igreja Cat�lica Apost�lica Romana requeria o amparo do Judici�rio no sentido de evitar que o executivo impedisse "as manifesta��es externas, quais prociss�es, missas campais, cerim�nias em edif�cios abertos ao p�blico etc.," de sua Igreja, quando praticadas com as mesmas vestes e seguindo o mesmo rito da Igreja Cat�lica Apost�lica Romana. O S.T.F. manifestou-se contr�rio � pretens�o do impetrante, fulminando com essa decis�o a acalentada separa��o entre Estado e Igreja. Esta decis�o deixa claro como � extremamente dif�cil a pr�tica do "jogo democr�tico religioso", ou seja, se na teoria a separa��o Estado-Igreja j� estava bem delimitada (desde 1890), na pr�tica essa separa��o ainda era feita por linhas muito t�nues.

� importante registrar-se o teor do voto discordante do saudoso Ministro Hahnemann Guimar�es. A transcri��o do voto se faz necess�ria pois vale como uma aula pr�tica e te�rica sobre o tema: "...Da� resultou a provid�ncia sugerida do Sr. Consultor-Geral da Rep�blica, o Professor Haroldo Valad�o, nos seguintes termos: "Cabe, portanto, � autoridade civil, no exerc�cio do seu poder de pol�cia, atendendo ao pedido que for feito pela autoridade competente da Igreja Cat�lica Apost�lica Romana, e assegurando-lhe o livre exerc�cio do seu culto, impedir o desrespeito ou a perturba��o do mesmo culto, atrav�s de manifesta��es externas, quais prociss�es, missas campais, cerim�nias em edif�cios abertos ao p�blico etc., quando praticadas pela Igreja Cat�lica Apost�lica Brasileira com as mesmas vestes, enfim, o mesmo rito daquela". Adotando a provid�ncia sugerida neste parecer, Sr. Presidente, parece-me que o poder civil, o poder temporal, infringiu, frontalmente, o princ�pio b�sico de toda a pol�tica republicana, que � a liberdade de cren�a, da qual decorreu, como conseq��ncia l�gica e necess�ria, a separa��o da Igreja e do Estado. Reclamada essa separa��o pela liberdade de cren�a, dela resultou, necessariamente, a liberdade de exerc�cio de culto. Devemos esses grandes princ�pios � obra benem�rita de DEM�TRIO RIBEIRO, de cujo projeto surgiu, em 7 de janeiro de 1890, o sempre memor�vel ato que separou, no Brasil, a Igreja do Estado. � de se salientar, ali�s, que a situa��o da Igreja Cat�lica Apost�lica Romana, separada do Estado, se tornou muito melhor. Cresceu ela, ganhou prest�gio, gra�as � emancipa��o do regalismo que a subjugava durante o Imp�rio. Foi durante o Imp�rio que se proibiu a entrada de novi�os nas ordens religiosas; foi durante o Imp�rio que se verificou a luta entre ma�ons e cat�licos, de que resultou a deplor�vel pris�o dos Bispos D. Vital Maria Gon�alves de Oliveira e D. Macedo Costa, bispos de Olinda e do Par�. Mas n�o nos esque�amos do pr�prio cisma, provocado, no s�culo XIV, pelos cardeais rebeldes, em que se elegeu o antipapa Clemente VII. Assim, a Hist�ria da Igreja est� repleta desses cismas, est� repleta desses delitos contra a f�. Trata-se pois, de delito contra a f�, como o classificam os canonistas... � o que se d�, no presente momento. O ex-bispo de Maura, D. Carlos Costa, n�o quer reconhecer o primado do Pont�fice Romano, quer constituir uma Igreja Nacional, uma Igreja Cat�lica Apost�lica Brasileira com o mesmo culto cat�lico. �-lhe l�cito exercer esse culto, no exerc�cio da liberdade outorgada pela Constitui��o no artigo 14, par�grafo 7�, liberdade cuja perturba��o �, de modo preciso, proibida pela Constitui��o, no artigo 31, inciso II. Trata-se, pois, de delito espiritual, podemos admitir. Como resolver um delito espiritual, um conflito espiritual, com a interven��o do poder temporal, do poder civil, que est� separado da Igreja? Os delitos espirituais punem-se com as san��es espirituais; os conflitos espirituais resolvem-se dentro das pr�prias Igrejas; n�o � l�cito que essas Igrejas recorram ao prest�gio do poder para resolver seus cismas, para dominar suas dissid�ncias. � este princ�pio fundamental da pol�tica republicana, este princ�pio da liberdade de cren�a, que reclama a separa��o da Igreja do Estado e que importa, necessariamente, na liberdade do exerc�cio do culto; � este princ�pio que me parece profundamente atingido pela aprova��o de parecer do eminente e meu ilustre colega de Faculdade, Professor Haroldo Valad�o. Assim sendo, Sr. Presidente, concedo o mandado."(26)

Portanto, com exce��o do Ministro Hahnemann Guimar�es, o Supremo Tribunal Federal fez vistas grossas � necess�ria separa��o entre Estado e Igreja, desconsiderando o pr�prio texto constitucional, apegando-se a sentimentos individuais n�o amparados pela ordem jur�dica.

A nossa Suprema Corte foi novamente convocada a pronunciar-se na Representa��o n. 959-9 - PB (JSTJ-Lex, 89/251) aonde arg��a-se a inconstitucionalidade da Lei n. 3.443, de 6.11.66 que exigia a pr�via autoriza��o da Secretaria da Seguran�a P�blica do Estado da Para�ba para o funcionamento das Tendas, Terreiros e Centros de Umbanda.

O Ministro Francisco Rezek, � �poca Procurador da Rep�blica, salientou em seu parecer que: "5. Em termos absolutos, nada existe na norma sob crivo, tanto em sua reda��o atual quanto, mesmo, na primitiva, que constitua embara�o aos cultos africanos, de modo a afrontar a garantia constitucional da liberdade religiosa.

6. No m�ximo, dar-se-ia por defens�vel a tese do embara�o relativo, e do conseq�ente ultraje ao princ�pio da isonomia, � considera��o de que as exig�ncias da lei paraibana n�o se endere�am por igual, aos restantes cultos religiosos. Para tanto, por�m, seria necess�rio que a conduta do legislador local parecesse abstrusa e inexplic�vel, o que, em verdade, n�o ocorre. Pelo contr�rio, a quem quer que n�o se obstine em ignorar a realidade social, parecer�o irrespond�veis os argumentos do digno Governador do Estado da Para�ba, � luz de cujo entendimento os cultos africanos ‘s�o destitu�dos de qualquer ordenamento escrito ou mesmo tradicionalmente preestabelecido. N�o contam com sacerdotes ou ministros institu�dos por autoridades hier�rquicas que os presidam ou dirijam, nem possuem templos propriamente ditos para a pr�tica dos seus rituais.

Estes como textualmente esclarece a pr�pria representa��o sub judice, se realizam separadamente, em terreiros, tendas ou Centros de Umbanda, entidades aut�nomas e independentes, nem sempre harm�nicas nas suas pr�ticas, fundadas por qualquer adepto daquelas seitas que se considere com poderes e qualidades sobrenaturais para cri�-las. Tais circunst�ncias, agravadas pela aus�ncia de qualquer ministro ou sacerdote, not�ria e formalmente constitu�do, comprometem o sentido da responsabilidade a ser assumida perante as autoridades p�blicas, no que concerne � boa ordem dos terreiros, tendas e Centros de Umbanda. Quis, ent�o, o legislador local, assegurar no Estado o funcionamento daqueles cultos, mediante o cumprimento de determinadas exig�ncias, a serem atendidas pelos representantes dessas sociedades, que passariam, assim, a ter exist�ncia legal.

Essas exig�ncias, feitas em garantia da ordem e da seguran�a p�blica, n�o podem constituir embara�o ao exerc�cio do culto, no

sentidoconstantedo artigo 9�, II, da Constitui��o da Rep�blica, tanto mais quanto a pr�pria lei, no seu artigo 3�, determina expressamente que, autorizado o funcionamento do culto, nele a pol�cia n�o poder� intervir, a n�o ser por infra��o da lei penal que ali ocorra.’" 

O Pret�rio Excelso furtou-se � an�lise do m�rito da representa��o por entender que a mesma estaria prejudicada pela altera��o sofrida no artigo 2� da Lei n. 3.443/66 pela Lei n. 3.895/77.

Ocorre que a altera��o mencionada n�o teve o cond�o de sanar a inconstitucionalidade existente.

Pela Lei n. 3.895, de 22 de mar�o de 1977, "O funcionamento dos cultos de que trata a presente lei ser�, em cada caso, comunicado regularmente � Secretaria de Seguran�a P�blica, atrav�s do �rg�o competente a que sejam filiados, comprovando-se o atendimento das seguintes condi��es preliminares: ...II-b) possuir licen�a de funcionamento de suas atividades religiosas, fornecida e renovada anualmente pela federa��o a que foi filiado".

Ora, somente os Terreiros, Tendas e Centros de Umbanda (Cultos Africanos) deveriam, pela mencionada lei, comunicar o seu funcionamento � Secretaria de Seguran�a P�blica. Qual � o motivo desta discrimina��o? � patente que tal exig�ncia sendo feita exclusivamente aos Cultos Africanos fere o princ�pio da isonomia, n�o importando se a Secretaria de Seguran�a P�blica n�o tenha mais que dar a sua autoriza��o para que a entidade funcione. O s� fato dos Templos de uma determinada religi�o serem obrigados a comunicar o seu funcionamento � Secretaria de Seguran�a P�blica e outros Templos de outra religi�o n�o serem obrigados a tal procedimento, j� mostra um preconceito e um tratamento diferenciado totalmente injustificados. A fala de que a discrimina��o foi feita em raz�o da "realidade social" � desprovida de conte�do, n�o possuindo pertin�ncia l�gica com o pr�prio tratamento desigual. A express�o equivale a um "cheque em branco" a ser preenchido a gosto do sacador.

Quando o Supremo Tribunal se negou a apreciar a representa��o, por via obl�qua, julgou v�lida a discrimina��o, fazendo, novamente, t�bula rasa de nossa Constitui��o.

No �mbito do Estado de S�o Paulo pode-se mencionar o Mandado de Seguran�a n. 13.405-0 (publicado na RJTJESP 134/370) impetrado contra ato do Presidente da Assembl�ia Legislativa que mandara retirar, sem oitiva do Plen�rio, crucifixo colocado na sala da Presid�ncia da Assembl�ia.

O Tribunal entendeu, sem adentrar ao m�rito do ato, ser mat�ria de "�mbito estritamente administrativo, constituindo, do, ademais, ato in�cuo para violar o disposto no inciso VI do artigo 5� da Constitui��o da Rep�blica".

Apenas ad argumentandum vale a transcri��o de trecho do voto vencido do douto Desembargador Francis Davis que afirma que o "crucifixo existente na Presid�ncia da Augusta Assembl�ia Legislativa � uma exterioriza��o dos caracteres do Povo de S�o Paulo. � a representa��o de um pre�mbulo da pr�pria Constitui��o deste Estado, outorgada com invoca��o da ‘prote��o de Deus’. � ainda, a exterioriza��o de um Povo que, como deve, cultua sua hist�ria, tendo sempre presente que o Brasil, desde o seu descobrimento, � o Pa�s da Cruz. Isto �, a Ilha da Vera Cruz, e depois, a Terra de Santa Cruz, indica��o, em �ltima an�lise, de um povo espiritualista, nunca materialista.

Cabe ao Senhor deputado impetrante defender, na Casa das Leis, esse s�mbolo representativo do Povo de S�o Paulo, que, ao eleg�-lo, outorgou-lhe legitimidade bastante para a defesa, na Assembl�ia, dos predicados e interesse de S�o Paulo, dentre os quais seus caracteres religiosos (independentemente do credo individual) e hist�rico."

Com o devido respeito n�o creio ser esta a melhor interpreta��o a ser dada ao preceito constitucional que invoca a "prote��o de Deus". Se � ineg�vel a tradi��o crist� do povo brasileiro, tamb�m � ineg�vel o crescimento de outras religi�es que consideram a exist�ncia de crucifixos e imagens de santos uma "abomina��o". � dif�cil, hoje, precisar numericamente qual � a religi�o majorit�ria. O que se pode afirmar, sem qualquer d�vida, � que existe uma parcela consider�vel da popula��o que n�o segue mais a religi�o cat�lica apost�lica romana. Com base no nosso progresso constitucional, pode-se afirmar com seguran�a que o Estado n�o deve simplesmente "tolerar"(27) a exist�ncia de outras religi�es em seu territ�rio. Deve saber conviver com a multiplicidade de religi�es existentes, tratando igualmente a todas.

A exist�ncia de um Ser Superior � aceita por todas as religi�es. As religi�es, basicamente, divergem na forma de se encontrar Deus, escolhendo cada uma seu pr�prio caminho. Portanto, concluo que o Estado Brasileiro n�o pode escolher aleatoriamente um caminho. Que o lado "espiritual" do povo deve ser respeitado, estimulado e protegido n�o h� d�vida. O que n�o se pode fazer � optar por uma religi�o em detrimento de outras.

Acredito estar a raz�o com o nobre Deputado Estadual Presidente da Assembl�ia, que entende que "nenhum s�mbolo religioso deve ornamentar qualquer pr�prio do Estado, em especial a sede de um dos Poderes, exatamente o Gabinete daquela autoridade que o representa, sob pena de se estar violando a Constitui��o."

IV - DO ENSINO RELIGIOSO NA

REDE P�BLICA DE ENSINO

A Constitui��o da Rep�blica estabelece em seu artigo 210, par�grafo 1� que as escolas p�blicas de ensino fundamental dever�o ter, obrigatoriamente, em seu curriculum, como matr�cula facultativa por�m dentro do hor�rio normal de aulas, uma cadeira relacionada ao ensino religioso.

A Constitui��o n�o tra�a, no mencionado dispositivo, nenhum padr�o de conduta para o Administrador ou para os educadores com rela��o � forma que se dar� o ensino religioso, muito menos qual o seu conte�do ou ainda, por ser facultativa a matr�cula, n�o d� nenhuma dica sobre o que far�o as crian�as que n�o optarem pelo ensino religioso durante o per�odo em que estiverem sendo ministradas as aulas relacionadas � mat�ria. Tais indaga��es ficaram sem resposta imediata devendo ser feita uma exegese de todo o texto constitucional para que se consiga dar a aplica��o correta ao artigo.

Primeiramente, � conveniente repisar-se que n�o existe uma religi�o oficial no Brasil. N�o existindo religi�o oficial, n�o se pode optar pela ensinan�a dos preceitos de nenhuma religi�o espec�fica (ou melhor dizendo, n�o se pode optar pelo ensinamento de apenas uma religi�o) pois em assim ocorrendo estar-se-ia promovendo o proselitismo patrocinado pelo Poder P�blico.

Se est� proibida a ensinan�a de determinada religi�o, qual era a inten��o do Constituinte? Cremos que a inten��o do Constituinte foi dar a oportunidade para que os alunos, em idade de forma��o de sua personalidade, possam ter informa��es para optar, no futuro, livremente por uma religi�o, ou por nenhuma religi�o. Na cadeira de ensino religioso deveriam ser transmitidos os fundamentos das maiores religi�es existentes no Brasil, com �nfase nos aspectos que lhes s�o comuns: pr�tica de boas a��es, busca do bem comum, aprimoramento do car�ter humano etc..

Deixa-se consignado que a implementa��o do ensino religioso nas escolas p�blicas vai passar por um grave problema que � a falta de bons profissionais, aptos a transmitir conceitos gerais sobre todas as religi�es, sem tentar for�ar a preval�ncia de suas pr�prias id�ias, ou das id�ias da religi�o que representa (� conveniente que se atente que � margem da quase inexist�ncia de tais profissionais, ainda existe, na nossa realidade, a agravante das p�ssimas condi��es generalizadas do ensino de nosso pa�s, que como regra geral, infelizmente, n�o oferece a possibilidade da manten�a de bons quadros do magist�rio dentro do ensino p�blico).

Existe, por outro lado, uma impossibilidade de que os professores sejam recrutados em determinada religi�o. Deve haver um concurso p�blico em que se exija o conhecimento das linhas gerais de todas as principais religi�es existentes no Brasil: religi�es de origem africana, cat�lica, evang�lica, judaica, mu�ulmana, budista etc., pois s� assim os professores estar�o, pelo menos em tese, aptos a transmitir as id�ias com um grau relativo de isen��o.

Outra quest�o que dever� ser solucionada � a relativa a facultatividade da matr�cula. Ser� que existe a facultatividade constitucionalmente prevista? Sendo que a mat�ria relativa ao ensino religioso dever� ser ministrada no hor�rio normal de aula, aonde ficar�o os alunos que n�o fizerem a op��o por ela? Se n�o houver uma op��o vi�vel, n�o h� que se falar em facultativa. Se a op��o for ficar sem fazer nada durante o per�odo das aulas, ou ainda, ficar tendo aula de uma das mat�rias tradicionais, com certeza a "facultatividade" estar� amea�ada.

Por derradeiro, outro ponto a ser analisado � relacionado � press�o do grupo: se noventa por cento de uma classe se dispuser a ter aula de determinada religi�o (no caso de n�o ser seguida a interpreta��o que fizemos relacionada com a obrigatoriedade de serem ministradas aulas sobre todas as correntes religiosas), como se sentir�o os dez por cento da classe que por n�o fazerem parte da religi�o majorit�ria, ou por n�o possu�rem nenhuma convic��o religiosa? Fatalmente o grupo exercer� uma forte press�o sobre as crian�as que ainda est�o em est�gio de forma��o de id�ias.

Pelos argumentos colacionados cremos que foi infeliz o legislador constituinte ao determinar que o ensino religioso deva ser ministrado dentro do hor�rio normal das escolas p�blicas, devendo, portanto, ser revisto este dispositivo, pois est� em contradi��o com o bojo da Constitui��o Federal no tocante � separa��o obrigat�ria entre o Estado e os entes religiosos, sob pena do Estado vir a patrocinar o proselitismo.

________

(1)  Procurador do Estado de S�o Paulo, Mestre e doutorando em Direito pela PUC/SP e Professor Universit�rio.

(2) SORIANO, Ram�n. Las liberdades p�blicas. Madri: Tecnos, 1990. p. 84.

(3) SORIANO, Ram�n, ob. cit., p. 64.

(4) SILVA, Jos� Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 5 ed. rev. e ampl. de acordo com a nova Constitui��o. S�o Paulo: Revista dos Tribunais, 1989. p. 223.

(5) SORIANO, Ram�n, ob. cit., p. 62.

(6) SORIANO, Ram�n, ob. cit., p. 61.

(7) KONVITZ, Milton R. Fundamental liberties of a free people: religion, speech, press, assembly, 2. ed. New York: Cornell University Press, 1962. p. 5.

(8) MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: direitos fundamentais. Coimbra: Coimbra Editora, 1988. v. 4, p. 348.

(9)  SORIANO, Ram�n, ob. cit., p. 75-76.

(10) KONVITZ, Milton R., ob. cit., p. 49.

(11) MATTOS, Carlos Lopes de. Voc�bulo filos�fico. S�o Paulo: Leia, 1957.

(12) JOLIVET, R�gis. Voc�bulo de filosofia. Tradu��o de Gerardo Dantas Barreto, Rio de Janeiro: Agir. 1975.

(13) ZARAG�ETA, Juan. Voc�bulo filos�fico. Madri: Espasa-Calpe. 1955. p. 454.

(14) SILVA, Jos� Afonso da., ob. cit., p. 221.

(15) Idem, ibidem.

(16) Idem, ibidem.

(17) SORIANO, Ram�n, ob. cit., p. 76.

(18) PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Coment�rios � Constitui��o de 1967 com a Emenda

n. 1, de 1969. 2. ed. S�o Paulo: Revista dos Tribunais, 1974. v. 5, p. 123.

(19) A legitimidade do exerc�cio do poder de pol�cia j� foi declarada nas Apela��es C�veis ns. 146.692-1/6 e 152.224-1/10, do Tribunal de Justi�a do Estado de S�o Paulo, cujo relator foi o Desembargador Andrade Marques. Nos ac�rd�os mencionados ficou demonstrada a possibilidade da Municipalidade fechar templos que n�o estejam cumprindo as posturas municipais para o seu funcionamento (falta de alvar�, hor�rio, barulho etc.)

(20) KONVITZ, Milton R., ob. cit., p. 56.

(21) Trata-se do Doremus Bible-Reading Case quando foi considerada constitucional a leitura do texto sem coment�rios, em virtude do esp�rito religioso do povo americano.

(22) Trata-se de Everson case, onde foi questionado se o Estado deve suportar com o custo do transporte das crian�as quando estas freq�entem escolas religiosas. A Suprema Corte manteve a decis�o da mais alta Corte de New Jersey que sustentou essas parcerias.

(23) Trate-se do Zorach case onde em 1952 foi considerado constitucional o planejamento da cidade de New York no tocante ao hor�rio das aulas nas Escolas P�blicas de modo a ser poss�vel o ensino religioso, com expressa autoriza��o dos pais, fora do hor�rio de aula e fora das escolas.

(24) A Suprema Corte entendeu ser tal ato inconstitucional por ser um ato sect�rio no Gideon’s Bible case.

(25) A Assembl�ia Legislativa do Estado de New York decidiu que "In the United States, as has been manifested in the attitude of the Supreme Court with respect to Sunday laws, and in its treatment of the New Jersey Bible-reading case, and in the Zorach decision, separation means co-operative, not absolute, separation. The most (and the least) that can be expected is that the law, while preserving Sunday as the Sabbath, will provide relief for those who observe the seventh day as their Sabbath, by permitting them to engage in their vocation or business on Sunday, provided they conduct themselves ‘in such manner as not to interrupt or disturb other persons in observing the first day of the week as holy time.’" (KONVITZ, Milton R., ob. cit., p. 81).

(26) PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti, Coment�rios � Constitui��o de 1967..., ob. cit., v. 5, p. 133-135.

(27) � conveniente que se traga � cola��o as ensinan�as de PONTES DE MIRANDA sobre o tema: "Os in�cios da liberdade religiosa foram simples armist�cios, ou tratados de paz, entre duas religi�es interessadas em cessar, por algum tempo, a luta. Depois, admitiram-se mais uma ou duas ou as mais conhecidas. N�o s�: onde uma preponderava, n�o abria m�o do seu prest�gio; tolerava as outras. Era a chamada religi�o "dominante". Em vez de se falar de liberdade religiosa, falava-se de toler�ncia religiosa, esp�rito de toler�ncia e outros conceitos semelhantes. Em 1789, MIRABEAU e TOMAS PAINE puseram o dedo na chaga. Zurziram as id�ias de religi�o "dominante" e de "toler�ncia". O �ltimo foi assaz claro e feliz: "A toler�ncia" dizia ele, no estudo sobre os Direitos do Homem, "n�o � o oposto � intoler�ncia, mas a sua falsifica��o. Ambas s�o despotismos. Uma se atribuiu a si mesma o direito de impedir a liberdade de consci�ncia, e outra, o de autoriz�-la". A "toler�ncia" era resto de pensamento desp�tico." (ob. cit., p. 121-122).

É verdade a União aos Estados ao Distrito Federal É aos Municípios estabelecer cultos religiosos?

É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público; II - recusar ...

É verdade a União aos Estados ao Distrito Federal É aos Municípios?

De acordo com a Constituição de 1988, a República Federativa do Brasil é composta pela parceria indissolúvel de estados, municípios e distrito federal. A organização político-administrativa brasileira compreende a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios, todos autônomos, nos termos da Constituição.

É permitido à União aos Estados ao Distrito Federal É aos Municípios recusar fé aos documentos públicos entre os quais aqueles elaborados ou autenticados pelo notário?

Destarte, a pública se traduz na confiança que tem uma coletividade com relação a esses atos e documentos, de forma que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios recusar fé aos documentos públicos, dentre os quais aqueles elaborados ou autenticados pelo notário, salvo prova de falsidade ( ...

É vedado à União aos Estados ao Distrito Federal É aos Municípios III criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si?

Este é o centro deste texto. Oras, é vedado aos entes federais, incluindo Municípios, "criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si". Criar distinção desta natureza é uma afronta à isonomia. Imagina uma lei municipal que dissesse: "Somente os munícipes desta podem fazer concursos aqui e, aqui, morar".